Chegar a topo do Everest é uma grande conquista, mas Aretha Duarte quer mais: quer ver pessoas negras ocupando espaços e obtendo reconhecimento.
Ana Claudia Vargas*
Aretha Duarte começou sua trajetória até alcançar o topo do Everest quando ainda estudava Educação Física na faculdade entre os anos 2004 e 2007. Na época, ela conta que pediu emprego numa operadora de montanhismo, conseguiu trabalhar na empresa como vendedora , depois passou a ser assistente de guia e, finalmente, se tornou guia especializada em alta montanha, primeiro passo de muitos que viriam antes de chegar ao topo do Everest.
Confira o depoimento que ela concedeu ao PortalPlenaGente+
Um projeto de vida
Após me tornar guia, eu tive grandes experiências em altitude. Estive na Argentina, Bolívia, Equador, ganhando bastante experiência. Em seguida, pude ir ao Kilimanjaro, na Tanzânia, e depois no Elbrus que fica na Rússia. Também conheci o campo base do Everest. Enfim, fui ganhando experiência física, técnica e emocional em altitude. Até que em dezembro de 2019, eu me empolguei, me entusiasmei e desejei escalar o Everest por conta de uma foto: a foto do Vale do Silêncio. Essa foto me motivou a tentar essa empreitada. E aí, em março de 2020, eu escrevi um planejamento para ter a expedição Everest no ano seguinte. Nesse planejamento, coloquei quais eram os requisitos físicos, técnicos e emocionais necessários. Descobri que, por conta do meu trabalho, já estavam garantidos, mas eu não tinha o recurso financeiro e, por conta disso, fui trabalhar com reciclagem de materiais, uma atividade que eu já tinha experimentado na minha infância. Eu voltei a ser uma cotadora de reciclados e, após 12 meses e 15 dias, nós conseguimos reunir mais de 130 toneladas, o que me permitiu um terço do recurso necessário para o Everest. Os outros dois terços foram a partir de outras iniciativas, bazar, brechó, leilão de equipamentos usados, venda de fotografias, venda de camisetas feitas de plástico PET reciclado, patrocínio de sete empresas. Embarquei no local e participei dessa expedição no Everest por 54 dias de montanha. No dia 23 de maio, cheguei ao topo desta montanha após o desafio físico, técnico, emocional, princípio de edema pulmonar, queimadura de córnea, também sofri machismo e racismo na montanha. Diante de tantos desafios, ainda assim, consegui superar, conectada a um propósito. O propósito não era chegar ao topo, o propósito era fazer com que essa expedição me possibilitasse ativar o meu projeto de vida. O meu projeto de vida, o meu propósito de vida é a transformação das periferias do Brasil. O meu projeto de vida é realmente transformar a vida das pessoas, especialmente as mulheres, pessoas negras e periféricas.
Etapas físicas, emocionais e sociais
As etapas necessárias para concretizar essa empreitada foram esses cinco passos que eu falei: condicionamento físico, conhecer a escalada em rocha, conhecer a escalada em gelo, conhecer o corpo em altitude e ter escalada em montanha de 7mil a 8 mil metros. O sexto passo foi o financeiro, conseguir o recurso financeiro de quase 1 milhão de reais para pagar a expedição. O custo da expedição, porte terrestre, equipamento, seguro aventura, seguro resgate, alimentação, carregador, guia, aéreo, enfim, tudo que envolvia a expedição Everest, a minha saída do Brasil ao Nepal, custou aproximadamente 67 mil dólares.
A Conquista da representatividade
A escalada do Everest começou em abril e eu cheguei ao topo no dia 23 de maio de 2021. Essa conquista é muito representativa. Eu me tornei a primeira negra latino-americana a chegar no topo do Everest, isso significa que outras também podem chegar. O meu objetivo não era ser a primeira, o meu objetivo era ser uma de muitas e só me interessa realmente falar desse projeto, ter executado esse projeto porque eu reconheço que a minha jornada pode transformar a vida de outras mulheres negras. Eu batalho, luto pra que outras pessoas negras ocupem esse espaço da montanha também que ainda é extremamente elitizado, que ainda é é extremamente seletivo do ponto de vista social e econômico. Recentemente, em novembro de 2024, eu consegui guiar, levar grupo de pessoas negras do Brasil ao topo da África, o Kilimanjaro, numa expedição que a gente chamou de expedição Sankofa. Houve muito impacto na vida dessas pessoas que estiveram comigo lá, e a gente é muito grato não somente pelo incentivo da minha própria empresa que patrocinou parte dessa expedição, mas também da empresa Move, que foi a outra patrocinadora. Teve uma marca apoiadora em equipamentos, que foi a Decathlon, mas absolutamente eu tenho sentido muito orgulho e gratidão em perceber que a minha escalada não é só minha. A minha escalada é nossa, ela resulta em conquistas coletivas.

