Eliane Bodart: a jornada de superação de uma ex-juíza que enfrentou e se curou da depressão

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Hoje atuando como escritora, a autora contribui, através dos seus livros, para estimular o necessário e urgente debate em torno das doenças mentais.

Ana Claudia Vargas

Uma mulher corajosa que passou por todas as etapas dolorosas de quem sofre de um transtorno mental, da negação à aceitação, e hoje escreve livros que tornam mais ‘humana’ a abordagem da depressão e da bipolaridade.

De forma resumida, podemos definir dessa maneira a trajetória de Eliane Bodart. Ela, que exerceu a magistratura por 20 anos, viveu neste período fases difíceis que, por fim, fizeram com que tivesse que abandonar a profissão. Atormentada por um vazio interior, Eliane se isolou,  chegou a perder 35 quilos e, durante sete meses,  lutou para encontrar um sentido de vida. Mas foi somente através de apoio profissional que conseguiu encontrá-lo e também resgatou uma antiga paixão: a escrita.

Sua história de superação deu origem ao romance  “Um Caso de Bipolaridade” (saiba mais sobre ele aqui), um relato ficcional que ultrapassa sua experiência.  Interessada em  difundir informações sobre as doenças mentais, um tema que ainda é visto com muito preconceito, a autora iniciou uma intensa pesquisa sobre o transtorno bipolar.

 “Inicialmente eu nem pensava em divulgá-lo, por ser uma lembrança dolorosa demais, mas depois pensei em quantas pessoas passaram pelo que passei, sem sequer identificar seu problema para procurar ajuda. É minha missão colocar o assunto em pauta, já que os transtornos mentais são vistos sob a ótica de pouca informação e muito preconceito”, declara.

No Portal Plena Gente + já falamos sobre depressão aqui e aqui. 

Na entrevista a seguir, Eliane conta sua história e mostra que, sim, é possível vencer a depressão, mas isso se faz diariamente… Acompanhe: 

1_ Eliane, a partir de que momento você percebeu que o desequilíbrio emocional poderia ter origens mais profundas?

R. Eu tive muita sorte porque já fazia terapia e foi minha terapeuta quem alertou que eu estava entrando em um quadro depressivo. Ela então me indicou um psiquiatra, ele diagnosticou a depressão e me afastou do trabalho, iniciando o tratamento.

 

Eliane Bodart e os três livros que escreveu até o momento: Um Caso de Bipolaridade; Contos Eróticos e Crônicas e Contos de Amor.

2_ Quando se deu conta disso, através do diagnóstico, como você se sentiu? Aliviada ou ainda mais preocupada?
R. A notícia foi chocante. Eu era juíza de direito, precisava estar na posse plena das minhas faculdades mentais. Ser afastada do trabalho era como tirar parte da minha identidade. Quando percebi que não podia atuar profissionalmente, sendo que trabalhava desde os quatorze anos, foi como se tirassem meu chão.

3 _ Inicialmente, você aceitou o diagnóstico e procurou se tratar ou houve uma fase de rejeição?
R. Eu sabia que algo estava muito errado comigo. Eu estava exausta, extremamente sensível e não tinha ânimo para resolver as questões mais simples. Quando descobri que estava doente, que a culpa daquele estado era da depressão, imediatamente me dispus a afastar aquela doença do meu organismo. Eu tive bronquite asmática dos três meses  até os vinte e cinco anos e aprendi que, quanto mais rápido identificasse a crise e procurasse  tratamento, menos intensa ela seria. Foi assim que agi quando soube que estava com depressão. Mas meu quadro era de depressão severa. No início, eu só consegui fazer o tratamento com o psiquiatra, que passou a atuar também como terapeuta, e tomar a medicação indicada.

Procurar ajuda não é sinal de fraqueza. É preciso coragem para se reconhecer doente. E, quanto mais cedo o diagnóstico for feito e seguido o tratamento orientado, mais provável é a cura.  O que você ganha? A possibilidade de ter uma vida plena e feliz. Eu sou feliz.

4 _ Como você bem destacou, as doenças mentais ainda despertam muito preconceito. Você foi vítima desse preconceito em alguma ocasião?
R. Não do preconceito, mas do desconhecimento. As pessoas não sabiam o que era depressão, não sabiam que era uma doença e muito menos que poderia degradar tanto a vida de uma pessoa. Quem convivia comigo sabia que só algo muito sério poderia me afastar do trabalho e me deixar inerte. Minha mãe chegou a ir ao meu psiquiatra para entender o que estava acontecendo comigo.

