Aos 71 anos, Maria passa em faculdade pública e se torna universitária

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A história da faxineira Maria, que estudou em períodos diversos e com dificuldade,  deveria ser comum, mas não é…

Nathália Machado (Solutudo)

Eram seis da manhã quando o alarme tocou. Assim como fazia há mais de 40 anos,  Maria se levantou, escovou os dentes e penteou os cabelos.

Depois, tomou seu café preto e forte para se preparar para mais um dia de trabalho. Era necessário seguir em frente para garantir o seu sustento.

Entrou no ônibus e seguiu para o terminal central. Foi aí que algo chamou sua atenção: um cartaz  anunciava vagas abertas para o Cursinho Alternativo Caum.

Todo o curso seria gratuito e ministrado nas dependências da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Foi ali que  Maria decidiu mudar de vida:

“Eu sempre tive vontade de estudar, mas nunca pensei que com a minha idade eu fosse fazer cursinho. Sei que não é fácil”.

Em 2015, com 69 anos de idade e contrariando todas as expectativas, Maria começou a sua jornada para entrar na faculdade. Nos dois primeiros anos os esforços não compensaram, pois não conseguiu a pontuação necessária para que fosse aprovada em Ciências Sociais e nem em Pedagogia.

Chegou 2017. Com 71 anos, ela  finalmente foi aprovada em Arquivologia. Dali pra frente, sua vida nunca mais seria a mesma.

A vida antes

Nascida em 1946 na cidade de Montes Claros (MG), Maria Guilhermina de Oliveira morava com seus pais na área rural, em um sítio.

Para poder finalizar o primário (atual Ensino Fundamental I), teve que se mudar para o distrito de Avencas. Seu pai conversou com uma família que aceitou receber sua filha durante os anos faltantes para completar os estudos.

“Com 11 anos tive que sair de casa. Mudei para uma família, a qual sou muito grata até os dias de hoje. Eles me tratavam como filha, faziam meu lanche, cuidavam de mim.”

Passados alguns anos, seus pais se mudaram para Marília e Maria foi junto. Já trabalhando como doméstica, resolveu deixar seus estudos pra depois.

“Assim que terminei meu 4º ano já comecei a trabalhar, nunca pensei em estudar. Meu pai, naquela época, queria que eu seguisse com os estudos. Lembro como se fosse hoje, ele fez o maior empenho. Mas eu não dava muita bola.”

Com 35 anos de idade, em 1981, a vida deu mais um presente e um desafio para ela: uma filha.

Cuidar sozinha de uma criança enquanto trabalhava não foi fácil, mas Maria conseguiu. Educou e instruiu. Hoje em dia, é mãe de uma nutricionista formada.

Em 1995, com quase 50 anos, a doméstica decidiu finalizar o colegial (atual Ensino Médio). Frequentava as aulas noturnas e em quatro anos se formou.

“Meus estudos foram todos picadinhos e em muito tempo. Ah, dá na telha eu falo ‘vou estudar’. Sabe assim, essas coisas malucas?”

Maria relembra a época em que pegava no batente com carinho e não se arrepende de ter escolhido essa profissão, muito pelo contrário, fazia tudo com muito amor.

“Estar na faculdade é uma coisa totalmente diferente de quando eu era doméstica. Nem parece que aquilo passou na minha vida, mas eu sei que sim. Sei porque adquiri um conhecimento, algo que ninguém tira da gente”.

A vida na Unesp

Apesar de ter passado apenas na sua terceira opção de curso, Maria está muito satisfeita. Ela acredita que foi Deus que preparou esse caminho:

“Não adianta eu ser outra coisa, às vezes não é lá que vou dar o meu melhor. Você tem que ser uma pessoa boa para a sociedade. Não é necessariamente com grandes coisas que você vai servir o mundo e o ser humano”.

A motivação de Maria  é principalmente adquirir  conhecimento e se manter informada.

“Às vezes olham para uma pessoa da minha idade na faculdade e se perguntam ‘nossa, mas pra quê? Já trabalhou, já viveu, já fez isso e aquilo, já até se aposentou. Vai descansar!’ Mas não é questão disso”.

Dona Maria explica que “quando você começa a ter conhecimento, as coisas vão melhorando. Até pegar no ritmo não é fácil, mas tem que ter garra e muita persistência.”

“Quando eu morrer eu descanso. Enquanto estou respirando, vou aproveitar a vida e fazer o bem .”

Muito feliz com Arquivologia, a universitária se mostra muito interessada na área acadêmica. Seus planos para o futuro incluem mais uma graduação e com ela, mais estudos.

Dificuldades e uma ajuda inesperada

A maioria dos colegas de sala de Maria são jovens. Muitos, recém-formados no Ensino Médio.

“É uma galera muito nova, eu sirvo pra ser vó deles. Eles não conversam muito comigo. Mas não tem problema: o importante é que minha cabeça está igual a deles. Eu e eles vamos fazer a mesma prova, não é?”

Com um sorriso que não cabe no rosto e uma risada calorosa,  Maria reconhece que isso a alegra. Nas aulas e trabalhos, a sua maior dificuldade é com a tecnologia.

“Desatualizada com celular, computador. Telefone em casa demorou pra ter também, só tinha quem tinha dinheiro. Notebook foi um impacto pra mim, meu Deus! Estou começando a ter um contato com essas tecnologias novas agora, porque tenho que lidar e não tem escapatória”.

Em sua casa, o computador está quebrado. Por isso,  Maria passa muitas tardes no campus, após se alimentar no Restaurante Universitário, para utilizar as instalações.

Em meio às dificuldades, ela se surpreendeu com uma ajuda inesperada.

Fez amizade com uma outra aluna da Unesp, do curso de Biblioteconomia. Sara também não é mais jovem e é portadora de deficiência visual.

O pouco de informática que Maria sabe, foi Sara quem ensinou: “fico assim observando. Meu Deus, quantos jovens dentro da faculdade e logo uma pessoa que também faz trabalho doméstico. Fico pensando, como pode? Eu fico admirada com essa minha amiga. Milhares de pessoas na faculdade e uma pessoa portadora de deficiência veio me ensinar mexer no computador. Vou levar isso para o resto da minha vida. Nunca vou me esquecer dela.”

Ensinamentos

Maria, aos 73 anos, possui algumas reflexões sobre a vida. Tem planos de escrever um livro sobre sua história e planeja começar a rascunhar já este ano. Em sua bagagem de vida, a universitária afirma que o mais importante é:

“Nunca esquecer do bem. Sempre agradecer, sempre fazer o bem para algo maior. Contribuir para a sociedade.”

“Às vezes meus colegas de sala nem se dão conta, ficam ali vidrados em estudar, passar de ano e não olham para os lados. Você tem que olhar para os lados, sempre agradecer por tudo. Nunca podemos esquecer daqueles que fizeram parte da vida da gente”, finaliza Maria Guilhermina de Oliveira, futura arquivista.

imagem de abertura: Nathália Machado

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