Em Minas, Zema paga apenas R$ 2.774,82, valor abaixo do piso nacional que determina o pagamento de R$ 4.867,77(para 40h semanais) para os professores da rede pública da educação básica no Brasil.
Ana Claudia Vargas*_PortalPlenaGente+
“O sino da escola dendelem tocou, dizendo que a aula já terminou…adeus querida mestra, adeus meus coleguinhas, contente irei agora ver a mamãezinha…”
Até hoje me lembro dessa singela canção que entoávamos na saída do pré-primário do longínquo ano de 1975 lá nas Dores do Indaiá. Nunca esqueci também o nome da minha professora, a querida ‘dona’ Nalzira. Naqueles idílicos tempos, ir para a escola era uma das maiores alegrias da minha vida e as professoras eram criaturas iluminadas que nos mostravam outros mundos dentro dos livros que líamos todas as tardes. Se existe um ranking de felicidade nessa vida, essa lembrança está, sem dúvida, entre as cinco primeiras.
Mas o corredor da escola católica em que eu estudava era muito comprido…Era tão longo como o tempo que passou, foi me envelhecendo e transformando o mundo dos livros em algo real demais. E nesse mundo real demais, os professores foram, conforme avançavam os anos seguintes, sendo cada vez mais desvalorizados, desrespeitados e vistos, enfim, como empecilhos, como peças ‘perigosas’ em um sistema social que tem feito tudo _ tudo mesmo! _ para difundir uma ideia (asquerosa) de que são obsoletos e desprezíveis.
Neste século XXI em que a maioria dos que mandam no mundo empurram os problemas sociais, ambientais (etc.) com a barriga, professores são continuamente humilhados, apanham de alunos (e até dos pais deles) e morrem em reuniões cheias de cobranças por cumprimento de metas inalcançáveis. Também há aqueles que são obrigados a continuar trabalhando à custa de antidepressivos e são jocosamente chamados de loucos, preguiçosos e por aí afora. É assim que os professores são tratados no Brasil. E em Dores do Indaiá, uma pequena cidade do centro-oeste mineiro, um lugar rodeado pela beleza do cerrado que ainda resiste e por montanhas suavemente azuladas e lilases, tudo isso acontece diariamente.
Longe ficaram os ecos do velho sino pendurado em uma parede do primeiro andar da minha escola e que ressoava todas as tardes nos mandando para casa nos anos setenta. Neste 2025 turbulento com guerras estourando aqui e ali, Minas tem um governador (a exemplo de São Paulo) que vê (quer dizer, será que vê?) os professores como inimigos, como ‘partículas’ que não contribuem para que a engrenagem direitista opere com precisão. Ora, e se é assim, há que se tratá-los à altura: com desprezo, desdém e fazendo tudo para que trabalhem muito e recebam cada vez menos… E em Dores do Indaiá e em tantas outras cidades de Minas e do Brasil isto é feito sem questionar. E é nesse ambiente árido como a terra pedregosa do cerradão que margeia a cidade, que a Rita de Cássia Amaral trabalha como professora há 23 anos.
Rita: a história (e a luta) de uma professora
Rita de Cássia tem 54 anos, leciona há 23 e me conta que ser professora era ‘um sonho, uma vocação’. “Acho muito bonita minha profissão, somos responsáveis por formar pessoas. Mas não digo que foi só por vocação, fiz o curso superior em matemática por gostar da matéria e também porque em nossa cidade as opções de um curso superior são poucas. Comecei a trabalhar no segundo ano de curso e nunca mais parei. O desafio é grande, temos muitos problemas que vão desde as questões salariais até a falta de interesse dos alunos”. Rita trabalha na rede na rede municipal desde 2001 _ lecionando para os anos finais do ensino fundamental _ e na estadual desde 2005, trabalhando com o Ensino Médio. Sobre a questão salarial, é bom lembrar que em Minas, Zema paga apenas R$ 2.774,82, valor abaixo do piso nacional que determina o pagamento de R$ 4.867,77(para 40h semanais) para os professores da rede pública da educação básica no Brasil. Portanto, a lei nº 11.738 (promulgada em 16 de julho de 2008) que foi criada para assegurar aos professores o pagamento de um valor mínimo não tem sido cumprida por aqui. Diante dessa informação, Rita diz: “Nossa jornada de trabalho no município e no estado é de 24 horas, então com isso a Lei assegura um pagamento proporcional a essa jornada. Com essa explicação quero dizer que o estado de Minas, hoje, teria que nos pagar R$ 2.920,66, pois isso equivale ao valor proporcional a 24h, contudo, estamos recebendo R$145,84 a menos que o piso. Por isso, o governador mandou um projeto para a Assembleia Legislativa com reajuste de 5,27% que vai assegurar o pagamento mínimo do piso e nenhum centavo a mais”.

