Por: Wanderley Parizotto – economista
Somos a maioria da população brasileira. Muitos de nós, que por aqui chegaram a partir de 1530, eram descendentes de reis e rainhas na nossa terra mãe, a África.
Alguns de nós viraram referências no país e no mundo, nos esportes, na música, na literatura, nas artes cênicas, na ciência e em diversas outras áreas.
Somos protagonistas do maior espetáculo da terra, o carnaval.
Muitos de nós, ainda andam cabisbaixo, olhando de soslaio, como que pedindo licença para viver. Às vezes, até meio envergonhados.
Razões para isso é que não faltam.
O Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão. Quando aconteceu, em 1888, os “ex-escravos” foram jogados à própria sorte sem trabalho ou moradia. Foram obrigados a continuar como quase escravos para os antigos e novos senhores, amontoados em cortiços distantes dos centros da cidade e logo depois nos morros, quando surgiram as primeiras favelas. Empurrados para guetos, distantes de serviços públicos básicos, longe das escolas, com poucas oportunidades de empregos, foram tentando viver, do jeito que era possível.
Assim foi por muitos séculos e, de certa forma, mesmo com vários avanços, a vida não mudou tanto para a grande maioria de nós.
Trabalhamos duro, quase todo dia. Mas nossas competências são testadas a todo momento.
Basta ver nas empresas, quantos pretos estão em cargos de liderança? Pouquíssimos.
No país do futebol, onde os maiores gênios foram e são pretos ou pardos, na primeira divisão deste esporte no Brasil, 20 clubes, somente dois técnicos são pretos.
Se estamos nas ruas e acontece algum crime, qualquer um, perto do acontecido, somos os primeiros suspeitos. E leva geral da polícia. Às vezes, sem nada ter acontecido, bastam dois ou três de nós andando juntos, pronto, mão para cabeça e toma geral. E na falta de um real suspeito, logo um de nós é escolhido para a função.
Nosso cabelo incomoda. Nossas religiões são marginalizadas.
Nos filmes ou novelas, quase sempre atores e atrizes negras são empregados domésticos, motoristas ou algo parecido.
Quase não há bonecas negras.
Nossa história foi escrita por brancos pela suas perspectivas e olhares. Só ocupamos o papel de escravos, com raríssimas exceções. Ninguém escreveu quantos de nós morreram na guerra do Paraguai. O herói da guerra foi o militar branco. Mas quem lutou mesmo e dos mais de cem mil mortos brasileiros, a maioria, foram os pretos e os índios.
Do total de mortos pelas polícias no país, 78% são pretos. Nossas crianças são vítimas de “balas perdidas” da polícia.
O racismo estrutural nos acompanha todo santo dia, como se fosse nossa própria sombra.
Puxa, perdão. Desculpa mesmo. Falei demais. Deixa ir andando, senão já já ouvirei: “Mãos pra cabeça, abre as pernas”