Como um idoso se relaciona com o seu lar a partir da ausência de outros familiares?

A saída dos filhos, as separações de casais e o afastamento por razões profissionais deixa alguns espaços vazios na casa, mas muitas vezes as composições originais se mantêm pela possibilidade do retorno, mesmo que eventual.

Maria Luisa Trindade Bestetti**

A formação de uma família geralmente é iniciada em associações por casamento, seguida pela chegada de filhos que, após o aprendizado natural oferecido pelos pais e pela escola, tornam-se independentes e formam suas próprias associações.

A saída dos filhos, as separações de casais e o afastamento por razões profissionais deixa alguns espaços vazios na casa, mas muitas vezes as composições originais se mantêm pela possibilidade do retorno, mesmo que eventual. Mas a morte é uma ausência definitiva e impacta nas decisões sobre a relação que o morador estabelece com o espaço, o que leva a pensar o que motiva a permanência em um mesmo imóvel.

 

No filme “Reaprendendo a Amar” (EUA, 2015), a protagonista Carol (Blythe Danner) tem 70 anos, é viúva, mora em Los Angeles e tem uma única filha que se mudou para Nova Iorque. Manteve-se na residência original apesar de viver só e seu cachorro labrador Hazel está sempre em sua companhia, mas sua morte a faz perceber que é preciso adotar uma nova perspectiva sobre o que significa envelhecer. Frequenta o clube de um condomínio sênior onde encontra regularmente suas amigas, que insistem que poderia mudar para lá, deixando aquela casa tão grande e onde vivia solitária.

Também acompanha uma delas em um evento para conhecer possíveis parceiros para futuro namoro, mas percebe que não está preparada para procurar companhia, pois considera sua vida organizada e com pouco espaço para arriscar novos relacionamentos.

 

Nesse processo de busca, torna-se amiga do jovem limpador de piscinas Lloyd (Martin Starr), que igualmente sente-se deslocado em seus objetivos, refletindo sobre como tornar a vida mais significativa. Quase simultaneamente, é abordada por um novo frequentador do clube de idosos, Bill (Sam Elliott), e passam a namorar, mas ele morre em pouco tempo, após um mal repentino. Tantas perdas trazem a certeza de que todos são insubstituíveis, mas que é preciso reaprender a amar: vai a um abrigo de animais e adota um novo cachorro de estimação, um modo de oferecer o espaço que dispõe em casa e no coração, abrindo novas perspectivas em sua vida.

Blythe Danner e Sam Eliot em cena do filme. ( Imagem – divulgação).

A morte pode esvaziar uma casa, mas o luto esvazia a vida. Precisa ser vivido, pois faz parte do processo de compreender o impacto da ausência daquela pessoa querida, do animal de estimação ou do trabalho que dignifica e oferece os recursos para a manutenção dos desejos e das necessidades.

As perdas sempre provocam impactos e é preciso tempo para assimilar o que deve mudar a partir de então. Repensar o modo de morar, seja considerando os espaços disponíveis na residência ou a possibilidade de manter-se próximo a um grupo que ofereça suporte social, é um modo de buscar novas perspectivas para a vida. Residenciais para idosos são uma tendência nesse sentido, pois oferecem opções para recomeçar, especialmente quando há um coração aberto para novos relacionamentos.

Assim é a vida… um ciclo de buscas e encontros.

 

 

Veja abaixo o trailer do filme:

 

**Maria Luisa Trindade Bestetti é arquiteta formada pela UFRGS em 1982, com mestrado e doutorado pela FAU USP (2002 e 2006), além de MBA em Gestão de Projetos pela FGV (2008). É professora doutora no Curso de Gerontologia da Universidade de São Paulo desde 2009, com disciplinas de Gestão de Projetos e Empreendedorismo na graduação e Habitação e Cidade para o Envelhecimento Digno no mestrado.

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