Mas as coisas não são assim tão simples e objetivas nas Dores do Indaiá, esta cidade meio que famosa por ser o berço de intelectuais como o poeta modernista Emílio Moura, a escritora ultrapremiada Stella Maris Rezende e o sociólogo Bolívar Lamounier, entre outros. Dores é uma cidade, alguns dizem, metida a besta, e talvez ela possa ser mesmo porque além dos escritores afamados, tem também a festa popular mais famosa das Minas Gerais: a Festa de Nossa Senhora do Rosário. Contudo, apesar dessa riqueza cultural, os professores continuam sendo aviltados constantemente e Rita segue contando sua rotina neste lugar de paisagens tão belas e políticos (como a maioria?) tão cegos. “Aqui em Dores nossa situação é bem pior porque desde o mandato anterior do atual prefeito _ Alexandro Ferreira (PSD) _ que foi reeleito, não recebemos sequer o piso proporcional às 24h. Isso acontece desde de 2022.Em 2021, não houve aumento do piso, com isso recebemos o reajuste da inflação, o que passou a ocorrer em todos os anos. O prefeito diz que com o novo Fundeb a lei do piso foi revogada. Mas eu pergunto: como uma lei foi revogada se todo ano o Ministro da Educação faz um reajuste baseado nesta lei?”.
Infelizmente, Rita não tem esperança de que irá receber o piso salarial (determinado por lei) e afirma: “ Acredito que enquanto não houver uma punição bem severa para governantes que não cumprem a Lei, isso não vai mudar. O professor no início de carreira no município recebe, atualmente, com o reajuste da inflação deste ano, R$2.370,42, ou seja R$ 550,24 a menos que deveria receber se a lei fosse cumprida”, conclui.
Luz no fim do túnel? Talvez…
Mas, apesar dos pesares, em março desse ano o governo mineiro protocolou na Assembleia Legislativa um projeto de lei que visa assegurar o pagamento do piso no estado. Mas isto não significa que o prefeito dorense vai, finalmente, cumprir a lei. É o que pensa Rita que não se entusiasma nenhum pouco com a notícia. “ Acredito que este fato não vai mudar nada aqui na cidade, pois todos os anos o estado regulariza o pagamento proporcional às 24h, mas por aqui isso não acontece. Estamos na luta desde que foi tirado esse direito. O prefeito anterior havia regularizado a situação, mas o atual não segue esta determinação”. Mas por que isto ocorre por aqui? Segundo Rita, que sabe das coisas por ser sindicalizada e atuante, para que os professores recebam o reajuste de 6,27% (acima da inflação) no piso salarial pago em Minas Gerais, o município precisa oficializar o valor por meio de norma própria, pois as remunerações dos profissionais da educação básica são pagas por prefeituras e estados a partir de recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e de complementações da União; mas isto não foi feito até o momento. Junte-se a isso o fato de que a cidade é pequena e a dificuldade de mobilização é grande. “A prefeitura possui muitos contratos e os funcionários contratados têm medo de que se fizerem alguma paralisação sofram consequências e até a perda de seus cargos”, lembra ela. Rita também ressalta que o Sindicato dos Servidores Municipais dorenses era bastante mobilizado, mas aí o prefeito teve a ‘brilhante’ ideia de oferecer a secretaria de educação para uma professora que fazia parte da comissão de negociação do piso. “Achávamos que isso iria nos ajudar, mas já se passou mais de um ano e não houve nenhuma proposta para resolver esse impasse. A categoria se sentiu traída e a mobilização enfraqueceu. Estamos com uma ação do sindicato na justiça e aguardamos ansiosos o cumprimento da Lei”, reforça.
Mas se o prefeito simplesmente segue ignorando a lei, será que os atuais vereadores não poderiam tomar uma atitude? Rita responde: “Já fizemos reunião no mandato passado e com os atuais vereadores. Eles demonstram apoio à nossa causa, mas vejo que jogam sempre para o lado do prefeito. Já ouvi de vereador que o prefeito não paga simplesmente porque não quer. Acho que se a Câmara tivesse mesmo consideração por nós, professores, se reconhecessem a importância da nossa classe e quisessem mesmo nos apoiar, eles teriam força sim”, salienta.
