Ex-catadora de material reciclado, idosa enfrenta problemas de saúde e ainda não conseguiu se aposentar
Por Ailton Fernandes, do “Conquista De Fato”
Chamada de Nair, o nome dela é Maria Alves, moradora da cidade de Vitória da Conquista, interior baiano, que não imaginava aos seus 73 anos viralizar nas redes sociais por causa de um vídeo desabafando: “Sai daí Bolsonaro, vai pros inferno”.
A gravação foi feita por um conhecido assim que ela saiu do açougue de uma feira popular, onde tem buscado ossos para fazer caldo. Dali foi parar nos grupos de WhatsApp, do Telegram, blogs e então foi compartilhada nas redes sociais de políticos, de veículos da imprensa e da mídia alternativa. Uma das primeiras publicações, feita no início da terça-feira, já alcançou até a noite desta quarta (9) quase 400 mil pessoas via Twitter.
“Nós não pode comprar carne mas o açougueiro dá os ossos pra gente”, diz ela no vídeo. “No governo de Dilma e Lula nós podia comer frango, nós podia comer carne, mas agora os véi tá enfraquecendo tudo”, afirma. “Depois de Bolsonaro, olha a minha situação, e não é só minha situação não, tem mais”.
Dona Nair já estava sabendo que seu vídeo estava “no mundo”, como ela própria diz. “Muita gente veio me falar que eu disse o que muitos quer dizer mas não tem coragem. Eu só falei a verdade”, disse sobre a repercussão do vídeo. Ela não tem celular nem TV em casa, mas gosta de acompanhar o noticiário quando vai a algum lugar.
Sobre a noite que gravou o vídeo, ela diz: “Eu me revoltei. Eu estava com muita raiva. Estou muito fraca e é de fome! Aqueles ossos que eu peguei ainda dividi com outra pessoa. Não é só eu nessa situação não”.
“Nesse mundo que nós vive, uma pessoa que não tem uma renda, como é que ela vai comprar um quilo de carne de R$ 50?”, questiona. “Tá todo mundo revoltado, eu tô vendo o comentário”, completa.
SUA HISTÓRIA
Alagoana de Palmeira dos Índios, ela chegou a Vitória da Conquista em 1969, casou, teve um filho e criou outro, que perdeu um braço num acidente. “Fui de avião com ele para Brasília umas quatro vezes, no governo Dilma, tudo pago pelo governo. Se fosse hoje meu filho morria aqui na porta do hospital”, conta, lembrando do atendimento no Hospital Sarah Kubitschek. “Me tratavam muito bem”.
Viúva, ela mora sozinha, no bairro Patagônia, um dos mais populares da cidade. Aprendeu a ler e escrever no programa Brasil Alfabetizado. Sem aposentadoria, também não conseguiu sua inscrição no Bolsa Família, hoje Auxílio Brasil, mas “já tem um advogado vendo se resolve. Eu cheguei a pagar o INSS mas disseram que não foi o tempo certo”, diz.
Dona Nair deixou de trabalhar quando as doenças foram chegando. Nunca trabalhou com a carteira assinada. Sua última ocupação foi catadora de materiais reciclados. “Esse ranchinho meu aqui era um plástico, aqueles preto, consegui cobrir e arrumar vendendo as latinha. No tempo que as coisas era melhor pra todo mundo”, lembra.
Com os olhos cheios d’água, ela fala que tem sobrevivido graças às doações que recebe e a ajuda do filho, “que faz uns bicos”. “O dinheiro que pego é pra comprar os remédios, que não tem no posto, e pra pagar a conta de energia. Compro os remédios fiado na farmácia, pago quando Deus abençoa”.
Segundo ela, os remédios são para controle da hipertensão arterial, do colesterol, do diabetes e para tratar a artrite. “Mas as dor que eu sinto é da fome, eu sinto que é”, afirma. “Amanhã vou comer isso aqui. Foi o que comi hoje e deixei pra comer amanhã”, fala mostrando a panela com um pouco de moela de frango.
Vacinada contra a Covid-19, com as três doses, “agora quero vacinar contra a gripe”, dona Nair gosta de falar de política e defende o ex-presidente Lula: “Eu só vou votar enquanto for Lula, eu não sou mais obrigada a votar, mas enquanto for Lula e o PT eu voto”.
“Nosso país tá bagunçado. Nosso país não era assim. As coisas tá tudo caro. Doa em quem doer, eu digo que Bolsonaro bagunçou nosso Brasil. Se esse homem não sair de lá, vai ter guerra! Se todo mundo ajuntar e fazer o que eu fiz, esse homem avôa de lá porque não é justo. Mas o povo tá muito manso, não tá não?”