Entenda o que é o Novo Ensino Médio, alvo de protestos por revogação e tema polêmico no MEC

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Criticando o esvaziamento de conteúdo, movimentos estudantil e de docentes sobem pressão para que o modelo seja revogado

Da redação: com Gabriela Moncau Brasil de Fato 

riado por meio de Medida Provisória durante o governo Temer (MDB), o Novo Ensino Médio (NEM) está sendo implantado gradualmente nas escolas do país, principalmente desde o ano passado. A maior reforma nessa etapa escolar desde 1971 está no centro de uma batalha sobre os rumos da educação no Brasil.  

A demanda pela revogação imediata do novo modelo está sendo encampada pelo movimento estudantil, por entidades sindicais e de docentes e também por pesquisadores, e ganhou força no último 15 de março, quando manifestações convocadas por secundaristas aconteceram em 51 cidades.  

Entre as principais críticas ao NEM estão a sua aprovação sem discussão com a sociedade e o detrimento de disciplinas das ciências básicas em favor de uma profissionalização empreendedora de baixa complexidade.     

Pressionados, o presidente Lula (PT) e o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmam que o novo modelo não vai seguir “do jeito que está” e que farão uma consulta pública sobre o tema até junho, para delinear reparos necessários. Não houve sinalização por parte do governo, no entanto, de que o modelo será revogado ao invés de ajustado. 

Mas o que é, afinal, o Novo Ensino Médio? 

A MP 746 baixada por Temer em 2016 instituiu, entre outros pontos, a política de incentivo à ampliação das escolas de tempo integral. Convertida na Lei 13.415 em 2017, a medida estabeleceu o Novo Ensino Médio.  

Previsto para se consolidar por completo nas escolas brasileiras até 2024, o novo modelo amplia o tempo mínimo do estudante na escola (de 800 para 1400 horas anuais) e institui uma nova organização curricular, incluindo a opção de formação técnica profissional.  

As disciplinas são agora divididas em quatro grandes áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas. Estas devem ocupar 60% da carga horária do ensino médio.  

As outras 40% são preenchidas pelos chamados itinerários formativos. São um conjunto de matérias complementares, acopladas de acordo com a área que o estudante escolhe para se especializar, como humanas, exatas ou biológicas.  

Os nomes vagos ou incomuns das novas disciplinas têm rendido memes na internet. Entre eles, “O que rola por aí”, “Torne-se um milionário”, “Brigadeiro caseiro”, “Mundo Pets SA”, “Arte de morar”, “RPG” e “Projeto de vida”. Depois de escolher seu itinerário formativo, o estudante não pode mudar de ideia: tem de cursá-lo até se formar. 

Na teoria mais escolhas, na prática menos  

Propagandeado como um sistema que aumenta a liberdade de escolha dos estudantes, os itinerários têm sido alvo de críticas por, na prática, fazerem justamente o contrário. Secundaristas e professores ouvidos pelo Brasil de Fato destacam que, além deste sistema impor disciplinas esdrúxulas no lugar de outras de base, escolas de menor porte e municípios com poucas escolas – muitas vezes apenas uma – não conseguem oferecer muitas opções de itinerários.  

Foi que fez Ana Ponce, de 17 anos, mudar de escola em Curitiba (PR). No Colégio Estadual Jayme Canet, onde estava antes, só havia o itinerário de exatas. Como prefere humanas, teve que procurar outro lugar. Agora ela está no Colégio Estadual Professor Lysímaco Ferreira da Costa que, por sua vez, também não oferece outra possibilidade além de humanas.  

“A gente não tem muito como escolher. Não tem a opção de se moldar e ter as aulas que você busca. Se não tem o itinerário que você quer seguir, você tem que mudar de escola”, diz Ponce, que é também diretora da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). 

