De como o Alzheimer também adoece o cuidador…

Como se sente alguém que tem que deixar literalmente tudo para cuidar de outra pessoa? Alguém que é obrigado a desistir de seus sonhos e projetos para viver uma rotina de cuidados em prol do portador (a) de Alzheimer? Nesta crônica, Berna Almeida, que viveu essa situação cuidando da própria mãe, revela um pouco dos  sentimentos e emoções que fazem parte da rotina de muitos cuidadores familiares.

Cacos

Não, não me perguntaram como seria, o que eu deveria fazer com o que eu estava deixando, só senti que eu precisava ir. Larguei tudo, não me atinei a nada que pudesse tirar a atenção daquilo para o qual fui chamada….

Precisava largar toda uma história construída em meio a tantas lutas e correr para atender um pedido de socorro.

Há anos que não sei mais o que foi feito de minhas malas, não sei mais onde estão as minhas esperanças, sonhos, minhas paixões, minha essência, o néctar da minha vida…

Ficaram lá, jogados em algum lugar do passado…

Faz 10 anos que me perdi de mim mesma tentando achar o norte de alguém e , quando aqui cheguei, eu sabia quem era minha mãe, até que ela não soube mais quem era eu.

Vivemos assim por um longo tempo, guerra acirrada contra algo que o dia que me chamaram, não souberam me explicar, mas o cotidiano me mostrou o que é estar cara a cara com algo roubando a memória de sua mãe, e você impotente sem ver uma saída, e ao mesmo tempo ouvi-la gritando seu nome em alto e bom som , e ao mesmo tempo sem poder fazer nada para mudar aquela situação.

Eu estava impassível diante do dragão.

Era eu do lado de cá, ela do lado de lá e um vidro transparente chamado Alzheimer, nos separando.

Minhas perguntas nunca foram respondidas por este sujeito, não havia duvidas, só afirmações de que minha mãe estava partindo. Ele me gritava isso todos os dias …

O que eu vou fazer de minha vida, quando ela partir?

Era eu a puxando para cá, ele a puxando para lá…

Em meio a procura de mim mesma diante deste turbilhão de medos e incertezas, ela se foi… se foi sabendo quem era ela, e eu sem saber agora, quem sou eu.

E agora José?

E agora Maria?

O que eu vou fazer de minha vida?

Onde eu me pego de volta com minhas malas??

E agora Maria?

Cadê José, João, Antônio, cadê todos?

Quem e com quem posso contar para me ajudar a juntar meus cacos e me levar de volta a mim mesma?

Cadê eu?

**Berna Almeida se envolveu tanto com os cuidados em torno da doença de sua mãe que os transformou em projetos de vida. Hoje ela dirige o Instituto Berna Almeida e também está presente nas redes sociais nos endereços:

https://www.facebook.com/institutobernalmeida/

https://www.facebook.com/groups/umsujeitochamadoalzheimer/

https://www.facebook.com/Sementes-Solid%C3%A1rias-280065042918539/

imagem de abertura: pixabay/Paul Schalles

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