‘Taxar super-ricos não é mais ideia só da esquerda’: os argumentos de milionário americano que quer pagar mais imposto

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Morris Pearl tenta há quase dez anos fazer com que milionários como ele próprio paguem mais impostos nos Estados Unidos.

BBC News Brasil – Mariana Schreiber – 28 agosto 2023

Ex-diretor de um dos maiores fundos de investimentos do mundo, o BlackRock, ele preside a organização Patriotas Milionários (Patriotic Millionaires, no original em inglês), que busca aumentar a pressão sobre os políticos americanos para que aprovem mais tributos sobre a renda e o patrimônio dos super-ricos.

Em entrevista à BBC News Brasil, ele reconhece que houve pouco avanço concreto nessa última década.  Por outro lado, acredita que o sentimento a favor de taxar mais os milionários tem ficado mais forte, em meio à crescente desigualdade no país.  Dados oficiais dos dois países  mostram que Brasil e Estados Unidos têm um cenário semelhante: os contribuintes mais ricos pagam, em média, alíquotas menores de imposto de renda que a classe trabalhadora. Isso ocorre, em boa parte, porque salários são mais tributados do que aplicações financeiras.

Uma análise realizada por economistas da Casa Branca em 2021 estimou que as 400 famílias bilionárias mais ricas do país teriam pago, em média, apenas 8,2% de seus ganhos totais em imposto de renda, entre 2010 e 2018.

Em comparação, uma família de um trabalhador de renda média com dois filhos (dependentes que dão desconto no imposto de renda) era taxada em 19,8% em 2022, enquanto um trabalhador solteiro pagava alíquota de 30% naquele ano, segundo cálculos da instituição Tax Foundation.

“Aqui nos Estados Unidos, infelizmente, temos um sistema em que as pessoas que já são ricas, as pessoas que obtêm o seu dinheiro dos seus investimentos e das coisas (propriedades, por exemplo) que possuem, pagam taxas de impostos mais baixas do que as pessoas que de fato trabalham para viver”, ressalta Pearl. “E isso significa que se você já é rico, tende a ficar mais rico com o tempo. Enquanto todos os outros estão apenas lutando para permanecerem iguais”, crítica.

Para o milionário, esse processo está ampliando a desigualdade no país e pode desestabilizar a democracia americana.

“Estamos preocupados com a perspectiva de que muito em breve, em algum momento, as pessoas não aguentem mais isso. Esperamos usar o processo democrático para mudar essas políticas, reduzir a crescente desigualdade e tornar toda a nossa sociedade mais estável”, defende.

Na visão de Pearl, defender que lhe sejam cobrados mais impostos não se trata de bondade, mas de pensar no seu próprio interesse.  Ele contesta argumentos de que tributar riqueza reduziria investimentos, prejudicando a economia e a geração de empregos.

Quando o governo arrecada dinheiro tributando as pessoas ricas, o dinheiro não desaparece simplesmente. Na verdade, o dinheiro é realmente colocado na economia, porque as pessoas muito ricas têm muito dinheiro (parado) em investimentos e em contas bancárias”, argumenta. “Se você tirar parte do dinheiro deles (os milionários), eles ficarão um pouco menos ricos, é verdade. Mas, quando você usa esse dinheiro para pagar professores, funcionários de hospitais e todos os tipos de trabalhadores do governo, esse dinheiro é gasto (por esses trabalhadores) e é isso que realmente ajuda os empresários”, continua.

O milionário gosta de usar uma analogia para ilustrar seu raciocínio.

Morris Pearl é ex-diretor de um dos maiores fundos de investimentos do mundo, o BlackRock- crédito PATRIOTIC MILLIONAIRES

“Costumo dizer que o dono do bar se preocupa muito mais com quanto dinheiro está nos bolsos de todas as pessoas sentadas no bar do que com o salário do cara que está atrás do bar servindo a cerveja. Precisamos construir negócios numa nação onde haja pessoas com dinheiro suficiente para pagar as coisas”, reforça.  “Por isso eu digo para investidores e empresários olharem para o longo prazo, olharem para o seu próprio interesse com clareza e pensarem sobre onde estão e onde querem estar. Ou onde seus filhos e netos querem estar”, diz ainda.

Governo Lula também tenta ampliar impostos sobre ricos

Um novo levantamento do Sindifisco (sindicato que representa os auditores-fiscais da Receita Federal) mostra que alíquota efetiva média de imposto de renda cobrada sobre os mais ricos recuou entre 2019 e 2021 (dado mais recente disponível).  No caso dos milionários que declararam renda anual total acima de R$ 4,2 milhões em 2021, por exemplo, essa alíquota ficou em 5,4% naquele ano, ante 6% em 2019.  A alíquota efetiva é o percentual da renda total que de fato foi consumida pelo IR. Segundo o Sindifisco, o principal motivo de os mais ricos terem uma alíquota baixa é que uma parcela relevante de sua renda vem do recebimento de lucros e dividendos das suas empresas – renda que é isenta de imposto no Brasil desde 1996.

E, como houve crescimento do pagamento de lucro e dividendos nesse período, o topo da pirâmide ficou mais rico, ao mesmo tempo que pagou proporcionalmente menos IR.  Os números da Receita Federal mostram que contribuintes brasileiros declararam terem recebido em 2021, no total, R$ 555,68 bilhões em lucros e dividendos, uma alta de quase 45% sobre o valor de 2020 (R$ 384,27 bilhões) e de 46,5% ante o de 2019 (R$ 379,26 bilhões).

Para o presidente do Sindifisco, auditor-fiscal Isac Falcão, esse aumento reflete a expectativa de que os dividendos voltem a ser taxados no país.

A volta dessa tributação pode ser incluída pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva em uma proposta de reforma do Imposto de Renda que o Ministério da Fazenda pretende enviar no fim deste ano para o Congresso.  O assunto, porém, enfrenta resistência no Parlamento. Proposta semelhante enviada pelo governo de Jair Bolsonaro em 2021 não avançou.

Antes de enfrentar esse tema, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem tentado dar passos menores.  Ele quer aprovar primeiro no Congresso mudanças na taxação de fundos offshore (investimentos de brasileiros no exterior) e fundos exclusivos (para grandes investidores), com objetivo de ampliar o impostos sobre milionários. Após deixar uma medida provisória sobre os fundos offshore parada na Câmara, o presidente da Casa, Arthur Lira, se disse comprometido a pautar o tema nas próximas semanas.

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