Aos 62 anos, a advogada paulista ganhou uma bolsa de estudos para se especializar na área de Direito Europeu de Dados Pessoais na França.
Ana Claudia Vargas*
A advogada Valéria Reani Rodrigues Garcia não está nenhum pouco preocupada com questões como etarismo, idadismo e outros ‘ismos’ que impedem pessoas acima dos 50 de fazer o que quiseram, sejam cursos, viagens, novos aprendizados e etc. etc.
Batalhadora e estudiosa desde os 18 anos, esta Advogada e Mestra em Direito, Privacidade e Proteção de Dados, ganhou, este ano, uma concorrida bolsa de estudos para fazer, na Universidade Sorbonne, o curso Certificação em Direito Europeu de Dados Pessoais _ Governança de Dados e Inteligência Artificial.
Nesta entrevista, ela nos conta um pouco da sua trajetória profissional e, no final, deixa um recado para todos nós que estamos na fase dos ‘enta’ e temos enfrentado situações de preconceito em razão da idade. Sabemos que muitos maduros e maduras precisam continuar trabalhando, mas aqueles que têm se candidatado à vagas de emprego quase sempre têm suas trajetórias profissionais invalidadas simplesmente porque passaram dos 40 anos.
Valéria qual foi o processo que lhe concedeu a bolsa para o curso que fez na França? Fale sobre o contexto.
Resposta: Na verdade, tudo começou, quando em 1981, prestei concurso para o Ministério do Trabalho, órgão do poder Federal, para uma vaga de Agente Administrativo. Para cada vaga havia 100 concorrentes. Não seria nada fácil, e o objetivo seria passar para que eu pudesse pagar meus estudos na Universidade de Santos.
Fato é que eu fui aprovada no processo seletivo, também no psicotécnico e no exame médico e assumi, em 1982, o meu primeiro emprego, aos 18 anos. Um mundo de conhecimento caiu em minhas mãos e eu soube aproveitar muito bem, desde usar a máquina de escrever, a entender como funcionava uma “Repartição Pública”. Naquela época, atuei em mesas redondas entre o Sindicato Patronal e de Empregados, fazia despachos para órgão competentes, emitia ordens de serviços e também atuava junto com a fiscalização do trabalho.
Assim, além de conseguir pagar meus estudos, também aprendi a adorar o curso de Direito que conclui em 1990, e conquistei, através de estágios, provas escritas e orais, a inscrição na OAB sob o número 106061. Naquele tempo, eu tinha o sonho de fazer um intercâmbio. Mas como a vida é uma caixinha de surpresas, casei-me na minha cidade natal, em 1986, e tive duas filhas que hoje, graças ao estudo que eu e meu marido pudemos proporcionar a elas, são independentes financeiramente. A vida seguiu, eu me aposentei do serviço público, passei a advogar num grande escritório em Santos, onde também pude aprender como um escritório de advocacia funciona. O tempo foi passando, montei meu próprio escritório e, por 4 anos, mantinha minha própria renda, ocasião em que mudamos para Campinas. Ali era um local novo, eu não conhecia ninguém e, claro, parti para estudar Direito Empresarial na PUC Campinas, para me entrosar com outros advogados. Ainda assim, havia muita dificuldade para me integrar entre colegas, e, por isso, resolvi me reinventar em uma área pouco explorada por juristas: Privacidade e Proteção de dados e Compliance.
Assim, vieram oportunidades para especializações no tema em diversas Universidades e comecei a receber convites para escrever artigos jurídicos que escrevo desde 2020 até o momento.
Nesse período, o velho sonho de intercâmbio passou a ser um curso com bolsa no exterior. Como eu já tinha uma identidade profissional muito respeitada na região Metropolitana de Campinas, conquistei a Vice-presidência da Comissão de Direito Digital na OAB Campinas (em 2017). Já em 2020, fui indicada e nomeada Presidente da Comissão de Direito à Privacidade e Proteção de Dados Pessoais por duas gestões. Nesse contexto, desenvolvi um método que criei e por 2 anos apresentei Ementas de Cursos em Direito Digital e Proteção de dados a Lei Geral de Proteção de dados nº 13.709/2018, na ESA (Escola Superior de Advocacia) e formei muitos alunos em cursos de extensão, cuja amizade mantenho até hoje. Bem estamos correndo no calendário e, nessa ocasião, já estava com meus 60 anos. Nessa época, em 2020, através de sistema de bolsas para cursos em Negócios, parti para a Universidade de New York para um curso breve em Strategic Thinking no Campos em Albany, o que já foi uma grande conquista.
