Precisamos entender que a velhice não torna uma pessoa ‘boazinha’…
Então, aquela mocinha recém-formada em fisioterapia e cheia de boa vontade e bons pensamentos foi trabalhar naquela Instituição de Longa Permanência (as antigas casas de repouso ou asilos).
Seu sonho era trabalhar em um lugar assim desde antes da faculdade por ter crescido ao lado da avó que ela achava a pessoa mais afetuosa e acolhedora do mundo. Crescera frequentando a casa da avó onde era recebida com muito carinho, bolos cheirosos e afagos.
Estudara fisioterapia porque acreditava que os ‘velhinhos’, em geral, eram abandonados pelos filhos que não reconheciam o quanto eram bonzinhos, bonitinhos e careciam de cuidados. É claro que essa moça, que chamarei Lúcia, era uma pessoa rara e bem intencionada como poucas, mas é claro que também era um pouco sonhadora e romântica…
E então, ela, ao se formar, foi mais que depressa procurar um lugar cheio de velhinhos (as) bonzinhos (as) e dóceis para que pudesse exercer sua profissão. Não foi difícil para ela arrumar emprego, havia estudado em uma boa faculdade e era visivelmente talhada para a profissão que escolhera.
Logo nos primeiros meses, se tornaria bem quista por todos os idosos da instituição que ela sempre tratava por ‘queridinhos’, ‘querida’, ‘amorzinho’ numa simpatia sem fim… Tudo estava indo tão bem até que…
Até que o tempo passou e Lúcia começou a se preocupar demais com o ‘seu’ Jorge que nunca recebia visitas dos filhos e com a dona Mariinha que passava os finais de semana sem visita nenhuma. Lucia se incomodava muito com aquilo. Primeiro, ela comentou com algumas colegas, depois com a direção da instituição, mas nada surtiu efeito.
Seu Jorge e dona Mariinha, sempre tão sorridentes (não, eles não a tratavam mal, aliás ambos reclamavam muito da solidão, da falta de visitas e etc.) não podiam continuar assim, tão desprezados pelos familiares. “Isso é um absurdo! Não é porque uma pessoa envelhece que deve ser ignorada, filhos ingratos, sem coração etc.” era o que Lucia dizia sempre quando tinha plantão nos finais de semana e via ambos em seus quartos, sozinhos, vendo TV.
Pois Lucia tanto falou que conseguiu os telefones dos filhos de Jorge e Maria das Graças (a Mariinha), mas o que ela ouviu mudaria para sempre sua percepção da velhice e quase faria ruir sua própria fé na humanidade.
Acontece que o filho do seu Jorge, aquele velhinho de olhos azuis tristonhos e fala mansa, disse que não queria vê-lo nunca mais. Que pagava aquela instituição porque a justiça obrigara e que seu pai espancava sua mãe e todos os filhos sempre que chegava em casa bêbado durante sua infância e adolescência. Contou ainda que ele obrigava-os a dormir fora de casa, mesmo que estivesse chovendo, nessas ocasiões. Que também nunca os incentivou a estudar, cada um o fez por conta própria. Ele também contou que o pai havia deixado seu irmão mais novo paraplégico devido às surras que só pararam quando eles conseguiram sair de casa, depois da adolescência.
Mas e dona Mariinha? Pois é, ela também não ficava atrás na ruindade. Sua filha mais velha, quando procurada, nem queria conversar com a Lúcia. Falou que não tinha mãe, que ‘aquilo’ nunca fora uma mãe. Contou que crescera tendo que cuidar dos irmãos mais novos, que não tinha tempo de estudar pois a mãe não a deixava estudar, dizia que por ela ser a mais velha tinha a obrigação de ajudá-la a cuidar dos irmãos menores. A mãe também espancava todos em casa, por ruindade gratuita, era narcisista, não gostava que eles tivessem amigos e o pior é que havia obrigado uma das filhas, segundo a mulher, a fazer um aborto doloroso, caseiro e que deixara sequelas terríveis.
Depois de ouvir estas duas histórias, Lúcia ficou uns dias tentando olhar para o seu Jorge a dona Mariinha de um jeito mais ‘real’ e menos romantizado, isso fez com que ela amadurecesse e percebesse o que até então se negara a enxergar: gente má também envelhece. Pessoas ruins, de caráter duvidoso, preconceituosas (e etc.) também envelhecem e os cabelos brancos e as rugas não as tornam ‘boazinhas’ e ‘legais’.
Foi duro o aprendizado de Lúcia, mas foi necessário e revelador.
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Jornalista com experiência sobretudo em redação de textos variados - de meio ambiente à saúde; de temas sociais à política e urbanismo. Experiência no mercado editorial: pesquisa e redação de livros com focos diversos; acompanhamento do processo editorial (preparação de textos, revisão etc.); Assistência editorial free lancer. Revisora Free Lancer das editoras Planeta; Universo dos Livros e Alta Books. Semifinalista do Prêmio Oceanos 2020.