Aumento do abismo entre escolas 

“As realidades não estão sendo consideradas”, sintetiza Iago Gomes, professor da única escola da rede estadual de Candeal (BA), cidade do interior da Bahia, com cerca de nove mil habitantes.  

Se Ana encontrou dificuldade para achar uma escola que oferecesse um itinerário do seu interesse na capital paranaense, Iago reforça que é preciso pensar “em escolas dos interiores, das periferias, que não conseguem ter essa variação de ‘cardápio’ para distribuir aos estudantes.”

“As escolas dos grandes conglomerados educacionais conseguem manter a mesma grade curricular de base inserindo os itinerários formativos, porque têm melhores estruturas, mais corpo docente”, argumenta o professor. “Muitas escolas públicas ou de menor porte não têm condição de fazer isso”. Assim, opina, “o NEM aumenta o abismo que existe nas desigualdades educacionais no Brasil”. 


Pesquisas mostram que, na prática, há pouca opção quanto ao itinerário formativo por parte dos/das estudantes. / Foto: Giorgia Prates

De “Brigadeiro caseiro” a “Ética e liderança”

Andressa Pellanda, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, lembra da onda de ocupações de escolas feitas por secundaristas em 2015 e 2016, que se espalhou pelo país. “Eles se mobilizaram por um novo ensino médio, só que o proposto não é o que eles demandavam”, lamenta.  

“O que aconteceu foi falta de financiamento, desvalorização dos profissionais da educação e um corte no currículo”, critica Pellanda. “Tiraram tempo de aulas essenciais, como Filosofia, Sociologia, História, para colocar no lugar disciplinas que não fazem nenhum sentido e sequer foram dialogadas com os estudantes”, completa. 

Ana Ponce, por exemplo, está cursando o itinerário de sua preferência, mas sente falta das disciplinas citadas por Pellanda. “São aulas importantes não só para a formação do nosso senso crítico, mas também para as provas de vestibular, que são de interpretação”, expõe.  

“Infelizmente, a gente não tem essas aulas. Filosofia no segundo ano do ensino médio aqui não tem. Foi substituída por Ética e liderança, que é uma aula de coaching”, descreve Ana. “Você não aprende nada, só fecha o olho e imagina. Que é o que o professor pede para a gente fazer. Sentar na mesa, fechar o olho e imaginar o que a gente quer no futuro”, relata. 

As aulas de Sociologia, que eram duas vezes por semana, foram reduzidas a uma, que acontece de forma online aos sábados. “Eles só lançam uma atividade que você responde marcando X e ganha sua nota e presença”, diz a secundarista.  

“Então temos uma defasagem muito grande das aulas importantes, para entrar umas aulas nada a ver, tipo Projeto de vida. Trocaram artes por Mídias sociais, que é basicamente onde a gente aprende a abreviar coisas no WhatsApp, essas coisas que ninguém precisa.”


“Eu respondendo as perguntas do Projeto de Vida”, ironizam estudantes nas redes sociais / Reprodução

Inversão do método de ensino 

Na visão de Iago, “o grave problema dessas novas disciplinas, por mais que a gente faça meme e dê risada dos nomes, é que elas estão desconectadas com a realidade da escola e com aquilo que pesquisadores sérios da educação avaliam como necessidade metodológica de ensino e aprendizagem”. 

“Se, por exemplo, eu quero ensinar a meu aluno uma fórmula de química, substâncias, misturas, a partir de uma aula em que eu leve um brigadeiro para ser feito em sala, isso é metodologia. Não nome de disciplina”, explica.  

“O que está sendo colocado é a inversão disso. É transformar a metodologia em disciplina, perdendo conteúdos que são extremamente necessários”, avalia Gomes. 

Professores têm que dar aulas fora de suas áreas 

Antes da chegada do NEM, Iago, que é formado em Linguagens, dava aulas de Língua Portuguesa, Artes, Educação Física e História. Agora, com o aumento da carga horária e o rearranjo da grade curricular, ele é um dos tantos docentes pelo país que foram realocados para lecionar conteúdos distantes da sua área de formação. 

