HISTÓRIAS PLENAS: de assessor de imprensa a ‘rei’ de festa religiosa; de locutor de rádio a trabalhador de empresa no Iraque e pesquisador do IBGE … conheça a a vida intensa de um jornalista pra lá de curioso

William Monteiro já viveu muitas ‘aventuras’, jornalista profissional, ele já morou no Iraque, foi assessor de imprensa e hoje se divide entre ‘Beagá’ e o interior de Minas, onde ‘herdou’ uma Comunidade  dedicada a festejar Nossa Senhora do Rosário numa das festas religiosas mais populares do estado.

Ana Claudia Vargas

Como um filme repleto de situações curiosas: assim podemos definir a vida de  William Monteiro. Como funcionário da construtora Mendes Júnior,  ele já morou no Iraque, rodou pela Europa e, na volta, trabalhou em entidades como a FIEMG . Recentemente, se aventurou como pesquisador no último censo do IBGE e rodou de novo, dessa vez pelo centro-oeste mineiro conhecendo o povo do interior do estado ao vivo e a cores. Outra situação inusitada William viveu ao se tornar o ‘rei festeiro’ de uma aclamada festa religiosa das Minas Gerais .

A seguir, ele nos conta um pouquinho de sua história…

“Cuidar da Comunidade Antônio Martins foi, ao mesmo tempo, algo natural e incidental. Natural porque sou neto do Antônio Martins e, como tal, acompanho a Congada desde sempre. Incidental porque até os 50 anos a minha relação com a Congada era só de acompanhar.  Aí, de repente, em 2008, fui convidado para ser rei festeiro, mas recusei.  Em 2009, me repetiram o convite. Disse não novamente, por fim, em 2010, veio o terceiro convite. Aceitei. “Seja o que Deus quiser”. E Deus quis. Virei rei festeiro em 2011. Em 2016, tornei-me o Rei do Mastro e, em 2019, acumulei esta função com a de presidente da Comunidade Antônio Martins. O que vivo hoje é bem diferente do meu passado, por exemplo, eu vivi no Iraque na década de 1980 quando trabalhava na Construtora Mendes Jr., em BH. Cumpri quatro contratos de trabalho naquele país, entre 1981 e 1986. Quando fui pela primeira vez, em março de 1981, eu cursava o segundo ano de Jornalismo. Abandonei a faculdade e fui pra lá, sem nenhuma razão maior do que apenas a vontade aventureira de um garotão inquieto.  Durante todo o tempo em que lá vivi, o Iraque esteve em guerra contra o Irã, mas eu morava a 200 quilômetros ao Norte da capital, Bagdá, e a mais de mil quilômetros do epicentro do conflito, que rolava no extremo Sul do Iraque, na fronteira com o Irã. Minha estadia naquele país exótico, misterioso, lindo e cativante foi o grande divisor de águas da minha vida. Foram tantas situações vividas e vistas e uma pluralidade absurda de gente que conheci que fui obrigado a escrever um livro sobre: “Mesopotâmia verde e amarela – Lembranças de um tupiniquim pra lá de Bagdá”. No livro, conto em detalhes a minha experiência de viver no deserto do Oriente Médio e, de quebra, a viagem de mochilão que realizei pela Europa, durante um mês, junto com outros quatro companheiros. Escrevi o livro em 1984. Depois de escrevê-lo, voltei ao Iraque mais duas vezes. Já fiz ‘trocentas’ revisões, mas ainda não o publiquei, acredita? Outra coisa: eu nasci e cresci em Belo Horizonte, onde trabalhei, estudei, me casei e onde nasceram meus filhos. Mas vivi também fora de Belo Horizonte, como disse, no Iraque (três anos), no Triângulo Mineiro (dois anos), na Bahia (três meses) e no Norte de Minas (dois meses). Dores do Indaiá, portanto, não foi minha primeira experiência de viver em uma cidade pequena, mas foi, sem dúvida, a mais significativa de todas. Devido aos meus 25 anos de trabalho como jornalista (90% em Assessoria de Imprensa), tive o imenso prazer e o privilégio de conhecer toda Minas Gerais, além de outros estados e países. Mas nenhum lugar do mundo, por mais interessante que fosse, jamais me apeteceu mais do que Dores. Apesar de ir lá  desde a mais tenra infância, eu nunca havia morado na cidade. Aí, me aposentei e, em 2019, passei a viver a maior parte do tempo em Dores. Transferi meu título pra lá, entrei de cabeça na administração da minha comunidade de Congada, conheci pessoas de todos os estilos, tendências e extratos sociais. 

