Da redação:
Por Larissa Bohrer | Rádio Brasil Atual
Especialistas explicam que a infância é a melhor fase para ensinar sobre os limites do próprio corpo para evitar e identificar casos de assédio. “Mais de 80% dos casos ocorrem dentro de casa”
São Paulo – Mesmo com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, que derrubou oito leis que proibiam a educação sobre gênero e sexualidade, – por violar direitos à igualdade, à educação e à não discriminação –, escolas e professores ainda sofrem pressionados a não tratar desses temas nas salas de aula. A pressão por parte de alguns pais é grande. E o principal incentivador dessa intimidação e censura é o governo de Jair Bolsonaro (PL), como denuncia a organização Human Rights Watch (HWR).
Ainda durante a campanha eleitoral em 2018, o então candidato à presidência propagou desinformação sobre a distribuição de “kits gays” nas escolas públicas. Mas o psicólogo Gilliard Laurentino alerta que a infância é a melhor fase para ensinar as crianças sobre os limites do próprio corpo. E desse modo evitar ou até mesmo identificar casos de assédio e violência sexual.
Assessor técnico do Centro de Defesa da Criança e Adolescente (Cedeca) e da Casa Renascer, instituição do Rio Grande do Norte e titular no Comitê Nacional de Enfrentamento a Violência Sexual de Crianças e Adolescentes, o especialista destaca que é preciso pensar na educação sexual nas escolas. “Os nossos índices apontam que mais de 80% dos casos de violência sexual acontecem dentro de casa. Então como a gente vai trabalhar com essas crianças se não for por meio da escola?”, questiona.
Ensino é autoproteção
O psicólogo comenta que, no caso do Cedeca e da Casa Renascer, trabalha-se a chamada “autoproteção na infância”. “Nada mais é do que você trabalhar educação sexual com crianças. Ensinando elas qual a parte do corpo que não pode ser tocada e a perceber quando ele está passando por uma situação de violência. Então, é imprescindível em qualquer escola do país que a gente consiga discutir e ter nas grades a educação sexual como uma tema transversal. O que já tem muitas previsões legais no país”, explica Laurentino.
O termo pobreza menstrual, por exemplo, não engloba somente o fato da falta de recursos básicos, como absorventes, acesso a sabonetes, papel higiênico e água. Porque ele inclui a falta de conhecimento sobre o próprio ciclo menstrual. A estudante do segundo ano do ensino médio Luiza Martins, presidenta da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes), conta que foi muito importante ter acesso às aulas sobre reprodução sexual durante o ensino fundamental.
“Quando se está nessa transformação de ‘menina para mulher’, como as pessoas falam, – mas ainda é uma menina que está na adolescência –, a gente começa a ser enxergada de outro jeito. Então é muito importante ter esse diálogo e educar os meninos e as meninas, principalmente, sobre o nosso próprio corpo, que não é algo que debatemos no dia a dia. E aí com a educação sexual a gente fala e entende na prática que ela é importante para esse processo de entender o nosso corpo tanto fisicamente, como as reações que podemos ter e todas as problemáticas que existem. Até mesmo para a gente se prevenir tanto sobre as doenças (sexualmente transmissíveis) e principalmente sobre a gravidez na adolescência”, defende a estudante.
Infância violada em Santa Catarina
O caso de Santa Catarina sobre a criança de 11 anos que foi estuprada, engravidou e, por decisão judicial, ficou mais de 40 dias longe da família em um abrigo, para não fazer o aborto legal, é reflexo de uma sociedade machista, na avaliação do psicólogo. Para Laurentino, a educação sexual de crianças e adolescentes não pode se restringir à escola. Ele destaca que a presença dos pais neste processo é fundamental.
“Todas as classes sociais são atingidas pela violência sexual. E o que a gente não consegue ainda é levar informações para todas as escolas e famílias”, observa.
“O processo de educação sexual nas escolas faz com que toda a comunidade escolar reflita. O projeto de auto proteção do Cedeca e da Casa Renascer, por exemplo, faz um trabalho com alunos, professores e pais. Os pais são peças fundamentais em um país no qual a cultura do estupro é constante, seja nas novelas, nos filmes, nas músicas e na interação com as pessoas. É importante que a gente consiga atingir a todos para trazer uma reflexão sobre o que é violência sexual e seus danos, principalmente falando sobre crianças e adolescentes. Ela (violência sexual) deixa marcas que são muito difíceis de serem ressignificadas”, alerta o especialista.
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