Pois é, mas como senão bastasse toda essa luta para receber o que está sacramentado pela lei, os professores locais ainda são (como grande parte dos seus colegas em todo país) vítimas de abusos e assédios dentro das escolas públicas. Sobre isso, Rita recorda o caso ocorrido em certa escola tradicional da cidade na qual uma professora foi agredida fisicamente pela mãe de um aluno. “Para que possamos ter um salário razoável, temos que lecionar em mais de uma escola, como no meu caso, e ministrar muitas aulas, o que torna nosso trabalho bem árduo. Vejo que muitas de nós estão adoecendo por todas essas condições de trabalho e pela falta de reconhecimento e valorização”.
Mas que o Amado Batista tem a ver com isso?
Famosa por ter uma das exposições agropecuárias mais antigas de Minas _ foi criada no começo dos anos 1960 _ a Expodores, como é chamada, é uma festa anual que atrai visitantes de todos os estados. E, como é de praxe, os prefeitos em exercício a cada edição abrem os cofres públicos quando se trata de pagar artistas para entreter os apreciadores da festa. Já passaram por aqui cantores dos mais variados estilos, predominando, é claro, os sertanejos. Nomes como Chitãozinho e Xororó, Zezé de Camargo e Luciano, Luan Santana entre outros já se apresentaram nos palcos da exposição. Este ano o evento agropecuário ocorrerá entre 10 e 13 de julho e a grande estrela será o cantor Amado Batista. Não, não temos nada contra a alegria que as músicas do Amado Batista vão proporcionar aos que forem ao Parque de Exposições Sigefredo Costa.

Acontece que por sua cantoria inebriante, o cantor receberá da prefeitura dorense R$ 500 mil reais, um valor provavelmente justo quando se pensa nos custos que envolvem a produção do seu show…

Mas (e a pergunta que vem a seguir é, sim, previsível), porque os professores dorenses não conseguem receber o piso salarial (e sequer ser ouvidos pelo atual prefeito) enquanto um cantor popular de talento duvidoso receberá 500 mil reais por uma hora de cantoria? Ora, o povo sempre precisou de pão e circo desde sempre, é assim que a máquina social permanece devidamente azeitada.
E todos nós já sabemos que a educação nunca foi assim uma área valorizada nacionalmente não é mesmo? Professores morrem na sala de aula? São agredidos por alunos e até pelos pais deles? São esfaqueados, chutados e xingados? São severamente punidos caso não cumpram metas inalcançáveis (como está acontecendo em São Paulo). Uai, e daí? Enquanto tudo isso acontece nas salas de aula de tantas cidades Brasil afora, a Rita de Cássia Amaral continua na sua luta junto ao Sindicato dos servidores municipais de Dores do Indaiá e espera que algum dia, sua profissão seja minimamente valorizada como merece e deve ser.
E lá do Rio de Janeiro, a famosa escritora dorense Stella Maris, uma orgulhosa professora, também faz coro a esse desejo e deixa aqui um recado para o prefeito:
“Prezado senhor Alexandre Ferreira, por amor à minha querida Dores do Indaiá e ao magistério que tanto me orgulha, à cidade inspiradora de meus livros e aos mestres com os quais compartilho a paixão pelos livros e o incentivo à leitura literária, peço-lhe que faça cumprir a lei de pagamento do piso salarial à classe educadora dessa terra de renomada tradição cultural e artística. Valorize a imprescindível carreira docente! Faça História. Regularize a situação. Em Dores há a bela biblioteca Emílio Moura e, para a minha felicidade, uma biblioteca em meu nome. Temos a querida poeta Dona Branca. Por tudo isso, reitero que é fundamental e premente o pagamento do piso salarial aos professores da nossa cidade tão amada. Na minha próxima viagem a Dores, quero ter o prazer de cumprimentá-lo pelo gesto digno e justo”. Está dado o recado!
(*Editora do PortalPlenaGente+)
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Jornalista com experiência sobretudo em redação de textos variados - de meio ambiente à saúde; de temas sociais à política e urbanismo. Experiência no mercado editorial: pesquisa e redação de livros com focos diversos; acompanhamento do processo editorial (preparação de textos, revisão etc.); Assistência editorial free lancer. Revisora Free Lancer das editoras Planeta; Universo dos Livros e Alta Books. Semifinalista do Prêmio Oceanos 2020.