Sobre a ‘Festa do Rosário’, ele revela: Participar da Festa do Rosário foi, e é, algo bem profundo pra mim. Como sempre vivi fora de Dores até os meus 50 anos, nunca fui próximo do Antônio Martins. Gostávamos muito um do outro, mas não tínhamos contatos frequentes. Desde que entrei efetivamente para o movimento da Congada dorense (meu avô já falecido há anos), posso dizer que me aproximei dele, através de relatos de alguns familiares e de inúmeros congadeiros que atuarem com ele, que foram bem próximos dele. E hoje acho que tenho um profundo conhecimento não apenas da obra do meu avô como congadeiro, mas também como uma pessoa de temperamento forte, irascível, católico fervoroso e defensor ferrenho das suas convicções. Antônio Martins é, para todos os efeitos, uma lenda e, baseado nisto, na sua vida de quase um século (ele morreu em 1993, aos 96 anos), estou escrevendo um livro sobre a Congada de Dores do Indaiá, tendo ele como pano de fundo. O nome do livro é “O feiticeiro do Cerrado – A saga de uma lenda da Congada de Dores do Indaiá”. 

E como foi a experiência de viver fora do Brasil?

Quando se vive ou se está fora do país, as comparações são inevitáveis. O Iraque, por exemplo, é mais burocrático e tão corrupto quanto o Brasil. Tecnológica e socialmente é mais atrasado que o Brasil. O iraquiano comum é mais ingênuo que o brasileiro comum pois, pelo que pude perceber, as mudanças sociais chegam bem mais cedo no Ocidente. Já nos países europeus, as diferenças de comportamento, recursos tecnológicos e avanços sociais são gritantes, em relação a nós. E é flagrante o quanto somos, de certa forma, insignificantes para eles. Mas, danem-se. O Brasil, apesar de todas as nossas mazelas, é muito melhor que França, Suíça, Itália, Áustria…

E como é viver com um pé na capital e outro no  interior?

Belo Horizonte, a “roça grande” é, na verdade, uma metrópole algo caótica. Andar de carro por suas ruas não é tarefa para amadores, elas estão sempre apinhadas e praticamente não há locais públicos para estacionar; em Dores, a mobilidade
é infinitamente mais tranquila, atravessa-se a cidade de carro, de um ponto    a
outro, em 20 minutos e em qualquer lugar você deixa seu carro, até com a chave
na ignição. Em Dores você sabe quem morreu (o carro da funerária avisa por meio de muitos decibéis), os sinos das igrejas anunciam as horas e onde quer que
esteja, mesmo no meio rural, você vai encontrar um conhecido. Isto tudo é
legal, coisa de cidade pequena que encanta o forasteiro. Por outro lado, se você
quer assistir a um bom filme no cinema, em Dores, esqueça; se quer comer
uma pizza diferente, ou se fartar numa churrascaria, ou se deliciar com um
prosaico big mac, esqueça; se quer comprar uma roupa modernosa, de
“marca”, esqueça. Lá, você pode pedalar pela cidade à noite, com poucos aclives/declives e ruas vazias, fazer longas e prazerosas caminhadas ao ar livre, respirar ar puro, pescar, sentar-se em um banco das muitas praças sempre bem cuidadas, voltar para casa à noite a pé sem correr nenhum perigo. Contudo, não se iluda: as pessoas sabem quem você é, a qual família pertence, as coisas de que gosta. Onde quer que esteja, você estará sendo “vigiado”. Enfim, há quem prefira a BH sempre futurista ou a Dores do Indaiá sempre estacionada no tempo. Eu gosto das duas. Acho estimulante poder viver estes dois mundos.

E como é ser o ‘rei festeiro’ de uma festa tão popular como a ‘Festa do Rosário” como se diz popularmente?   

Existe, neste movimento, uma coisa, um sentimento que não se explica. É surreal, transcendental. A Congada é, a princípio, uma festa religiosa, e a igreja católica desempenha função primordial nela. Mas não há como negar a influência de religiões de matriz africana no seu contexto. Em Dores, particularmente, a força da Congada é única, uma vez que ela, ao contrário das cidades vizinhas e de outras regiões, abriga pessoas – dançantes, devotos, reis e rainhas festeiros -, de todos os matizes sociais. Durante a Festa do Rosário, todas as ruas têm ao menos uma residência, ou empresa, com um altar montado; existem reis e rainhas (os que pagam a alimentação dos ternos) ricos e pobres e a comida é sempre farta e
saborosa. Apesar da ajuda financeira ser mínima, normalmente de repasses da
Secretaria de Estado da Cultura, os ternos estão sempre renovando suas
fardas. Aliado a isto tudo, a coisa mais emblemática da Festa em Dores: ela
domina todo o cenário e é movida exclusivamente pela fé das pessoas em
Nossa Senhora do Rosário. Há Festa do Rosário em todos os municípios do
Centro-Oeste mineiro, noutras regiões de Minas e em outros estados. Mas
nenhuma delas se equipara à de Dores, em termos de envolvimento da
população, beleza, religiosidade e, sim, milagres. Muitos. Enfim, a Festa do
Rosário de Dores do Indaiá não se explica. Se sente, simplesmente.

