Uma seleção de frases e pensamentos para comemorar os 60 anos da publicação do “Grande Sertão: Veredas” (1956), de João Guimarães Rosa.
“Conto ao senhor é o que eu sei e o senhor não sabe; mas principal quero contar é o que eu não sei se sei, e que pode ser que o senhor saiba.”
O SERTÃO
“O senhor tolere, isto é o sertão.”
“O sertão está em toda a parte.”
“O sertão é dentro da gente.”
“O sertão é do tamanho do mundo.”
“O sertão é sem lugar.”
“O sertão é uma espera enorme.”
“O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena.”
“O sertão não tem janelas, nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa.”
“O sertão é confusão em grande demasiado sossego.”
“O sertão me produz, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da boca.”
“Sertão é isto o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo.”
“Sertão é o penal, criminal. Sertão é onde homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada.”
“No sertão, até enterro simples é festa.”
“Sertão: estes seus vazios. O senhor vá. Alguma coisa, ainda encontra.”
“Sertão, – se diz -, o senhor querendo procurar, nunca não encontra. De repente, por si, quando a gente não espera, o sertão vem.”
“Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas.”
“Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso…”
“O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães… O sertão está em toda a parte.”
“Sempre, nos gerais, é a pobreza, à tristeza. Uma tristeza que até alegra…”
“Sertão sempre. Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera.”
“A gente tem de sair do sertão! Mas só se sai do sertão é tomando conta dele a dentro.”
“Travessia perigosa, mas é a da vida. Sertão que se alteia e se abaixa. Mas que as curvas dos campos estendem sempre para mais longe. Ali envelhece vento. E os brabos bichos, do fundo dele.”
“Mas nós passávamos, feito flecha, feito fogo, feito faca.”
“Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!”
DEUS
“Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo o rio… uma só para mim é pouca, talvez não me chegue.”
“O grande-sertão é a forte arma. Deus é um gatilho?”
“A força de Deus quando quer – moço! – me dá o medo pavor! Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se discutindo, se economiza.”
“Refiro ao senhor: um outro doutor, doutor rapaz, que explorava as pedras turmalinas no vale do Arassuaí, discorreu me dizendo que a vida da gente encarna e reencarna, por progresso próprio, mas que Deus não há. Estremeço. Como não ter Deus? Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo.”
“Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver.”
O DIABO
“Do vento. Do vento que vinha, rodopiado, Redemoinho: senhor sabe – a briga de ventos. Quando um esbarra com outro, e se enrolam, o doido do espetáculo.”
“Fosse lhe contar… Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos homens. Até: nas crianças – eu digo. Pois não ditado: menino – trem do diabo? E nos usos, nas plantas, nas águas, na terra, no vento… Estrumes. … O diabo na rua, no meio do redemoinho.”
“Por mim, tantos vi, que aprendi. Rincha-Mãe, Sangue-d’Outro, o Muitos-Beiços, o Rasga-em-Baixo, Faca-Fria, o Fancho-Bode, um Treciziano, o Azinhavre… o Hermógenes… Deles, punhadão.”
“Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum. Nenhum! – é o que digo.”
“E me inventei nesse gosto de especular ideia. O diabo existe e não existe. Dou o dito. Abrenúncio. Essas melancolias.”
“Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for… Existe é homem humano. Travessia.”
AS GENTES
“Coração de gente — o escuro, escuros.”
“O que lembro, tenho.”
“Em Diadorim penso também. Mas Diadorim é minha neblina”
“Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.”
“Só se pode viver perto de outro, e conhecer outra pessoa, sem o perigo de ódio, se a gente tem amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”
“O senhor não duvide – tem gente, neste aborrecido mundo, que matam só para ver alguém fazer careta… vem o pão, vem a mão, vem o cão.”
“O senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido diferente. Eu sou é eu mesmo. Diverjo de todo o mundo… Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.”
“Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias… Tanta gente – dá susto de saber – nenhum se sossega: todos nascendo, crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza…”
“Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.”
“Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si. Para isso é que o muito se fala?”
“As pessoas, e as coisas, não são de verdade! E de que é que, a miúde, a gente adverte incertas saudades? Será que, nós todos, as nossas almas já vendemos?”
“A colheita é comum, mas o capinar é sozinho.”
AS VEREDAS
“O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.”
“Tem horas em que penso que a gente carecia, de repente, de acordar de alguma espécie de encanto.”
“Sozinho sou, sendo, de sozinho careço, sempre nas estreitas horas – isso procuro.”
“Eu careço que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero todos os pastos demarcados. Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao que, este mundo é muito misturado.”
“O rio não quer ir a nenhuma parte, ele quer é chegar a ser mais grosso, mais fundo.”
“Tempo que me mediu. Tempo? Se as pessoas esbarrassem, para pensar – tem uma coisa! -: eu vejo é puro tempo vindo de baixo, quieto mole, como a enchente duma água… Tempo é a vida da morte: imperfeição.”
“Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas”
“O senhor sabe o que silêncio é? É a gente mesmo, demais.”
Guimarães Rosa, João. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1956.
Disponível em PDF em: http://ow.ly/Bw2w301G34t
(Publicado originalmente na coluna Ipsis Litteris do site Isso Compensa).
Assista aqui o depoimento de um dos vaqueiros que acompanhou a expedição de Guimarães Rosa em 1952. Fonte: TV Folha.