CUIDAR DE ALGUÉM COM DOENÇA DE ALZHEIMER, ALÉM DO DESGASTE FÍSICO E EMOCIONAL, É SOLITÁRIO. LEIA O DEPOIMENTO DE UM MARIDO CUIDADOR

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Cuidar de alguém com Doença de Alzheimer é um processo longo e desgastante que pode trazer consequências muito negativas à saúde física e mental dos cuidadores que assumem este papel, muitas vezes, ainda antes do diagnóstico médico.

“Cuidar de uma pessoa com demência implica um dispêndio significativo de tempo, energia e dinheiro durante, potencialmente, longos períodos. As tarefas podem ser desagradáveis e desconfortáveis, psicologicamente estressantes e fisicamente desgastantes”, começa por explicar Catarina Alvarez, psicóloga coordenadora dos Projetos ‘Cuidar Melhor’ e ‘Café Memória’ da Associação Alzheimer Portugal.

A verdade é que, ao contrário do que acontece com outras doenças crónicas, a demência leva ao desenvolvimento de necessidades especiais, de apoio e cuidados, muitas vezes em fases iniciais da doença, que requerem supervisão e vigilância constantes.

De acordo com a especialista, este é um processo longo e que sofre alterações conforme a progressão da doença, provocando um enorme desgaste junto do cuidador.

A especialista admite que os primeiros tempos são, “para a maioria dos cuidadores e doentes, tempos muito duros”. Não só pelo choque provocado pela inversão dos papeis (quando se trata de filhos a cuidarem dos pais) ou à perda dos referenciais do familiar mas, sobretudo, pelos desentendimentos que a doença, naturalmente, estabelece.

“A demência pode ter um grande impacto no comportamento da pessoa e gerar ansiedade, desorientação, confusão e frustração”, justifica.

Embora, tal como explica, cada pessoa com demência lide de forma diferente e única com estes sentimentos, “são comuns alguns comportamentos” – discurso repetitivo, agitação, desconfiança e, por vezes, agressividade  – que dificultam o relacionamento.

Por outro lado, do ponto de vista do cuidador, as preocupações centram-se no futuro e nas repercussões que a doença possa vir a ter a nível profissional e familiar. “Verificam-se também as preocupações relacionadas com a antecipação de fases mais avançadas da doença e à possível exigência de cuidados exceder a capacidade e recursos do cuidador”, acrescenta a psicóloga.

Deste modo, torna-se vital o apoio ao cuidador. “Importa procurar informação, formação e apoio emocional”, revela acrescentando que o apoio à pessoa com demência e cuidadores deve “ser dado a partir do diagnóstico até aos cuidados de fim de vida”.

Cuidadores queixam-se de falta de apoio.

José Lopes acorda todos os dias entre as 6 e as 7 horas para se dedicar em exclusivo à mulher, Alice de 74 anos, que há 12 convive com a doença de Alzheimer.

Apesar dos primeiros sintomas terem surgido há mais de uma década, apenas há quatro chegou o diagnóstico. “Havia sintomas pouco comuns, como a perda de memória…”, revela.

“Naquela altura havia pouca sensibilidade, até na classe médica, para os sintomas de Alzheimer”, justifica José.

A verdade é que,  durante os primeiros oito anos da doença o casal consultou vários médicos e ouviram várias opiniões. “Isso é da idade, é uma demência vascular,  outro dizia que era um déficit cognitivo ligeiro…”, enumera.

O diagnóstico definitivo foi realizado  em 2012, depois de Alice ter feito “uma ressonância magnética especial e uma punção lombar”. “Foram realizadas várias tomografias, mas nos primeiros anos da doença eles não mostravam nada”, acrescenta.

Confirmado o diagnóstico, José admite que foi um choque. “Acabou por ser a confirmação de uma suspeita recente. Embora fosse lendo algumas coisas, nunca cheguei a desconfiar da doença,”, afirma.

“Ninguém está preparado para uma situação destas”, revela, sobretudo quando se vê confrontado com uma realidade diferente daquela que encontra na literatura.

“É uma doença sem cura,  mas o doente pode durar 20 e 25 anos… Ninguém pode imaginar como eu vou aguentar esses 25 anos!”, diz.

Os primeiros sintomas de Alice consistiam, sobretudo, na perda de memória. “Deixou de conseguir usar o cartão multibanco, não sabia como preencher um cheque, ia às compras e vinha com outras coisas que não aquelas que precisava comprar”, recorda.

Há quatro anos Alice deixou de conseguir cozinhar, de se lembrar que tem de tomar banho ou tomar a medicação.

“Teve ainda uma fase de grande agressividade, porque percebera que perdera as capacidades mas não conseguia compreender o que estava para acontecer”, revela José acrescentando que a doença evolui de mês para mês.

Perante a situação que viveu inicialmente, José admite que existiu dentro dele um conflito ético a respeito da continuidade dos tratamentos. “Se eu não faço nada isto precipita-se e eu livro-me disto mais cedo, se faço prolongo a situação e o meu sofrimento”, chegou a pensar.

“Passada a fase inicial, verifica-se o grande problema de apoio ao cuidador”, acrescenta justificando-se. “Não há para o doente, nem para o cuidador…”, reforça.

Lamenta-se pela falta de apoio médico, referindo que as consultas têm listas de espera  longas – “esperamos um ano para ter consulta”

Perante o desamparo que sentia, José teve de agir por conta própria e aprender sozinho como lidar com a doença.

“Se eu quero fazer alguma coisa tenho de o fazer sozinho”, diz. “Cheguei a ir a um psicólogo, mas desisti… Não se consegue encontrar um psicólogo que saiba o que é um doente de Alzheimer”, justifica.

Para além disso, lamenta a falta de apoio familiar que diz existir, por uma razão ou por outra, em todas as famílias. “Todos os cuidadores de Alzheimer passam por esta situação. Os filhos casam, moram fora, durante a semana estão preocupados com o trabalho e no fim-de-semana estão ocupados com os filhos ou os amigos. Outros porque não conseguem ver o familiar assim…”, justifica.

Hoje em dia, Alice “é muito pacífica” e sabe que sofre da doença. “Andei a adiar o ato de lhe explicar a doença. Agora sabe o que tem mas já não compreende muito bem o que isso é”, conta.

Ao fim destes 12 anos, ainda reconhece o marido,  filhos e  netos,  mas troca os nomes das noras e já não se lembra de familiares mais afastados.

“Eu já estou adaptado”, diz resignado o marido que, por sua iniciativa, aprendeu tudo o que podia aprender para cuidar das necessidades da mulher. “Sou eu que lhe faço os exercícios cognitivos e ela ainda gosta de fazer recortes e sudoku sozinha”, conclui.

Fonte: Atlas da Saúde (https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/o-papel-do-cuidador-na-doenca-de-alzheimer)

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