A expectativa de uma vida cada vez mais longa transforma a velhice. O mundo acadêmico estuda como empregaremos esses anos – e se podemos nos permitir ser mais longevos.
**Cristina Galindo – matéria publicada originalmente no jornal El País
Dois séculos atrás, passar dos 40 anos era algo incomum. Os que conseguiam eram considerados quase seres abençoados pelos deuses. Graças aos avanços médicos e sociais, porém, a esperança de vida começou a aumentar num ritmo considerável no final do século XIX. Hoje, viver até 80 anos é habitual. E tudo indica que, dentro de pouco tempo, chegar aos 100 será bastante normal. Essa expectativa de uma vida longa, compartilhada cada vez por mais gente, é celebrada pela ciência como uma vitória na batalha da humanidade contra a morte. No entanto, como viver esses novos anos? Podemos nos permitir o luxo de ser mais longevos?
O mundo acadêmico estuda essas questões tentando prever como será a velhice dentro de meio século. E como frear o aumento das desigualdades e da solidão, dois males especialmente associados a essa idade.
Um caso extremo é o do Japão – proporcionalmente, o país com maior número de idosos, seguido da Espanha –, onde a imprensa informou recentemente sobre casos de idosos que cometem pequenos crimes, como roubos em lojas, para passar uma temporada na prisão. Ali, dizem, eles se sentem mais cuidados do que fora. Também se sentem sozinhos ou não têm dinheiro suficiente.
Diz-se que se o século XX foi o da redistribuição de renda, o XXI será o da redistribuição do trabalho: a jornada poderia se reduzir durante a criação dos filhos, para que a pessoa recupere essas horas no futuro, ou trabalhe quatro dias por semana e adie a aposentadoria. Pode ser que a vida laboral comece mais tarde e se estenda até os 75 anos, em vez dos atuais 65 em vários países. Depois, com a chegada do momento de aposentar, o sistema poderia ser mais flexível: a pessoa trabalharia em tempo parcial ou por conta própria (reduzindo a quantia da pensão temporariamente). Claro que tudo isso depende de se o indivíduo tem a sorte de poder decidir quando e como trabalhar.
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As recentes manifestações na Espanha para exigir pensões dignas são um sinal da vontade dos idosos de influir. Tradicionalmente considerados como uma leal fonte de votos para os partidos dominantes, os idosos querem mais. “Essa faixa etária era geralmente pouco inclinada à mudança. Participava menos dela. Isso começou a mudar”, explica Jesús Rivera Navarro, professor da Universidade de Salamanca e especialista em sociologia do envelhecimento. Não só os millennials são diferentes; seus avós também são.
“As gerações vindouras são muito diferentes. Viveram coisas muito diferentes”, define. Contribuíram para a modernização e a europeização da Espanha. Viveram o maior salto e progresso econômico da história do país. Em sua juventude, alguns foram a shows dos Rolling Stones (muitos ainda vão) e protagonizaram a transição para a democracia. Puderam estudar mais que seus pais e viajaram mais. Deram muitas comodidades aos filhos. É, provavelmente, a geração de aposentados mais bem preparada. E começa a ficar claro que seus integrantes não estão dispostos a abrir mão do compromisso político que marcou sua juventude.
Na verdade, é o próprio conceito de idade que muda. Ser mais velho não será igual, mas ser jovem também não. Cada vez veremos coisas mais próprias da juventude em idades mais avançadas? “O tempo de duração de uma vida se redistribui: somos mais tempo jovens, mais tempo adultos e, da mesma forma, começamos a ser velhos mais tarde e durante mais tempo”, afirma Antonio Abellán, professor do Grupo de Pesquisa sobre Envelhecimento do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC) da Espanha. “Atrasar a idade de aposentadoria tem uma lógica demográfica”, conclui. O especialista situa o fim da idade adulta na Espanha nos 72 anos, quando uma pessoa tem, estatisticamente, 15 anos de vida pela frente. “No entanto, os espanhóis são, junto com os poloneses, os europeus que sonham em se aposentar o quanto antes. Querem se aposentar, mas logo depois não sabem o que fazer. Suponho que isso tenha a ver com um sistema de trabalho que nos esgota, nos entedia”, opina.