“Em 2019 eu tinha quatro planejamentos de disciplinas. Agora eu tenho 11”, afirma. Entre as novas aulas sob sua responsabilidade está, por exemplo, Biologia. “Mesmo que eu procure, pesquise, estude, eu não vou me aproximar de um professor da própria área. Mas eu preciso fazer isso. Não em uma, mas em várias disciplinas. É isso o que o NEM impõe”, atesta Gomes. 

No Colégio Estadual José Rufino, onde Iago trabalha, mesmo duas das disciplinas que permanecem obrigatórias no NEM, Português e Matemática, tiveram a quantidade de aulas drasticamente reduzidas para dar lugar às matérias recém criadas dos itinerários. Entre elas, Arte de morar, Sentimentos do mundo e Meu corpo no mundo. 

Evasão escolar 

Para o Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, a ampliação da carga horária imposta pelo NEM amplia a evasão escolar, já em crescimento acelerado por conta da pandemia de covid-19. “Boa parte dos jovens, em especial os mais pobres, não podem ficar na escola o dia todo porque têm que trabalhar, ajudar a família a se sustentar”, aponta.  

A taxa de abandono escolar no ensino médio mais que dobrou entre 2020 e 2021. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que o percentual passou de 2,3% para 5,6%. Na região Norte do país, a taxa chegou a 10,1%.  

Em setembro de 2022, o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) divulgou uma pesquisa constatando que duas milhões de crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos estão longe das salas de aula no Brasil.  

Remenda ou revoga? 


Nas ruas, manifestações estudantis descartam a possibilidade de “reformar a reforma” / Junior Lima @xuniorl

Na última terça-feira (21), o presidente Lula afirmou, em entrevista ao Brasil 247, que conversou com o ministro da Educação sobre o NEM e que Camilo Santana “fará uma discussão para que a gente possa fazer uma coisa agradável ao governo, mas também aos estudantes”. 

Ao Brasil de Fato, o Ministério da Educação (MEC) informou que “reforça a convicção de subsidiar qualquer tomada de decisão e reavaliação quanto ao Novo Ensino Médio com base em diálogo amplo e democrático”.

Em portaria publicada no último 9 de março, o MEC instituiu a realização, no prazo de 90 dias, de uma consulta pública, por meio de audiências, seminários e pesquisas, para “avaliação e reestruturação” do NEM.  

Além do próprio MEC, o processo vai ser coordenado junto com o Conselho Nacional de Educação (CNE), o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais e Distrital de Educação (Foncede), o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e o Fórum Nacional de Educação (FNE).

O Consed, associação que reúne Secretarias de Educação dos estados, já se posicionou publicamente em defesa do NEM. “Ajustes, próprios de qualquer processo, podem e devem ser discutidos, mas revogar não é uma opção”, diz nota lançada no último 13 de março. 

Já para Pellanda, “não é possível remendar essa reforma, porque ela tem uma base totalmente inadequada em termos não só de currículo como de todo o modelo utilitarista e reducionista que defende, um modelo que aprofunda as desigualdades”. 

“A gente precisa que tenha uma revogação e que se faça no país inteiro, com a participação da comunidade educacional e científica, a construção de um novo ensino médio de fato com a qualidade e a complexidade que exige”, defende Pellanda. 

“O que o MEC tem feito hoje é ouvir muito mais as organizações privadas de educação do que as que estão no chão da escola”, avalia Iago Gomes, que vê o NEM “como aquele muro da casa que está prestes a desabar”: “Você não vai lidar com o problema pintando o muro. É preciso derrubá-lo e levantar outro”. 

Edição: Thalita Pires

Imagem: Estudantes pedem a revogação do Novo Ensino Médio em ato na av. Paulista, em 15 de março – Fernando Frazão/Agência Brasil

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