William também trabalhou como pesquisador do IBGE e escreveu outro livro sobre esta experiência

Esta foi uma experiência muito legal. Consegui juntar, ao mesmo tempo, o
prazer de conhecer, ou rever, municípios e distritos de uma região que adoro, o
Centro-Oeste mineiro; trabalhar sem patrão ou chefe chato ao lado; voltar a ser produtivo e útil em plena aposentadoria e, o melhor: na maior parte do tempo, atuar sozinho, a bordo de um poderoso Fiat Mobi, descortinando caminhos e lugares por campos singulares, nunca antes percorridos, de algumas cidades.
Só pra citar um exemplo: pude desfrutar a intimidade do Rio São Francisco, o
Velho Chico, o Rio da Integração Nacional em diversos pontos. Sem contar o
fator gente. Travar conversas com as pessoas simples da roça, os agricultores
familiares, pequenos produtores, sempre hospitaleiros e atenciosos, foi muito
bom. Eu tinha feito o concurso para o Censo 2022 do IBGE para o cargo de
Agente Censitário Supervisor (ACS), que vem a ser uma espécie de
coordenador dos Recenseadores, que chamei de Recs. E escolhi, claro,
trabalhar em Dores do Indaiá, que era subordinada à subárea de Abaeté. No
princípio, eu realmente coordenava os Recs, não podia realizar os questionários do Censo. Com a inevitável revoada deles, que foi aumentando com o passar dos meses, virei também um Rec. Só que, no meu caso, o trabalho passou a ser feito 90% na área rural, porque eu “tinha” o carro. O trabalho, que
seria a princípio de cinco meses, durou 10. Foi inesquecível. E está tudo no meu livro que você encontra aqui “Suco de Brasil – Histórias com e sem senso do Censo 2022”. 

No meio de tantas reviravoltas, William também encontra tempo para ser locutor do Balaio, um programa de rádio que se define como  “um pouco de tudo, tudo de música”…

Esta era  uma ideia antiga. Fiz o projeto, levei para o dono da Multi FM, de Dores e ele topou na hora, sem maiores exigências e, então, comecei a tocá-lo em abril de 2022. É um passatempo bem pessoal, que extraí das emissoras de rádio de BH que ouvia na juventude. Na verdade, é voltado para tiozões como eu, mas acabou tendo boa adesão de jovens que procuram coisas novas. Não toco breganejo (que
detesto), funk (que abomino) e nem pagodezinhos sem-vergonhas (que ignoro).
O Balaio é composto por três sessões: “Clube de Todas as Esquinas”, onde se
toca MPB e outros ritmos nacionais de qualidade; “Cupido e Baco”, muito flash
back, com baladas e canções que embalaram os bailes de antigamente; e “Pau
na Máquina”, com o velho e bom rock ́n roll. Vai ao ar aos sábados, quando
estou em Dores, das 14h às 17h, basicamente com música boa, sem falação ou
apelos comerciais. As canções são selecionadas anteriormente, mas o
programa é ao vivo. Eu falo o nome de quem canta no início e o nome da música
no final, sempre em Português (tipo “Beatles”, no começo, e “Socorro”, no fim;
“Led Zepellin”, “Uma escada para o céu”; “Commodores”, “Três vezes uma
dama”…). O Balaio pode ser acessado no dial 87,9, para quem está em
Dores, ou pelo site (multifm.com.br), em qualquer parte do mundo.

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Jornalista com experiência sobretudo em redação de textos variados - de meio ambiente à saúde; de temas sociais à política e urbanismo. Experiência no mercado editorial: pesquisa e redação de livros com focos diversos; acompanhamento do processo editorial (preparação de textos, revisão etc.); Assistência editorial free lancer. Revisora Free Lancer das editoras Planeta; Universo dos Livros e Alta Books. Semifinalista do Prêmio Oceanos 2020.

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