Pesquisa, conduzida pela UFSCar, avaliou dados de mais de 900 participantes de estudo internacional
Recente estudo realizado no Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia (PPGFt) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) identificou que uma pior relação com os pais na infância ou adolescência, caracterizada pelo baixo nível de cuidado e pela superproteção, diminui a longevidade.
Os achados são fruto da dissertação de mestrado de Aline Fernanda de Souza, atualmente doutoranda em Fisioterapia, e que teve o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O estudo contou com a orientação do Dr. Tiago da Silva Alexandre, docente do Departamento de Gerontologia (DGero) da UFSCar e coordenador do International Collaboration of Longitudinal Studies of Aging (InterCoLAging) – um consórcio de estudos longitudinais, – e com a participação de pesquisadores da University College London (Londres, Inglaterra).
O baixo nível de cuidado é caracterizado na literatura pela negligência por parte dos pais, frieza emocional ou indiferença no cuidado com os filhos. Já a superproteção é caracterizada pelo controle excessivo da vida dos filhos, evidenciando uma intrusão e falta de espaço para que a criança ou o adolescente consigam desenvolver um comportamento independente de acordo com a idade e perante certas situações.
“Tanto o baixo nível de cuidado quanto à superproteção já vinham sendo demonstrados, em trabalhos anteriores, como fatores associados a distúrbios psicológicos, depressão, etilismo e até à dependência química, mas não haviam ainda sido analisados quanto à sua associação com a redução da longevidade”, aponta o orientador do estudo.
Pesquisa
Foram analisados 941 casos de óbito (445 mulheres e 496 homens) que ocorreram entre participantes do English Longitudinal Study of Ageing (Estudo ELSA), o estudo longitudinal de saúde da Inglaterra. Os óbitos foram classificados como ocorrendo antes dos 80 anos ou depois dos 80 anos. Esses indivíduos, por fazerem parte do Estudo ELSA antes de morrer, tinham respondido a um questionário com informações acerca da estrutura familiar, condições de moradia, ocupação do chefe da família, presença de doenças infecciosas e relacionamento com os pais (cuidado e proteção) na infância e adolescência.
Quanto ao cuidado, os participantes foram questionados quanto à frieza emocional dos pais, se eram auxiliados em momentos de incertezas e medos e, ainda, se sentiam-se acolhidos pelos seus pais na infância ou adolescência. Quanto à proteção, os participantes foram questionados se tinham autonomia para fazer suas coisas do dia a dia, se eram incentivados a tomar suas próprias decisões ainda que auxiliados pelos pais, se tinham sentimento de ser totalmente dependentes dos pais e, por fim, se achavam que eram superprotegidos. Com base nessas respostas, os participantes foram classificados como tendo recebido alto ou baixo cuidado e se eram protegidos ou superprotegidos na infância e na adolescência. Além disso, os participantes também responderam se haviam crescido na presença do pai e da mãe, com somente um ou com nenhum deles.
Levantamentos
Os principais resultados da pesquisa demonstraram que homens que foram superprotegidos pela figura paterna na infância ou adolescência apresentaram risco 12% maior de morrer antes dos 80 anos do que aqueles que não tinham pai superprotetor. “Ou seja, ter passado por tal condição foi capaz de reduzir a longevidade”, reforçam os pesquisadores. O risco nas mulheres foi ainda maior, aquelas que foram superprotegidas pelo pai apresentaram risco 22% maior de morrer antes dos 80 anos.
Além disso, no caso das mulheres, aquelas que receberam alto nível de cuidado da mãe na infância ou adolescência apresentaram risco 14% menor de morrer antes dos 80 anos do que aquelas que receberam baixo cuidado da mãe. “Neste caso, o alto cuidado da mãe nessa fase da vida é capaz de aumentar a longevidade”, pontuam.
Por fim, verificou-se que os homens que viveram a infância ou a adolescência com somente com um dos pais apresentaram risco 179% maior de morrer antes dos 80 anos quando comparados àqueles que viveram com ambos os pais, sendo este fato, no homem, o mais importante fator de risco capaz de reduzir a longevidade.
“É válido ressaltar que as condições socioeconômicas, comportamentais ou clínicas dos participantes na vida adulta e na velhice também foram analisados e tais achados foram independentes dessas condições, o que reforça, ainda mais, a importância destes resultados”, explica Tiago Alexandre.
Quanto às questões de parentalidade, a figura paterna autoritária e superprotetora pode dificultar o diálogo e enfraquecer a relação entre pai e filhos/filhas, influenciando negativamente o desenvolvimento da autonomia e de comportamentos desses indivíduos ao longo da vida. “Tal situação parece aumentar o risco dessas pessoas desenvolverem transtornos psíquicos, o que contribuiria para reduzir a longevidade, como ocorreu em nosso estudo tanto em homens quanto em mulheres”, aponta Aline de Souza.
Já o alto cuidado materno protegeu somente as mulheres da morte precoce. “Por questões culturais, no passado, as mulheres tinham a cultura de permanecer em casa cuidando da família enquanto os pais passavam maior parte do tempo trabalhando. Além do mais, os filhos homens eram incentivados a sair cedo de casa, enquanto as filhas mulheres permaneciam mais tempo ao lado dos pais, favorecendo esse vínculo materno que seria benéfico para a longevidade”, expõe a equipe de pesquisa.
Por fim, a ausência de um dos pais altera não só a dinâmica socioeconômica, mas também todo o suporte emocional durante a infância e a adolescência. Há evidências na literatura de que os homens são mais introvertidos do que as mulheres e, portanto, mais resistentes em buscar apoio em situações adversas quando um dos pais é ausente. “Diante disso, a falta de um dos pais na infância ou adolescência teria piores repercussões ao longo da vida para os homens em comparação com as mulheres podendo, consequentemente, diminuir a longevidade”, descrevem.
Esse foi o primeiro estudo a verificar como a ausência e o pior relacionamento com os pais é capaz de reduzir a longevidade. “Essa pesquisa abre caminho para uma importante discussão de como tais relações familiares devem ser tratadas e discutidas na sociedade, visando melhorar tanto a qualidade quanto a expectativa de vida das pessoas seja na infância, na adolescência, na vida adulta ou na velhice”, conclui o docente da UFSCar.
A pesquisa foi publicada recentemente na Scientific Reports e está disponível para leitura no link https://go.nature.com/3Hfvo9t. (FONTE UFSCAR _ imagem https://www.freepik.com/author/freepik)
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