Como tudo começou?
O projeto de escalada do Everest começou quando eu nem mesmo tinha imaginado ou estabelecido como meta pra minha vida, foi em 2004 quando eu assisti à palestra sobre montanhismo, em 2007 eu comecei a trabalhar com isso, e aí em2019 eu projetei a escalada. Em 2020 eu consegui participar dessa expedição. Como já disse, era (é) indispensável ter volume de experiência em alta montanha, saber como o meu corpo reagiria a esse tipo de ambiente, ao gelo, à neve, ao terreno acidentado, ao ar rarefeito, e também ter escalado uma montanha muito semelhante ao do ponto de vista de altitude que seria, ter escalado uma montanha de 7.000 a 8.000 metros. Eu escalei quatro vezes até o topo do monte a Aconcágua. Também enfrentei muitos problemas, principalmente relacionados à questão financeira, mas também de saúde, eu me lembro que o meu joelho, que tinha recém sido operado do ligamento cruzado anterior durante o meu trabalho com a reciclagem, estava muito instável, e eu precisava realmente dar uma atenção em relação a isso. Na própria expedição, eu tive problema seríssimo de saúde em que minha saturação chegou a 70% e eu tinha dificuldade de respirar, de comer, de andar, de seguir em frente com a empreitada. Mas graças ao corpo médico e guias que me davam suporte ali na montanha, eu consegui recuperar e seguir em frente. Também tive queimadura de córnea porque andei sem a proteção ocular, sem os óculos. E aí após repouso e venda nos olhos por dois dias eu consegui recuperar e seguir em frente.

Machismo e Racismo nas alturas
Também tive problema sério com machismo e racismo, um rapaz participante do meu grupo estava extremamente incomodado com a minha participação e realização. Ele tentava me sabotar na empreitada mas, por recursos emocionais de apoio, de rede de apoio, consegui esperar e seguir em frente. Mas pensar em desistir, definitivamente isso não me ocorreu, Porque eu tinha clareza do meu propósito, do porquê que eu estava ali, e eu tinha me preparado pra conseguir seguir em frente e avançar enquanto houvesse segurança e baixo risco de morte então, não pensei em desistir, eu pensava o tempo todo em avançar, em alcançar o meu propósito.

Desigualdade Social
Como o próprio STF percebeu nessa semana e eu desde algum tempo, já desde a expedição Everest, desde o projeto da Sucato Everest, reconheço que a desigualdade social que aflige o nosso país tem a ver com a estrutura, com o racismo estrutural no qual as pessoas negras do Brasil que, em sua maioria, estão nas periferias, possuem dificuldade de acesso a determinadas ocupações no mercado profissional, nas questões financeiras sociais, e isso limita as oportunidades pra essa população. Então, eu enxergo que existe desigualdade social, sim, principalmente pautada na questão do racismo estrutural, fator que, historicamente, deixou a população negra às margens, sem igualdade e sem equidade de oportunidades.
Transformação Social
Por último, eu acrescento aqui que toda essa minha jornada está conectada com propósito de transformação social, eu só tenho motivação justamente porque eu reconheço que posso gerar algum tipo de impacto positivo social e ambientalmente, é isso que me faz levantar todos os dias e crer que, de fato, eu tenho responsabilidade nisso. Acredito que todo mundo na sociedade tem responsabilidade e quanto mais espaços de decisão forem oportunizados e garantidos para as diversas camadas da sociedade, mais essa diversidade garante inovação. Penso que trazer e criar ideias novas na nossa sociedade é fundamental para que a gente viva cada vez mais em um mundo melhor e transformado, e mais que tudo sustentável, porque o nosso amanhã só será sustentável se todos participarem e colaborarem para as transformações, inclusive de mentalidade, de ações, de iniciativas. E tudo isso eu faço porque eu acredito, acredito piamente, que todos têm PIB, todos têm poder interno bruto, conceito que eu desenvolvi, todo mundo tem potencial de grandes realizações. E nós enquanto sociedade temos que garantir esse direito de sonhar e de realizar. A educação, o esporte, a cultura, pode ser realmente determinante nessa jornada. É pra isso que eu trabalho.
*Editora PortalPlenaGente+
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Jornalista, autora de 5 livros, um deles semifinalista do Prêmio Oceanos 2020.










