COVID-19: Brasil vê dados sobre o número de mortos pelo retrovisor

O número de mortos cresce. As estatísticas não retratam a realidade. Por falta de kit para testes, estamos
olhando os números pelo retrovisor.

748 mortes ligadas ao coronavírus registradas em cartórios no Brasil, mais um índice da defasagem nas estatísticas oficiais.

Número é o mais recente compilado pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, da terça-feira, e aponta para o déficit de testes. Debate sobre dados de mortes não é exclusividade do Brasil.

Os óbitos suspeitos de coronavírus sem a confirmação precisa da causa se tornaram uma triste rotina nos  hospitais do Brasil, onde faltam testes de detecção da doença para os vivos e também para os mortos. Famílias estão sendo obrigadas a enterrar seus entes queridos sem velório e em caixões lacrados sem saber se eles de fato foram vítimas da Covid-19. Uma outra consequência do déficit no número de kits para exames é a defasagem nas estatísticas oficiais do Ministério da Saúde e, consequentemente, em sua
capacidade de dimensionar o tamanho do problema e enfrentá-lo. Informações do portal de transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), que representa os cartórios de
registro civil no país, responsáveis pelo recebimento dos atestados de óbito, pintam um quadro mais sombrio, ou ao menos antecipado, do que os dados oficiais do Governo estão mostrando no momento. (El  País)

“Não é normal”, dizem coveiros sobre trabalho em cemitérios de São Paulo.

Nos cemitérios municipais da cidade mais atingida pelo coronavírus no Brasil, sepultadores relatam salto no número de enterros e jornada de trabalho mais longa. Covid-19 pode ter feito primeira vítima entre funcionários.  Depois de vinte anos trabalhando como agente sepultador na cidade de São Paulo, Manoel Norberto Pereira diz que o ritmo de trabalho nos cemitérios mudou desde a semana passada. “Os outros trabalhos estão suspensos. A dedicação agora é abrir “, disse Pereira por telefone à DW Brasil. No maior cemitério paulista e um dos maiores da América Latina, o Vila Formosa, os espaços cavados na terra diariamente para abrigar caixões saltaram de 50 para 100. A imagem das covas abertas enfileiradas rodou o mundo e levantou a suspeita de que a cidade, a mais atingida pela pandemia do novo coronavírus no país, estivesse esperando um grande número de mortes em decorrência da doença respiratória causada pelo patógeno, a covid-19. Diante da repercussão, o prefeito Bruno Covas disse que se tratava de um procedimento padrão ao fim da temporada das chuvas. Mas os agentes sepultadores, como a categoria dos coveiros pede para ser chamada, que vivem a rotina dos cemitérios, discordam. “A média diária no Vila Formosa é 38, 40 enterros. No último domingo (05/04), foram 62”, diz João Gomes, representante do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias do Município de São Paulo (Sindsep).
A marca superou a contagem feita no sábado, quando houve 57 enterros, e na sexta, com 52. O  levantamento não é oficial, mas feito pelos próprios servidores a pedido do Sindsep. (…)

Desde início de abril, ele tem visitado cemitérios da cidade para apurar denúncias sobre o aumento de enterros, longas horas de trabalho e falta de álcool em gel para os agentes sepultadores. “Por que houve esse aumento de enterros? É covid-19? São outros cemitérios que estão fechados? Ou cemitérios particulares que não quiseram enterrar?”, questiona Gomes. O clima entre os agentes sepultadores é de medo por causa dessa doença”. Até a manhã desta quarta-feira (08/04), o país registrou 667 mortes por covid-19. Dos 371 óbitos pela doença no estado de São Paulo, que registrou 67 mortes em apenas um dia, a maioria foram na capital. O estado tem 5.682 casos confirmados da covid-19., e de seus 645 municípios, 121 já registram infecções. Um item na lista de compra da cidade chamou a atenção no Diário Oficial publicado em 3 de abril: 5 mil mantos protetores para manejo de corpos e precauções no controle de covid-19, no valor de 256,7 mil reais.

Contratação extra

O serviço funerário municipal, que já teve mais de 2.100 funcionários trabalhando nos 22 cemitérios e um crematório até 2010, hoje conta com 880 servidores. Pressionada com o cenário trazido pela pandemia, que forçou o afastamento dos agentes maiores de 60 anos, a prefeitura fez uma contratação emergencial de 220 sepultadores temporários. Inicialmente, faltavam os devidos equipamentos de proteção individual (EPIs) que evitam a contaminação durante o trabalho pelo novo coronavírus, mas uma compra recente foi feita. Questionada pela DW Brasil, a prefeitura respondeu que o “Serviço Funerário fornece luvas, máscaras e invol, um manto protetor que embala os corpos no caixão, que evita a possibilidade de contaminação durante o traslado dos corpos”.   A recomendação é que os itens sejam usados obrigatoriamente nos enterros de vítimas de covid-19. Mas há situações em que, mesmo para caixões que chegam aos cemitérios sem a sigla D3 no documento, que indica covid-19 como causa da morte, houve a indicação do mesmo ritual de segurança.

Dúvida após o enterro

Foi o que aconteceu no enterro de Ailton Souza, que foi servidor municipal do Cemitério da Saudade por mais de 20 anos, e morreu no dia 1º de abril. Duas semanas depois de comemorar os 61 anos ao lado do pai, a filha do servidor, Vivian Souza, tentava realizar o último desejo dele: vesti-lo com um terno para o próprio enterro. Não foi possível. Na verdade, a família mal conseguiu se despedir – embalado em sacos, o corpo de Souza foi sepultado num caixão lacrado, sem velório. Diabético, Souza foi internado em 22 de março com sintomas de gripe. Passou a respirar com ajuda de aparelhos menos de 24 horas depois e faleceu no Hospital do Servidor Público Municipal, em São Paulo.

Coveiros usam roupas de proteção para evitar contágio por covid-19

A família ainda não sabe se Souza foi infectado pelo novo coronavírus. “Não teve teste. Ninguém nos deu nenhum “, afirmou Vivian à DW Brasil sobre o diagnóstico de covid-19”; “Não nos deram nem raio-x, ou resultado de tomografia. Não assinamos nada, nem internação, nem óbito.”  O documento que foi encaminhado ao cemitério onde Souza foi enterrado chegou sem a inscrição D3. Segundo a descrição, a vítima faleceu devido à insuficiência respiratória aguda, síndrome aguda respiratória adulto, pneumonia, diabetes mellitus. Atrás de detalhes sobre o quadro de saúde do pai, Vivian recebeu ajuda de funcionários que, em condição de anonimato, disseram que os primeiros testes feitos em Souza investigaram a presença de H1N1. “No caso do meu pai, não temos nenhum documento em mãos provando nada sobre seu estado de saúde. Inclusive todas as notícias que tivemos foram em sigilo, dadas por profissionais do hospital em anonimato”;, disse à DW Brasil. (fonte: Deutsche Welle)

Imagem de abertura – Pixabay

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