Arquiteta paulista que teve a vida profundamente modificada pela doença que acometeu seus pais, se tornou uma voz de amplo e reconhecido alcance no assunto
Ana Claudia Vargas
Um grande encontro que pretende debater a doença de Alzheimer sob o ponto de vista dos cuidadores: este é o mote do III Mutirão 2023 #cuidademim “Alzheimer – Construindo respostas ao desafio de Prevenção, Cuidado e Apoio ao Cuidador Familiar”, evento organizado por Míriam Morata que acontece em 26 de Maio em São Paulo (saiba mais no final da matéria)**.
Famosa nas redes sociais por sua atuação e divulgação de assuntos relacionados à doença, Míriam já escreveu três livros sobre o tema _ Alzheimer diário do esquecimento; Alzheimer recolhendo os pedaços e Alzheimer Assombro e Cura do Cuidador _ e se tornou uma pessoa reconhecida, para além das redes sociais, por simplificar o tema. Mas esta ‘simplificação’ e interesse pelo assunto não surgiu espontaneamente. Míriam viveu na pele toda a transformação que o Alzheimer impõe na vida de uma pessoa, pois foi cuidadora de seus próprios pais e teve que vivenciar um turbilhão de sentimentos, além de abandonar todos os projetos pessoais para assumir a árdua tarefa.
“Quando papai adoeceu parei tudo para cuidar dele, mas tinha minha mãe e a Maria que ajudavam muito. Depois de 8 anos que papai morreu parei de novo… era a vez da minha mãe. Quando mamãe adoeceu perdi o chão e estou retomando minha vida agora, porque depois do Alzheimer vem o rebote, além de lidar com todo desequilíbrio, dividas, costas e ombros estourados… ainda tem a cobrança daqueles que abandonaram e resolvem pedir até nota fiscal, para comprovar preço de remédio ou fralda e conferir quanto você roubou do seu idoso. Quando cuidei de minha mãe nunca tinha trocado fralda, não conseguia sequer colocar band-aid sem grudar as duas pontas, passava muito mal se visse sangue… mas mamãe tinha câncer de pele e eu aprendi a fazer curativo, trocar fralda, fazer sopa, medir pressão e diabetes. Aprendi um monte de outras coisas, que tento contar um pouco por dia para vocês e através dos meus livros”.
Na entrevista a seguir, Míriam conta um pouco de suas vivências e fala sobre o evento que está organizando:
1. Podemos afirmar que o Alzheimer foi um divisor de águas na sua vida?
Sim, o Alzheimer me colocou diante do que eu mais temia – impotência, fragilidade,
medo de perder tudo que me fortalecia – pessoas, certezas e valores; impermanência, finitude, frustração, orfandade de pais vivos, cansaço de existir,
medo do futuro, culpa, revolta, solidão, despedida diária das pessoas que eu mais
amava… tudo isso sem ter para quem pedir socorro e sem poder demonstrar porque eu era o “lado forte” da história. Descobri que existe o Alzheimer do paciente e o pós Alzheimer do cuidador familiar,
sinceramente não sei qual é o pior.
2. Como você vê a realidade dos cuidadores familiares que conhece?
Eu tenho 3 grupos no facebook com quase 60 mil membros, 2 grupos no Whatsapp
com aproximadamente 300 membros e todas os relatos e pedidos de socorro
revelam a mesma história – o choque do diagnóstico e a incerteza do futuro;
abandono por parte de parentes e amigos; abrir mão de carreira, trabalho, metas,
sonhos e planos pois o paciente precisa de cuidados 24 horas por dia; esgotamento
– conviver com a demência é uma experiência mais aterrorizante que exige atenção
24 horas por dia; acúmulo de dívidas, pois o cuidador não pode trabalhar e os gastos excedem a aposentadoria ou o salário da família; acompanhar a pessoa amada definhando e se despedindo todos os dias provoca feridas que serão muito difíceis de cicatrizar. 96% dos cuidadores são mulheres e depois que o paciente morre elas desenvolvem depressão, pânico, acumulam dívidas, não conseguem retornar ao mercado de trabalho e ainda tem que lidar com acusações de parentes que nunca ajudaram em nada. O cuidador familiar está sozinho, esgotado, invisível e com medo. A maioria não tem apoio da família, Estado, Sistema de Saúde e não tem condições financeiras de contratar cuidador profissional.
3. Poderia dividir alguma história conosco?
“O telefone tocou às 2h da madrugada. Era minha mãe chorando, dizendo que,
quando acordou, viu que meu pai havia pego a chave e saído de casa. Ainda de
pijama, segui para o bairro onde meus pais moram. No caminho, liguei várias vezes
para minha mãe para saber se ele havia aparecido. Ela não conseguia parar de
chorar e eu temia pelos dois; ela é uma pessoa idosa com hipertensão e, ele, uma
pessoa idosa que não tinha noção da realidade naquele momento.
