Direito da USP retira homenagem a professor que expôs corpo de mulher negra como curiosidade

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Jacinta Maria de Santana morreu em 1900, no centro de São Paulo. Durante décadas, seu corpo embalsamado foi mantido como curiosidade na Faculdade de Direito (FD) da USP

Silvana Salles/Jornal da USP

A Faculdade de Direito (FD) da USP decidiu retirar a homenagem ao professor Amâncio de Carvalho, já falecido, dos corredores do prédio do Largo São Francisco, no centro da capital paulista. Amâncio de Carvalho foi catedrático de Medicina Legal de 1891 a 1925 e, até a votação da Congregação, na semana passada, emprestava o nome a uma das salas da FD. Ele é acusado por ter mantido e exposto como curiosidade, durante décadas, o corpo embalsamado de Jacinta Maria de Santana, uma mulher negra falecida nas ruas de São Paulo em 1900.

A mobilização dos estudantes negros da FD foi fundamental para o resultado da votação na Congregação, que aconteceu no dia 30 de março. Na véspera da reunião da Congregação, a Coletiva Negra Angela Davis, a representação discente e o Centro Acadêmico XI de Agosto realizaram um ato por memória e justiça a Jacinta, com o apoio de entidades como a Marcha das Mulheres Negras, as Mães de Maio e o Movimento Negro Unificado. No dia seguinte, enquanto a Congregação se reunia, os estudantes realizaram um novo ato para acompanhar a votação do lado de fora da reunião.

Foto: Arquivo do Centro Acadêmico XI de Agosto
Pouco se conhece sobre a história de Jacinta Maria de Santana. O que se sabe é que, em 1900, ela passou mal na rua, próximo à Estação da Luz, e faleceu no caminho da Santa Casa de São Paulo. Seu corpo, então, foi entregue ao professor Amâncio de Carvalho, que na época testava técnicas para embalsamar cadáveres que seriam utilizados em suas aulas de Medicina Legal. Pelas três décadas seguintes, o corpo embalsamado de Jacinta foi repetidamente exposto no espaço público e em sala de aula, vilipendiado e submetido a humilhações durante trotes promovidos por estudantes.

Esses fatos foram recuperados pela pesquisa da historiadora Suzane Jardim, mestranda em Ciências Sociais na Universidade Federal do ABC (UFABC), e publicados em uma reportagem do site Ponte Jornalismo em 2021. Após a publicação da reportagem, a FD criou uma comissão para apurar o caso narrado por Suzane. O debate, contudo, só avançou a partir do segundo semestre de 2022, quando estudantes que participam do movimento negro passaram a cobrar ativamente um posicionamento da faculdade.

A retirada da homenagem a Amâncio de Carvalho foi aprovada quase por unanimidade, com apenas uma abstenção. Segundo o diretor da FD, o professor Celso Campilongo, a Congregação deliberou pela remoção da placa e do quadro que celebravam o antigo catedrático. Esses materiais foram removidos da sala onde estavam e serão encaminhados para o museu da faculdade. No local onde antes se encontravam, será colocada uma nova placa, contando o que aconteceu na sala, quem foi o catedrático e por que a instituição decidiu retirar a homenagem.

Parlamentares do PSOL escrevem carta aberta por retirada de homenagem a eugenista na Faculdade de Direito da USP/ imagem divulgação/não creditada

 

 

Histórico eugenista foi decisivo para retirada de homenagem

“Foi enterrada a múmia da Faculdade”. Fac-símile do Diário Nacional (1929) – Fonte: Biblioteca Nacional

Celso Campilongo conta que as atitudes de Amâncio de Carvalho foram amplamente condenadas pela Congregação. Contudo, o ponto mais polêmico da reunião foi a discussão sobre a responsabilidade jurídica do catedrático pelos maus tratos ao corpo de Jacinta, uma vez que a documentação histórica aponta que os trotes teriam sido obra dos estudantes da época, sem a anuência do professor.

Um fator que pesou decisivamente na deliberação foi o fato de Carvalho ter sido presidente honorário da Sociedade Eugênica de São Paulo. O movimento eugênico foi uma corrente ideológica que se baseou em premissas racistas e pseudocientíficas para defender políticas de branqueamento da população brasileira. Como a posição do catedrático no movimento eugênico indica que ele foi partidário de uma ideologia que desumanizava pessoas negras, isso por si só foi considerado motivo suficiente para retirar a homenagem da faculdade.

O diretor da FD avalia que a questão ganhou repercussão devido às mudanças recentes na sociedade brasileira e no próprio perfil dos estudantes. “Ano passado formei aqui a primeira turma de cotas étnico-raciais. Eram 35 alunos negros que se formaram; nunca nós tivemos tantos alunos negros se formando. Há dois anos, nós tivemos pela primeira vez uma presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, uma mulher negra. A diretoria atual do Centro Acadêmico XI de Agosto é presidida por uma aluna negra. O líder mais atuante na representação discente é um aluno negro. Os estudantes negros são muito mobilizados, muito articulados. Não tenho dúvida de que isso teve um grande peso nessa discussão”, reflete Campilongo.

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