PERIGOS DO ÁLCOOL: *Álcool não faz bem ao coração*

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Dos tumores malignos causados pelo álcool, cerca de 50% ocorrem em quem bebe pouco ou moderadamente.
DRAUZIO VARELLA*
Cerveja com os amigos, caipirinha antes da feijoada, poucos resistem. Há os que abusam com frequência, mas quando pensamos no universo dos que bebem a maioria consegue manter o uso em níveis baixos.
Na coluna de hoje, prezado leitor, vou me esforçar para resumir como os serviços de saúde de alguns países industrializados lidam com essa questão. Se você tiver paciência para chegar ao fim da leitura, é provável que vá se lembrar da frase do saudoso Chacrinha: “Eu não vim para explicar, vim para confundir”.
Na década de 1990 foi formulado o “paradoxo francês”: os franceses apresentavam índices baixos de doenças cardiovasculares, apesar da dieta rica em gorduras saturadas, naquele tempo consideradas pecado capital.
Nos anos 2000, os estudos começaram a sugerir que o consumo de gordura animal (saturada) não era tão nocivo como se imaginava. Estaria na dieta mediterrânea baseada em saladas, grãos, azeite de oliva, peixes e frutas, acompanhadas de vinho tinto às refeições, o mérito pelo aumento da expectativa de vida.
Na época, um estudo italiano mostrou que cinco copos ou mais de vinho tinto por dia asseguravam aos homens vida mais longa em relação a abstêmios e a bebedores mais contidos.
Em 2017, a prestigiosa revista “Circulation” afirmou em editorial: “Quantidades baixas e moderadas de vinho tinto fazem bem ao coração”. Diversos trabalhos estenderam às demais bebidas alcoólicas os mesmos benefícios atribuídos ao vinho.
O balde de água gelada acabou de chegar num editorial da revista “The Lancet”: “Mesmo pequenas quantidades de bebidas alcoólicas aumentam o risco de câncer e de morte precoces”. Os dados levaram a Organização Mundial da Saúde a afirmar na mesma revista, em 4 de janeiro de 2023: “Não há quantidade de álcool que deixe de afetar a saúde”.
Dos tumores malignos causados pelo álcool, cerca de 50% ocorrem em quem bebe pouco ou moderadamente. Segundo a OMS, “álcool é substância carcinogênica do Grupo 1, ao qual pertencem asbesto, fumo e radiações”.
Na região europeia ele é a principal causa de câncer (e com incidência crescente), a maior parte dos quais ocorre em pessoas que ingerem volumes por eles considerados baixos ou moderados: menos de 1,5 litro de vinho, 3,5 litros de cerveja ou 450 mililitros de destilados por semana. Doses tão generosas ilustram a liberalidade europeia.
As quantidades consideradas seguras variam entre os países.
Para os Estados Unidos — país em que 8% dos adultos bebem todos os dias e 29% todas as semanas —, são seguros um drinque por dia para as mulheres e dois para os homens (1 drinque = 340 mL de cerveja, 140 mL de vinho ou 40 mL de destilados).
Na Austrália, não mais de dez drinques por semana e não mais de quatro num único dia. Na Nova Zelândia, até dez por semana para as mulheres e 15 por semana para homens. No Reino Unido, seis copos de vinho ou de cerveja por semana.
Até julho de 2021, o Canadá recomendava até dois drinques/dia ou dez por semana para as mulheres e até três por dia ou 15 por semana para homens.
Mais de 700 estudos sobre o consumo mundial fizeram os canadenses revisar seus números. Em janeiro deste ano, passaram a advertir: “Beber álcool, mesmo em pequenas quantidades, é prejudicial a todos, independentemente de idade, sexo, gênero, etnia, tolerância ou estilo de vida”.
Um drinque por dia aumenta em 0,5% o risco de desenvolver um dos 23 agravos de saúde causados pelo álcool. Quem toma dois tem aumento de 7% e quem toma cinco, de 37%.
A World Heart Federation informou que, “contrariamente ao conceito popular, álcool não faz bem ao coração”. E acrescentou: “Apenas em 2022 ficou claro que o consumo acelera o envelhecimento dos genes, reduz as dimensões do cérebro e aumenta o risco de doenças cardiovasculares”.
Os estudos mais modernos sugerem que os anteriores mostravam redução da incidência de doenças cardiovasculares porque não levavam em conta a hipótese de que muitos participantes morriam mais cedo não por serem abstêmios, mas porque a abstinência estava ligada a doenças que encurtam a vida: infarto, AVC, hipertensão arterial, diabetes etc.
Pesquisas recentes têm documentado com mais clareza os efeitos carcinogênicos do álcool, responsável pelo aumento da incidência de pelo menos sete tipos de câncer, entre eles alguns dos mais comuns: mama em mulheres, fígado, cólon, boca, garganta e esôfago.
Aceita um conselho, caríssima leitora? Beba o mínimo que conseguir.
*Drauzio Varella é médico cancerologista e autor de “Estação Carandiru”. Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo.

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