De repente, vi alguém caminhando na praça, entre as árvores. Pelo andar e o corpo
inclinado, percebi que era meu pai. Aproximei-me e ele me olhou com
estranhamento. Perguntei o que ele estava fazendo ali e ele me disse que um
homem iria buscar uma “peça”. Vendo aquela situação, disse que eu já havia resolvido o problema. Ele sorriu aliviado e eu me segurei para não chorar na frente
dele. Quando ele foi dormir, minha mãe me olhou com desespero, dizendo que achava que papai estava ficando louco e que não iria aguentar. Eu disse que estávamos juntas e que cuidaríamos dele. Voltei para casa. A noite estava muito escura e fria, as ruas estavam desertas e eu compreendi que a solidão começava a tomar conta do meu mundo. Eu não tinha vontade de chorar e não conseguia definir aquele vazio que ameaçava o que eu havia construído até agora: meus valores, certezas, planos. Cheguei em casa e senti a paz da mãe, que agasalha o filho e dá o beijo de boa noite.”
4. Qual o objetivo do encontro que você está organizando?
Nós estamos organizando o III Mutirão da rede #cuidademim – Alguém que eu Amo tem Alzheimer que tem os seguintes objetivos:
1. Oferecer apoio e informações para o cuidador familiar, familiares,
profissionais, estudantes e todas as pessoas que tenham algum envolvimento com
o tema Demência e Envelhecimento. • Possibilitar discussão sobre as dificuldades
que o cuidador familiar enfrenta, sem apoio de familiares, Políticas Públicas ou
Programas Sociais, durante o período do desenvolvimento da doença e propor
soluções.
2. Levantar discussões pertinentes ao futuro da saúde do idoso e apresentar
novas possibilidades de tratamento para o paciente e o cuidador, como depressão,
síndrome de Burnout e outras consequências do Alzheimer para o cuidador familiar.
3. Promover debate de ideias, a difusão de boas práticas e a troca de
experiências entre profissionais e estudantes. Os debates girarão em torno dos
desafios do dia a dia da relação cuidador e paciente, em todas as áreas – saúde,
social, jurídica, etc.
5. A quem se destina?
A todos os cuidadores familiares e profissionais, idosos, estudantes e profissionais
que atuem na área da saúde com foco em demência e envelhecimento.
6. A participação será livre? Aberta a qualquer pessoa que se interesse pelo assunto?
O Mutirão será dia 26 de Maio, das 9h às 16h, no auditório da Faculdade Paulista
de Medicina – UNIFESP. O evento é gratuito, aberto a qualquer pessoa que tenha
interesse no assunto. Para participar deverão fazer inscrição que será divulgado em
breve, pois o espaço tem limite de lotação.
7. De que forma as pessoas podem apoiar o evento que você está organizando?
Divulgando o evento e a “rede cuidademim” nas mídias, em Associações, Igrejas,
Clubes, Universidade, Escolas, Grupos de Apoio e etc., nos ajudando a divulgar e
assinar a petição para Projeto de Lei Miriam Morata – https://chng.it/By4ngtLcdD; oferecendo aos membros dos nossos grupos informações confiáveis e material de apoio ao cuidador; apoiando o cuidador que precisa retornar ao mercado de trabalho; oferecendo descontos e facilidades para o cuidador adquirir produtos como fraldas e medicamentos; oferecendo serviços gratuitos aos membros dos nossos grupos que precisam de apoio emocional; ajudando a mostrar a realidade do cuidador familiar, etc.
8. Se você quiser deixar aqui uma mensagem final, de ‘convocação’ aos leitores do PortalPlena, sobre o evento, fique à vontade.
Amigo se você cuida de alguém que você ama durante 24 horas por dia, e não tem
tempo e nem forças para cuidar de você, ou não tem ninguém para pedir ajuda,
venha conosco na rede cuida de mim, participe do nosso Mutirão e peça ajuda,
permita que alguém ofereça a você um pouco do que você oferece à pessoa que
ama. Não fique sozinho, juntos somos fortes.
9. Também fique à vontade para escrever sobre algo que posso não ter perguntado.
A população do planeta está envelhecendo, e o mundo não está preparado para
enfrentar o desafio da demência. A OMS estima que mais de 55 milhões de pessoas (8,1% das mulheres e 5,4% dos homens com mais de 65 anos) estão vivendo com demência. Estima-se que esse número aumente para 78 milhões em 2030 e 139 milhões em 2050. Com certeza muito em breve todas as famílias terão que conviver com alguém com demência, para isso precisamos quebrar o preconceito, falar sobre o assunto e mostrar a realidade do cuidador familiar. Em um futuro não muito distante, eu vejo que metade do planeta será portador de alguma demência e a outra metade será cuidador. Precisamos nos preparar para isso. Obrigada pela atenção e pelo espaço. Espero vocês no III Mutirão #cuidademim.
Links dos Grupos e Página do Facebook
– https://www.facebook.com/miriammnovaes
– https://www.facebook.com/groups/181285675769255
– https://www.facebook.com/groups/2117077458331276
**SOBRE O ENCONTRO
II Mutirão 2023 #cuidademim
“Alzheimer – Construindo respostas ao desafio de Prevenção, Cuidado e Apoio ao Cuidador Familiar”
Data – 26 de Maio, sexta-feira, das 9h às 16h.