E, então, veio a pandemia e logo que retornei a COVID se espalhou pelo Brasil e pelo mundo. Naquela época ficamos uns bons anos reclusos, mas não deixei de trabalhar, continuei como presidente da OAB e ainda mantive meus estudos, agora conquistando certificações que me propiciassem credibilidade para proceder as adequações e Conformidades da Lei, iniciando pela melhor das Certificações que é o Certificado Gestão de Privacidade (Lead Implementer of Information Privacy Management –ABNT-NBR ISO/IEC 27701/2019 – Certifiedunder no. 7981/7827/23871). Dessa forma, conclui meu Mestrado Master LLM – Data Protection – LGPD e GDPR – Fundação do Ministério Público em 2023, aos 60 anos e, finalmente aos 61, realizei meu sonho de conhecer a Sorbonne conquistando duas Certificações: em Direito Europeu de Dados Pessoais e em Governança de Dados Inteligência Artificial CNIL com a Coordenação da professora Judith Rochefeld (da França) juntamente com um colega brasileiro que vice em Paris, o professor Fernando Santiago.
E foi através desse processo que consegui a Bolsa de Estudos.
Como você pode notar, eu não espero que nada caia do céu, eu vou atrás e recomendo que qualquer pessoa faça o mesmo. Foi assim, aos 61 anos, que de tanto buscar oportunidades, minha filha caçula, doutoranda na USP de São Carlos, comentou comigo que havia escutado sobre instituições públicas francesas e o programa Erasmus+ que oferece diversas bolsas a estudantes estrangeiros para ajudá-los a financiar seus estudos na França e na Europa.
Trata-se da plataforma Campus Bourses que reúne um catálogo com todos os auxílios oferecidos pelos governos (francês e estrangeiros), empresas, fundações e estabelecimentos de ensino superior.
Acho importante citar que o Erasmus+ é um programa da União Europeia que incentiva a educação e a formação para diversas idades e foi graças a ele que mais uma vez me submeti à candidatura, conhecendo que mais de dois milhões de estudantes que realizam seus estudos na Europa se beneficiavam de um programa de bolsas válido que dispõe de 14,7 bilhões de euros.
Sou do tipo de pessoa, que acredita, que o se não tentar nunca saberei se passarei. Afinal o que tinha eu a perder? Não acredito em sorte, eu tenho fé, acredito em competência e consegui, além da bolsa, para estudar na Sorbonne, como também o curso que acontece sempre em meados de junho e julho. Este ano as aulas coincidiram com os Jogos Olímpicos, quando Paris estava muito linda, iluminada! Um esplendor!
Qual o nome do curso, quanto tempo durou e como será aplicado em sua profissão?
Resposta: Curso de Certificação como o que fiz na ABNT costumam ter duração de um mês, de estudo, mais um mês de avaliação, que é aprovada também na França.
Você sentiu algum tipo de preconceito etário durante a candidatura? Concorreu com pessoas mais jovens?
Resposta: Nenhum, muito pelo contrário, até porque o processo seletivo aconteceu em salas separadas.
Você já vivenciou alguma situação de preconceito em razão da idade?
Resposta: Nenhum, na Europa há muitas pessoas acima de 60 anos que usam inclusive a ciclovia para trabalhar, e eu achei sensacional ir trabalhar de bicicleta.
6- Como você enxerga o fato de que no Brasil as pessoas são consideradas inaptas para o mercado de trabalho simplesmente porque têm mais de 40 anos?
Resposta: Isso vai mudar. No Brasil, 13.454.522 milhões de trabalhadores com idade superior a 50 anos estão ativos em uma variedade de ocupações, conforme dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2022.
Penso que a contratação de profissionais com mais de 50 anos traz vantagens para os trabalhadores, para as empresas e para a sociedade. As organizações que adotam essa prática demonstram responsabilidade social, se beneficiando da experiência e maturidade que esses profissionais trazem.
Além disso, observei que minha busca por estar sempre aprimorando meu conhecimento é muito importante porque as aprendizagens contínuas trazem uma série de creditações aos profissionais no mercado de trabalho. As pessoas com mais experiência também tendem a ter mais maturidade emocional e intelectual, além de saberem lidar melhor com tolerância à frustração.
7 – Se quiser acrescentar algo que não perguntei, fique à vontade.
Resposta: Uma breve historinha …
Em 1952, aos 62 anos de idade, Harland Sanders criou a marca KFC Kentucky Fried Chicken. Ele era operador do maior restaurante da cidade. E foi um grande sucesso com as vendas do restaurante crescendo 75% por conta do frango frito do KFC. Kentucky Fried Chicken franqueou sua receita pela 1ª vez, sua marca que inclusive lega seu rosto no logotipo. Se ele conseguiu, eu e você conseguimos também!
(Para ver as fotos em tamanho ampliado, clique sobre elas)
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