Continuar trabalhando, talvez em outro ritmo ou com outra atividade, seria uma opção. Segundo um estudo da firma holandesa Aegon, dedicada a pensões e seguros de vida, 57% dos trabalhadores pesquisados no mundo inteiro se veem trabalhando após a aposentadoria, seja em tempo parcial ou por conta própria.
Suas razões: manter o cérebro em forma, garantir renda ou simplesmente porque gostam do que fazem. Mas nem todo mundo chega do mesmo jeito aos 80. “Do ponto de vista cognitivo, na mesma idade os idosos são menos semelhantes entre si que os jovens. Portanto, sempre que possível, as aposentadorias à la carte deveriam substituir as aposentadorias de ‘cardápio fixo’”, diz Bayés.
Se a vida continua se prolongando, a capacidade de trabalhar deveria se prolongar também, afirma Isabel Ortiz, diretora de Proteção Social da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Mas o problema é que haja postos de trabalho suficientes, pois nossa política econômica, determinada por políticas de austeridade de curto prazo, não gera emprego. O bom envelhecimento depende da possibilidade de que as pessoas tenham aposentadorias adequadas”, diz ela. “Mas muitas reformas previdenciárias estão sendo realizadas sob essa ótica, que prioriza a economia fiscal e não o valor das aposentadorias.” Em seu Relatório Mundial sobre Proteção Social 2017-2019, a OIT afirma que a pobreza na terceira idade está crescendo na Europa. E adverte: a menos que as reformas recentes sejam corrigidas, 19 países europeus verão suas aposentadorias caírem nas próximas décadas, sobretudo na Espanha, Portugal e Polônia.
Pensar em ter uma previdência pública em 30 anos… é uma quimera? “Muitas das advertências de que as aposentadorias correm perigo são alarmistas; os sistemas públicos foram elaborados para se ajustar de forma constante às novas realidades; se esses pequenos ajustes forem feitos de acordo com padrões do trabalho, poderão garantir aposentadorias dignas e a sustentabilidade futura”, afirma Ortiz.
Pode ser que os cidadãos que estão nascendo neste momento vejam com total naturalidade – por decisão própria ou porque não terão outro remédio – o fato de trabalhar até os 75 anos e viver até os 100. No entanto, como o erário público conseguirá absorver essa mudança? Nos anos cinquenta do século XX, quando foi desenhada a maioria dos sistemas modernos de seguridade social, havia 205 milhões de pessoas no mundo com mais de 60 anos. Essa cifra se multiplicará por 10 até 2050, chegando aos 2,1 bilhões. No mundo rico, os gastos com a previdência e a saúde passarão de 16% para 25% do PIB no final do século XXI, segundo o FMI. O cuidado dos idosos exigirá um desembolso cada vez maior. Enquanto isso, os índices de natalidade caem nos países ricos, e as condições de trabalho são cada vez mais precárias.
Os baixos salários, a temporalidade e o aumento do número de autônomos, que costumam se ver obrigados a ganhar menos por seu ofício, torna mais difícil conseguir essas aposentadorias adequadas e sustentáveis, segundo Marina Monaco, assessora da Confederação Europeia de Sindicatos. “Queiramos ou não, viveremos mais anos e, supostamente, deveremos trabalhar mais. Mas a decisão de até quando é preciso trabalhar deve surgir do diálogo entre empresas e trabalhadores. Para alguns será difícil, porque realizam trabalhos duros do ponto de vista físico”, afirma. Também não se pode ignorar que muitos são expulsos do mercado de trabalho antes da idade de se aposentar: o desemprego cresce entre os maiores de 50 anos, e é mais difícil para eles encontrar um trabalho. Se a pessoa não pode trabalhar até os 65, qual o sentido de falar dos 75?
O panorama que se aproxima é incerto. Só não há dúvida de que as reflexões sobre a terceira idade – e como vivê-la – são cada vez mais necessárias. As novas gerações de idosos têm o papel de conquistar esse novo tempo que a medicina ganhou para eles, uma terra desconhecida. Porque, como dizia o filósofo inglês Thomas Hobbes, existe algo pior que viver uma vida “solitária, pobre, ruim, tosca e breve”. É viver uma vida solitária, pobre, ruim, tosca… e longa.
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