Local – Auditório Leitão da Cunha na Escola Paulista de Medicina/UNIFESP
Unifesp Campus São Paulo – Rua Botucatu, n° 740 – Vila Clementino – São Paulo
A proposta do Mutirão é tentar responder a pergunta:
“Quais os caminhos possíveis aos desafios da prevenção, cuidado e solidariedade dentro de casa, na convivência social e na vida em sociedade dos cuidadores familiares e pessoas com Doença de Alzheimer?”
PROGRAMAÇÃO
9h – Abertura – Míriam Morata, Arquiteta idealizadora da rede cuida de mim.
- 9h15 – Demência – Como melhorar a conscientização e diminuir o estigma.– Profa. Dra. Emanuela Bezerra Torres Mattos, Professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Doutora pelo Departamento de Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP. Integrante do Núcleo Interprofissional de Pesquisa e Atendimento no Envelhecimento (NIPAE); e Justiça Restaurativa – Formas de cuidado nas relações familiares – Dra. Carla Boin, Doutora em Justiça Restaurativa pela USP. Professora convidada da Unifesp. Coordenadora do FONAME- Fórum Nacional de Mediação. Vice-presidente da Comissão de Justiça Restaurativa da OAB/SP.
- 10h – Desafios do cuidado: resultado de pesquisa Unifesp com cuidadores brasileiros – Dr. Alan Andrade – Neurologista e pós-graduando em Neurociência da Unifesp e Prof. Dr. Walter Lima – Docente do Programa de Pós-graduação em Inovação Tecnológica da Unifesp.
- 10h45 – Envelhecimento Cognitivo e Alzheimer – Dra. Mariel Carolina Montiel Aponte, Mestre e Doutoranda em Neurologia e Neurociências pela UNIFESP, estagiária no ambulatório de neurologia do comportamento e cognição do Hospital São Paulo.
- 11h30 – Envelhecimento e Saúde Mental das Pessoas que Cuidam. – Dra. Cosette Castro, Psicanalista, Jornalista, Pesquisadora. Pós-Doutora em Psicologia Clínica e Cultura (UnB). Doutora em Comunicação (UAB/Espanha).
5. 13h – Rede de Desenvolvimento Local e Políticas Públicas – Mayra Lúcia Araujo Jacchieri, Facilitadora em Meios Consensuais Em Gestão de Conflitos, Especialista em Gestão de Políticas Públicas e Programas Sociais. Jorge Carlos Silveira Duarte, Psicólogo, com pós-graduação em Recursos Humanos e especialização em Desenvolvimento Local pelo Centro Internacional de Formação da OIT/ONU/Itália, com MBA em Gestão e Empreendedorismo Social pela FIA/USP.
- 13h45 – Tratamento e Prevenção – Avanços e Desafios para Cuidador e Paciente – Atuais Tratamentos Farmacológicos e Não Farmacológicos – Prof. Dr. Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, Neurologista, Professor da Escola Paulista de Medicina, membro da Academia Brasileira de Neurologia.
- 14h30 – Quais os direitos e deveres do cuidador família, família e do paciente? – Dra. Renata Flores Tibyriçá, Defensora Pública de São Paulo, Coordenadora do Núcleo Especializado dos Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência.
- 15h15 – Cuidados Paliativos – Não é sobre morte, mas qualidade de vida para o paciente. – Dra. Taciana Moura Sales Oliveira, Médica infectologista Núcleo Integrado de Cuidados Paliativos do Instituto de infectologia Emílio Ribas e professora do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein.
16h – Encerramento – Miriam Morata
Atividades Paralelas
- Roda de Conversa Saúde Mental –Grupo de até 5 pessoas para falar sobre saúde mental com psicanalista Ana Lucia Esteves, Psicóloga/Psicanalista com formação continuada pelo Clin-a (Centro Lacaniano de Investigação da Ansiedade); Psicóloga Clínica do Centro de Desenvolvimento Humano – CDH/AME (psicanálise aplicada). Grupo de 5 pessoas com 1 hora de duração.
- Círculo de Construção de Paz –com as facilitadoras Katia Herminia Martins Lazarano Roncada, Juíza Federal do TRF3/ Integrante do Comitê Gestor da Justiça Restaurativa do CNJ, Facilitadora de Processos Circulares; Carla Rodrigues de Souza – Técnica Judiciária – Justiça Federal de São Paulo, Colaboradora do Cejure – Centro de Justiça Restaurativa; Facilitadora de Processos Circulares; Mayra Lúcia Araujo Jacchieri, Mediadora e Facilitadora, membro da Comissão de Justiça Restaurativa da OAB-SP.
Serão organizados 2 Grupos de, no máximo, 15 pessoas.
– Grupo 1 – das 9h30 às 11h30
– Grupo 2 – das 14h às 16h
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