5 _ “Para julgar os outros, você não pode ser julgada”, comenta ao lembrar os anos nos quais cada passo seu era vigiado por quem conhecia a natureza de seu trabalho”: você pode aprofundar mais essa informação?
R. Quando as pessoas têm um um processo, elas querem ser julgadas por  alguém acima do bem e do mal.  Esquecem que o juiz/a juíza é um ser humano, com problemas mesquinhos como uma sogra chata, uma unha encravada, uma dívida no banco. Mas elas não querem saber do seu lado humano.  A magistratura é um sacerdócio, afeta suas relações sociais, pessoais e seu comportamento. Você é magistrada 24 horas por dia. Quando passei por cidades menores, tomava cuidado até com o que  comprava no supermercado. Se  comprasse bebidas era alcoólatra, muito carboidrato era displicente com a saúde, picanha, era metida. A todo momento eu era vitrine.

6 _ O seu diagnóstico afastou você do ambiente profissional? E em casa, qual foi a reação dos seus familiares?

R. Eu fui imediatamente afastada do trabalho após o diagnóstico e nem poderia ser diferente, porque a minha capacidade de julgamento  estava afetada. Em casa, me tranquei em meu quarto por sete meses. Nesse período eu emagreci trinta e cinco quilos porque perdi completamente o apetite. Apenas a minha furava mãe furava meu cerco, porque não há porta para uma mãe obstinada. E muitas vezes meu único alimento do dia era o copo de água de coco, de soro caseiro ou de suco verde que ela implorava para que eu bebesse. Eu impedi que meus filhos me vissem
naquele estado e poucas pessoas conseguiram falar comigo ou me visitaram porque eu não conseguia interagir com ninguém. Nessas ocasiões só chorava. Exceto minha mãe, que é uma pessoa de ação, todos ficaram chocados e não conseguiam lidar comigo. Minha filha tinha onze, doze anos e um dia  perguntou para minha mão: — Quando a mamãe vai voltar? Porque aquela mulher jogada em cima da cama não era a mãe dela.

7 _ Você diz que apesar das ‘lembranças dolorosas’ considera uma ‘missão, colocar este debate em pauta’: de que forma o relato ficcional de sua experiência pode ajudar outras pessoas?
R. No meu caso foi a depressão, mas quem sofre de um transtorno de humor, como  bipolar, já tem a vida transformada pela doença, não há necessidade de obrigar o paciente a lidar com o desconhecimento das pessoas com relação a essas doenças. Essa falta de clareza faz com que o paciente se sinta culpado e com medo. É comum quem está passando por essas doenças fingir que está tudo bem, para não ter o olhar de reprovação da família ou no ambiente profissional.

“Ninguém tem culpa de ter um transtorno mental nem deve ter vergonha de pedir ajuda e procurar tratamento, e quanto mais cedo identificar o problema e tratá-lo, mais cedo a pessoa  poderá retomar sua vida com plenitude. Eu sobrevivi a uma depressão severa e se o meu exemplo, a minha palavra, puder servir de alento para quem está passando pelo problema, não vejo impedimento de contar a minha história.”

8_ Nesse sentido, podemos dizer que a escrita também foi uma ‘terapia’ que a ajudou a lidar com a doença?
R. Sim, a escrita no meu caso foi terapêutica e curativa. Quando a depressão finalmente cedeu e recuperei minha capacidade física e mental, voltando a trabalhar, aquele episódio foi tão marcante e traumatizante que eu ficava
repassando todas as etapas para evitar que aquilo acontecesse novamente. Mas enquanto eu fazia isso a doença continuava dominando a minha vida. Foi quando tive a ideia de colocar meus pensamentos, emoções e sentimentos no papel. Escolhi o transtorno bipolar e uma história ficcional para poder falar ao maior número de pessoas. Escrevi uma jornada de superação. Tem no livro muito da minha experiência com a depressão, mas ‘fala’ de estresse, ansiedade, depressão e outros transtornos mentais. Eu descrevo esses episódios, informo a necessidade de tratamento e a possibilidade de cura ou, ao menos, de convivência pacífica para que as pessoas que tenham transtornos semelhantes ou amigos e familiares possam identificá-los. O que eu considero essencial é que busquem tratamento, porque existe.

