A vida de Janete Oliveira nunca foi fácil, mas seu outro nome é resistência. Aqui ela nos conta um pouco de sua história
A paulistana Janete Oliveira Djassi tem uma história feita, sobretudo, de muita resiliência. Hoje trabalhando como cuidadora de idosos e trancista, ela se formou em Serviço Social há quatro anos e sonha em exercer a profissão.
Mulher negra e periférica, Janete já enfrentou muito preconceito racial em sua jornada, algo (infelizmente) comum em nosso país. E, atualmente ela também tem enfrentado outro tipo preconceito, este atemporal: o etarismo.
O preconceito em razão da idade que, se atinge a todos que já estão na fase dos ‘enta’, prejudica ainda mais as pessoas negras que já enfrentam, desde sempre, o racismo.
Leia a seguir o depoimento que Janete concedeu ao PortalPlenaGente+:
“Meu nome é Janete Oliveira Djassi e tenho 64 anos. Sou separada e hoje trabalho como cuidadora de idosos e trancista, duas atividades que exerço com carinho e dedicação, pois são elas que têm assegurado minha sobrevivência. Na primeira, entendo que trabalho pelo bem estar e a dignidade dos meus pacientes; e na segunda, penso que ajudo a embelezar tanto os cabelos quanto a alma de muitas meninas e mulheres negras periféricas porque estou estimulando o autocuidado e a autoestima delas.
Eu sou paulistana, nasci no Jardim América, no Hospital das Clínicas, quando minha mãe, Gercira de Souza Oliveira, já tinha 39 anos e meu pai, Joaquim Adão de Oliveira, 44 anos. Cursar o ensino superior sempre foi meu sonho, mas os obstáculos foram e continuam sendo muitos. Em 1980, eu passei no vestibular da FESPSP (Escola de Sociologia e Política) para cursar Ciências Políticas, mas quando faltava um ano e meio para terminar, tive que desistir, pois não conseguia pagar as mensalidades. Na mesma época, aos 20 anos, me casei e, quatro anos depois, fui morar na África, onde trabalhei para a ONU em um projeto de cooperação internacional. Essa experiência marcou a minha vida positivamente.
Contudo, anos depois, já separada, retornei ao Brasil com uma filha para criar. (Aqui peço um parêntese: o nome dela é Inayah Kambamba Bacar Oliveira Djassi, hoje minha filha tem 36 anos, é casada e mãe do meu neto Théo, de 8 anos).
Continuando essa ‘viagem no tempo’, chegando ao Brasil eu não ganhava o suficiente para pagar uma faculdade e as contas. Eu chamo essa época de “subvivência” tantas foram as dificuldades enfrentadas nesse período. Quando completei 59 anos e após ser “cuidada e escutada” por inúmeras Assistentes Sociais devido à minha situação de vulnerabilidade social e problemas de saúde (ambos superados), me senti fortalecida e com um propósito: retribuir de alguma forma ao acolhimento que estas profissionais me deram. Foi isso que me levou a prestar o ENEM e a concorrer a uma bolsa de estudos pelo ProUni.
Por esse ‘caminho’ entrei na FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas) e cursei Serviço Social com 100% de bolsa, graças à boa nota que consegui. Detalhe: fui a primeira universitária (da minha geração) na família, a concluir o ensino superior, após 200 anos da chegada da minha bisavó ao Brasil, sequestrada em solo angolano aos 12 anos de idade e escravizada. Ela se chamava Felicidade Kambamba e contam que se casou cedo, aos 15 anos, com um indígena da etnia Guarani chamado Juca de Souza que morreu jovem. Minha bisavó, ao contrário, viveu bastante. Ela morreu aos 113 anos nos deixando um legado de luta e resistência.
Aqui preciso reforçar que a questão racial sempre permeou a minha existência, vivi inúmeras situações de racismo, como é comum em nosso país, e agora soma-se a isso a questão do etarismo, preconceito com as pessoas mais velhas. Como exemplo, cito um acontecimento recente: fui prestar o concurso da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo e me deparei com a minha exclusão do processo de inscrição por conta idade. Não é um absurdo? Eu nasci e vivo na maior cidade brasileira, aquela que é a mais desenvolvida em termos de geração de empregos, mas sou impedida de trabalhar como funcionária pública por causa da minha idade. Nesse quesito, a cidade de São Paulo precisa melhorar e muito!
Hoje continuo tentando trabalhar na minha área de estudo, aquela que eu me esforcei muito para concluir, tenho distribuído inúmeros currículos, fiz meu estágio no Instituto do Câncer, um hospital renomado, mas até o momento não consegui ser chamada para nenhuma oportunidade. Mesmo fazendo este trabalho como trancista, noto que há escassez no momento, afinal, cuidar dos cabelos é um luxo para a maioria das mulheres negras brasileiras. Tudo isso tem me deixado frustrada e luto para não me deprimir. Tenho vivido um dia por vez, fazendo o melhor que posso trabalhando como cuidadora de idosos e trancista. Apesar da tristeza que, por vezes, aparece; sei que sou uma mulher batalhadora, sou curiosa, interessada na vida e tenho buscado maneiras de me manter sempre acreditando que em algum momento vou conseguir, finalmente, trabalhar como Assistente Social.
Algo que acho importante ressaltar nesse depoimento é que hoje, mesmo tendo um currículo bom e experiência internacional, o ” racismo estrutural” não permitiu que eu fosse inserida no mercado de trabalho brasileiro. Confesso que não sucumbi graças à minha essência e à esperança de que em algum momento vou conseguir, finalmente, trabalhar na profissão na qual me formei. É isso que me mantém de pé e com a cabeça erguida.
Espero que com esse depoimento eu possa incentivar outras mulheres da minha idade, negras como eu, a persistirem em seus sonhos e realizá-los! Pois somos potências e o céu é o limite!
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