A “limpeza” da Cracolândia será peça principal da campanha política de João Dória, à custa do sofrimento de pessoas doentes e vulneráveis
Por Valéria Jurado e Ale Ruaro*
São Paulo, região central — Às 5 horas desta quarta-feira (11 de maio) as mensagens começaram a chegar. Ligo a TV, parecia a transmissão de uma guerra, apenas imagens aéreas.
Eu e Ale Ruaro chegamos àquela terra arrasada antes das 7 horas, registramos a devastação e comecei as perguntas às equipes de policiais, da limpeza urbana e da assistência médica e social. As TVs chegaram lá pelas 9 horas, todos de coletes à prova de balas para registrar a limpeza, não a ação.
Não havia barraca em pé, havia homens com fardas diversas por todos os lados e armados até os dentes. Eram mais de 600, com viaturas de todos os modelos.
Não, não tinha tanque de guerra. Delegado Vasconcelos e delegado Roberto Monteiro no comando, delegado Nico marcou presença com sua equipe de filmagem.
Aguardando sentados ou deitados pelas calçadas e canteiros centrais das avenidas Rio Branco e Duque de Caxias, estavam os SERES HUMANOS, aqueles, os “craqueiros”, aguardando, quem sabe, a oportunidade de voltar à praça de onde acabavam de ser expulsos.
Nova Cracolândia estourada
A Nova Cracolândia instalada na praça Princesa Isabel foi estourada com mais de 30 detidos numa ação truculenta das três polícias, que despejou não só o fluxo, mas as pessoas que antes moravam ali e que haviam ganhado o direito de montar suas barracas para dormir e, pela manhã, tomarem seus rumos nas ruas.
Enquanto estive no cenário de guerra, encontrei apenas pertences pessoais, documentos, exames médicos, roupas, sapatos, pequenos móveis, utensílios, mantas. Encontrei também brinquedos das crianças que moram ou visitam alguns moradores da praça. Um cachorro estava triste, abandonado, sem reação, deitado num colchão onde provavelmente vivia seu dono.
A nova estratégia não incluiu o principal: profissionais de saúde e assistência social. Foi uma incursão policial, nada mais.
A dispersão de nada adiantou, outras mini-cracolândias estão espalhadas pela rua Apa, Praça Marechal Deodoro, avenida São João, avenida Paulista, bairros centrais e periferias.
Prefeitura e Governo do Estado divulgam a todo momento números de atendimento psicossocial e abrigamento inexistentes. O inverno não começou oficialmente e, de acordo com uma assistente social da equipe presente no local, já não existem vagas em abrigos há mais de um mês, provando novamente o quanto o censo emergencial da população de rua é um grande engano, zero credibilidade na apuração.
No último mês, segundo vários moradores da praça, a prefeitura entrega apenas 500 refeições no almoço e nada mais. O frio chegou e nenhum cobertor do Fundo Social de Solidariedade foi distribuído na praça.
Quando algum carro estacionava no entorno, os escorraçados corriam para saber se era comida. As pessoas que estavam ali e agora jazem espalhadas nos quarteirões vizinhos estão MAGRAS, SUBNUTRIDAS, DOENTES a olhos vistos. São tratadas como animais a quem se joga restos.
Estava frio, vai piorar, vem uma onda de ar polar, teremos temperaturas menores que 10°C na próxima semana. Muitos ali estão com sintomas gripais, tuberculose, subnutrição etc.
Ao meio dia fui para a Cantareira comprar os cobertores que havia encomendado no dia anterior, compra feita com as doações que arrecado dos amigos tuiteiros de todo Brasil. Foi possível levar 120 cobertores do mais barato, bem diferente do ano passado quando mais de 9 mil foram arrecadados. Este ano, as doações quase desapareceram.
Às 17 h cheguei com amigos em dois carros e os 120 cobertores. Estacionamos em cima da calçada na Rio Branco e em menos de 10 minutos os cobertores acabaram. As polícias passavam de olho no movimento. O desespero das pessoas que não conseguiram um cobertor escancarava nossa impotência diante daquela miséria sem tamanho.
O HIGIENISMO do governo paulista será peça principal da campanha política de João Dória, o grande responsável pela “cidade limpa”. Falta pouco para que os vulneráveis apareçam no horário eleitoral gratuito vestindo camisetas impecavelmente brancas, assim como ele Dória, falando sobre como foram “salvos do crack”. Tudo mentira. Enquanto isso as Cracolândias continuam e a EX-NOVA CRACOLÂNDIA também.
*TEXTO: Valeria Jurado
Jornalista e Ativista de Direitos Humanos
Twitter @Valeria_Jurado6
Desde o início da pandemia reportando como voluntária às causas da POP RUA divulgando e atuando em várias frentes
FOTO: Ale Ruaro
Fotógrafo de Arte e Lifestyle
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