Envelhecimento da população brasileira também eleva casos de ISTs entre pessoas mais velhas

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A invisibilidade, o preconceito e os tabus são listados como possíveis causas para o aumento das infecções sexualmente transmissíveis na população idosa

Julia Valeri/Jornal da USP

A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia faz um alerta para o aumento de diagnóstico das infecções sexualmente transmissíveis, também conhecidas como ISTs, no público idoso. As infecções sexualmente transmissíveis são aquelas contraídas por meio do contato sexual – seja este oral, vaginal ou anal – sem o uso de camisinha masculina ou feminina, com uma pessoa que esteja infectada. As ISTs podem ser causadas por vírus, bactérias ou fungos e podem ser temporárias, crônicas ou incuráveis.

Abordar a questão do envelhecimento como um processo natural da vida e suas diversas mudanças físicas e psicológicas é incentivado. No entanto, quando se trata de sexualidade na terceira idade, as práticas sexuais dos idosos não são comentadas, levando a um aumento das ISTs neste grupo.

Apesar da defasagem dos dados a partir de 2020, devido à pandemia da covid-19, é possível identificar uma tendência no Boletim Epidemiológico HIV/AIDS 2021 do Ministério da Saúde. Segundo consta no boletim, houve um aumento alarmante de 129% no número de novos registros de HIV em indivíduos com mais de 50 anos, quando comparados aos anos de 2007/2009 e 2019. Em 2007/2009, foram notificados 2.383 casos de HIV nessa população, enquanto, em 2019, o número de casos registrados aumentou para 5.469.

Aos 65 anos, a aposentada Maria, que prefere não se identificar, diz que contraiu uma IST no começo do ano passado. “Eu uso camisinha, mas, com esse novo parceiro, eu não estava usando nenhum método contraceptivo. Como não apresentei sintomas, descobri a infecção depois de um exame rotineiro e me surpreendi. No início fiquei apavorada e me senti muito mal, mas com orientação da enfermeira eu estou me acalmando. Nessa idade, o desconforto de contrair uma IST é absurdo, porque foi uma vida com a utopia de que aquilo não iria me incomodar, mas de repente lá estava eu, em uma cadeira de consultório, me abrindo com meu médico sobre minha vida sexual para solucionar o problema e tomar a medicação para me curar. E peço a Deus que me cure.”

Cíntia Cardoso Santos – Foto: Arquivo Pessoal

A enfermeira Cíntia Cardoso Santos, profissional na área de Infectologia em Jaboticabal, descreve o quadro de ISTs nos idosos de forma científica.

Ela afirma que as ISTs comumente aparecem nas mulheres na faixa etária de 60 a 74 anos, sendo o HIV, a sífilis, a gonorreia, as verrugas genitais e a herpes as infecções mais frequentes nessa população.

Em 2019, uma pesquisa realizada pelo Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos (Uniceplac), de Brasília, mostrou que a ocorrência de ISTs em idosos diminui de acordo com a faixa etária. O estudo mostrou que as idades com maior índice de prevalência são de: 60 a 70 anos, com 100% dos dados, 71 a 80 anos, com 85,71%, e 81 a 90 anos, com 28,57%.

O infectologista e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP Fernando Rodrigues Bellissimo acrescenta: “No ato sexual heterossexual, a mulher é mais vulnerável, uma vez que ela permanece com as secreções, como o sêmen, no interior do seu corpo por um tempo prolongado após a relação, enquanto o homem realiza a higienização completa ao tomar um banho, removendo as secreções imediatamente. Mas, ao analisar o ato homossexual masculino, o homem passivo passa a ser mais vulnerável, justamente por causa das secreções, aumentando o risco de transmissão dessas infecções”.

Qualidade de vida sexual

Com o aumento da expectativa de vida, a população idosa tem modificado seu comportamento sexual, resultando em um crescimento dos casos de ISTs. “Isto ocorre porque as pessoas estão vivendo mais e em melhores condições de saúde, o que possibilita a prática sexual por um período maior de tempo”, diz Bellissimo.

A extensão da vida sexual ativa deve-se muito, também, ao avanço da indústria farmacêutica, uma vez que os idosos possuem acesso a medicações que possibilitam que a sua vida sexual seja revigorada, como pílulas para disfunção erétil, composto de substâncias naturais que estimulam a libido e medicamentos para o aumento da lubrificação feminina.

No entanto, ainda existe uma grande parcela dessa população que possui pouco conhecimento sobre as ISTs, fazendo com que se tornem mais vulneráveis para a infecção. “A desinformação, uma vez que a publicidade, as propagandas, as campanhas e a midiatização sobre as ISTs com o objetivo de conscientizar, não fez parte da juventude da população idosa nem faz parte agora”, assegura o infectologista.

A pesquisa da Uniceplac aponta que a falta de estratégias educativas em saúde e a falta de conhecimento sobre ISTs são as principais causas do aumento das infecções no idoso, com porcentagem de 85,71% e 57,14%, respectivamente.

A pouca ou quase ausência da proposição das estratégias voltadas para a saúde sexual do idoso é mínima comparando com a dos jovens, isso porque muitos profissionais tratam os idosos como “pessoas assexuais”. A enfermeira comenta sobre a invisibilidade do idoso perante a sociedade, e que esse fenômeno se intensifica quando levada para o âmbito sexual. “Essa invisibilidade muitas vezes se transforma em tabus e preconceitos”, diz Cíntia.

O preconceito sobre a vida sexual do idoso também parte do próprio médico, o que dificulta o diagnóstico. “Às vezes, o médico atende o cidadão idoso com um quadro típico de sífilis e ele pensa em alergia, em sarampo, mas não pensa em sífilis, porque o paciente está na terceira idade. Eu me lembro, particularmente, de um caso de um senhor de 80 e poucos anos que passou vários meses com o adoecimento muito típico da infecção pelo HIV, perambulando de médico a médico, mas sem diagnóstico, porque ninguém supôs que ele pudesse ter vida sexual ativa e ter contraído o HIV”, revela Bellissimo.

Hormônio do sexo

O enfermeiro João Pedro de Lima Fernandes destaca que, com a idade, o corpo passa por alterações que podem afetar a vida sexual e aumentar as possibilidades de contração de ISTs e dá um exemplo: “Existe um hormônio chamado estrogênio que atua diretamente no aparelho genital. Esse hormônio, na terceira idade, é encontrado em níveis inferiores, assim, ele diminui a lubrificação genital da mulher, aumentando o risco de microlesões durante o ato sexual e, em consequência, o risco da mulher se infectar”.

Outro fator importante, segundo Bellissimo, é que os idosos podem apresentar complicações ou sintomas distintos quando contraem uma infecção sexualmente transmissível, o que ajuda a dificultar o diagnóstico. “De fato, com o avanço da idade, ocorre um fenômeno denominado imunossenescência, que se caracteriza pelo envelhecimento da resposta imune de forma geral. Esse processo pode impactar, inclusive, nas infecções sexualmente transmissíveis, que se manifestam de maneira mais grave nessa população do que em indivíduos mais jovens.”

(imagem de abertura: https://www.freepik.com/author/freepik)

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