E quando o preconceito com a velhice está nos próprios idosos?

Esse fenômeno de negação da velhice é mais comum do que se imagina. Sabemos que psicologicamente o espírito não envelhece. Podemos permanecer jovens na mente por muitos anos e morrer desta forma.

Andréa Ladislau** 

Nos últimos anos, temos observado o aumento da população idosa em nosso país. De acordo com pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a expectativa de vida hoje no Brasil gira em torno de 75 anos. E, dentro destas  perspectivas, surgem algumas reflexões sobre o envelhecimento e de que maneira ele pode afetar o aspecto psicológico .
Para muitos, envelhecer é uma dádiva. É um coroar da vida com toda a sabedoria adquirida ao longo dos anos. Uma sabedoria pontuada pelas experiências, dores e alegrias que o crescimento impõe.

No entanto, para outros, envelhecer não significa flores e céu de brigadeiro. Envelhecer traz enraizado – em suas concepções – aspectos negativos como o surgimento de doenças, impotência sexual, isolamento, sensação de inutilidade e o  possível declínio mental. Razões que explicam o porquê de alguns idosos desenvolverem preconceitos contra outros idosos e pessoas de idade mais avançada. Ou seja, tornam-se infelizes, rejeitam a velhice e não aceitam a sua evolução cronológica.

Esse fenômeno de negação da velhice é mais comum do que se imagina. Sabemos que psicologicamente o espírito não envelhece. Podemos permanecer jovens na mente por muitos anos e morrer desta forma.

Mas por outro lado não se pode dizer o mesmo em relação ao nosso corpo físico. O passar dos anos revela as rugas, traz a voz cansada, os olhos sensíveis e pouco efetivos, uma coluna frágil e cansada da sustentação corporal, além dos velhos conhecidos cabelos brancos denunciando a idade.

Dentro de todas essas questões, a autoestima do indivíduo passa a ser confrontada e sua visão e aceite da tão temida velhice podem virar um problema – muito em função, também, do comportamento da própria sociedade que cultua o belo e jovem, obrigando o idoso, que não admite sua idade real, a evitar classificar-se dentro do conceito de velhice.

Estes passam a perseguir soluções onde encontrem um rosto perfeito e sem marcas. Pintam os cabelos e, movidos por uma neurose imaginária, buscam seguir o que a modernidade aponta como jovem, negando assim a própria idade e alimentando a visão preconceituosa de que a velhice é sinônimo de sofrimento, um estado de finitude e não uma fonte de sabedoria e prestígio.
Fato é que, psicologicamente, nem todo idoso é velho e nem todo velho chegou a ser um idoso.

Podemos classificar o idoso como sendo aquele que possui mais idade. Já o velho é aquele que perdeu sua jovialidade. Aquele que sente o peso dos anos e não consegue enxergar os ganhos positivos da sua trajetória, não consegue também conceber intimamente que, ficar mais velho, é mergulhar em uma imensa onda de sabedoria e experiências que podem servir como exemplo para as gerações mais novas.

E enquanto alguns cultuam o papel do “velho tradicional” que preenche o tempo com reclamações e projeta em outros velhos o que ele não quer para si, outros se a recusam viver esse personagem e só querem aproveitar a jovialidade que carregam na mente, sentindo orgulho das conversas que podem ter com os mais jovens sobre suas experiências.

Psicanaliticamente, a rejeição da velhice pelos próprios idosos fixa-se na baixa autoestima e nos preconceitos enraizados no próprio discurso. Associam tristeza e amargura ao ganho de idade, muito por conta do medo de ficarem isolados e solitários no fim da vida.

Portanto, deixo claro que o processo de envelhecimento é único e será encarado por cada indivíduo de forma singular. Somos seres individualizados e nossas percepções serão moldadas conforme as experiências que trazemos em nossa bagagem mental e emocional.
A vivência se objetifica no sentido em que entendemos que viver é experimentar e não entramos na neurose de temer nossos próprios sentimentos e emoções. Não podemos perder os sabores da vida e nem a alegria de avançar os anos, podendo contribuir para o
aprendizado de outros indivíduos. Sem dúvida tudo isso é um grande privilégio e deve ser encarado como tal.

O preconceito com a idade torna amarga e doída a passagem do
tempo. Rouba a liberdade e ajuda a criar rótulos descartáveis para o ser humano, desmerecendo valores e informações relevantes da memória de cada um.

Enfim, que nossos idosos sejam menos velhos e mais idosos. Que consigam ressignificar a velhice para garantir uma saúde mental equilibrada e preciosa, driblando os anos e interagindo com pessoas de todas as idades, marcados pelo prazer e pelo orgulho em garantir uma vida cheia de sabedoria e experiências únicas.

**Andrea Ladislau é psicanalista; doutora em Psicanálise; psicóloga; palestrante; colunista membro da Academia Fluminense de Letras; gestora em saúde e representante internacional  (USA) da University Miesperanza

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