9 _ Muitas pessoas portadoras de doenças mentais, ainda resistem a procurar tratamento médico por puro preconceito e por medo ‘do que os outros vão pensar’… A desinformação também faz com que muita gente acredite que os altos e baixos emocionais são causados por excesso de trabalho, estresse ou depressão. Qual a sua opinião sobre isto? Como separar o simples estresse ou a depressão de um transtorno mais sério?

R. É fundamental se conhecer. Perceber quando há uma mudança de comportamento significativa e não proposital. Atravessamos o período da pandemia que colocou o mundo de cabeça para baixo. O isolamento e a sensação de insegurança afetaram a todos nós. Muitas famílias lutaram contra a COVID-19, doença que levou entes queridos a hospitalizações e à morte. Pessoas perderam seus empregos e empresas fecharam. Separações foram recorde. Tudo isso gera uma tristeza absolutamente justificada. Mas se essa
tristeza se instala, não arrefece, se a pessoa não consegue mais ver nada que lhe dê prazer e esse sentimento passa a dominá-la, isso não é normal, é doença. Pode ser depressão e precisa de uma avaliação médica e, se diagnosticada, há tratamento.

10_ O que sua história deixa claro é que há possibilidade de equilíbrio e de ter uma vida com qualidade quando se aceita o diagnóstico e se segue o tratamento, certo? Poderia falar sobre isso, por favor?

R. No início e durante a crise você só pensa em sobreviver a mais um dia. O desgaste, a exaustão física e mental impede qualquer reação. Eu precisava de uma força sobre humana para abrir os olhos de manhã. E, às vezes, esse era o
único movimento que conseguia fazer o dia inteiro. Meu corpo pesava uma tonelada. Naquele momento não conseguia pensar em qualidade de vida, só em retomar a minha vida. Foi depois da depressão que entendi que a vida que levava estava me matando. Muitas horas de trabalho estressante e solitário. A decisão de um processo era sempre minha.  Eu não tinha o costume de tomar café da manhã, almoçava  no gabinete em vinte minutos para não perder tempo de trajeto. Quando algo saía errado só conseguia almoçar depois das audiências, que podia ser quatro, cinco horas da tarde. Passava o dia inteiro sentada, sem fazer qualquer atividade física. Trabalhava de manhã, de tarde, de noite, sábado, domingo e feriado. Tirava duas semanas de férias anuais apenas. Todas as responsabilidades da casa e da família eram minhas.

“Eu tive depressão. Mas conheço muitos juízes que enfartaram em sua mesa de trabalho com quarenta, cinquenta anos. Depois da depressão percebi que estava tudo errado e a partir daí eu busquei uma vida melhor e mais equilibrada. Hoje eu respeito uma dieta balanceada, faço exercícios físicos quase todos os dias, permito-me almoçar com amigos, um café, um bate-papo. Vou à praia para caminhar à beira-mar quase todos os meses, por dois ou três dias. Rompi com o direito depois de trinta anos e vinte como magistrada e me tornei escritora. Amava ser juíza, sentia-me vocacionada, mas chegou um momento que ela não era mais adequada para mim.”

11_ Por fim, gostaria que você deixasse um ‘recado’ aqui para todas as pessoas que estão lutando contra os altos e baixos emocionais sozinhas, que não aceitam o diagnóstico ou sequer foram ao médico, que não seguem o tratamento, pois há muitos casos como estes por aí…

R. Não há necessidade de passar por isso sozinha. Existem profissionais competentes que podem pegar na sua mão e lhe conduzir por um caminho de redenção. Para cada pessoa existe um caminho mais adequado, mas só um profissional da saúde pode ajudar. Esse profissional vai manter em segredo a relação médico-paciente. Não há necessidade de ter medo, vergonha ou culpa. Transtornos mentais são mais comuns do que se imagina. A vida moderna, competitiva e estressante leva a esse mal.

“Procurar ajuda não é sinal de fraqueza. É preciso coragem para se reconhecer doente. E, quanto mais cedo o diagnóstico for feito e seguido o tratamento orientado, mais provável é a cura. Existe cura. A depressão, como tudo na vida, passa. A pior versão é um tratamento contínuo, para manter a vida em equilíbrio. Mas este equilíbrio pode ser alcançado. O que você ganha? A possibilidade de ter uma vida plena e feliz. Eu sou feliz.”

Redes Sociais de Eliane Bodart

https://www.instagram.com/elianeescritora/ 

https://www.facebook.com/profile.php?id=100071915551172

Todas as fotos: arquivo pessoal.

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