Como manter um idoso residindo com a família sem que haja prejuízos no envelhecimento de todos?

Morar com a família quando a velhice fragiliza o corpo e pode também debilitar a mente, apesar da atenção que exige de cuidadores, é ainda uma situação preferível.

Maria Luisa Trindade Bestetti **

 

Antes havia mais filhos e a longevidade era menor, o que justificava a dedicação de pelo menos um, geralmente adiando projetos pessoais para atender às exigências da situação.As mulheres eram preferidas, visto estarem mais comprometidas com os afazeres domésticos e não terem a obrigação de prover a família para atendimento de despesas. Com as mudanças sociais decorrentes do aumento da força de trabalho feminina, assim como a queda da natalidade e o aumento da longevidade, houve menor disponibilidade de jovens dispostos a postergar objetivos profissionais. Além disso, a tecnologia racionaliza as atividades domésticas e o custo imobiliário condiciona os grupos familiares a viverem em espaços cada vez menores. Sendo assim, justifica-se a opção por residenciais para idosos, ainda com poucas opções adequadas ao perfil contemporâneo desses indivíduos.

Mas há quem questione as razões para essa decisão, rotulando de egoístas aqueles que a tomam.

É preciso refletir sobre isso, pois nem todos estão preparados para cuidar dos pais, porque a corrida por sobrevivência torna o tempo escasso. Talvez o motivo mais significativo seja a falta de informação sobre as características da velhice, a ponto de deixar esses cuidadores acovardados diante da perspectiva da dependência.

 

O texto de Silvia Helena Americano, publicado no Portal do Envelhecimento em 05/09/2018 (https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/os-filhos-estao-preparados-para-cuidar-dos-pais-na-velhice/) traz sua própria surpresa ao perceber-se despreparada para cuidar dos pais na velhice.

Afirma:

“Ao envelhecer nos tornamos singulares. É natural da família diante da fragilidade tentar impor necessidades que não são dos nossos pais”.

 

De fato, ouve-se que os conflitos intergeracionais surgem principalmente quando os hábitos são diferentes, fato recorrente no ambiente doméstico onde o compartilhamento de espaços comuns acaba por provocar a busca pelo consenso, nem sempre fácil de encontrar.

Se houver diálogo, pode ser assimilado sem cobranças, mas a certeza de procurar a melhor solução pode comprometer as decisões coletivas.

 

Agimos naturalmente, protegendo-os, fazendo escolhas que são favoráveis a nós familiares e acabamos esquecendo que é necessário ouvi-los, escutá-los…

 

Silvia destaca que é preciso entender o tempo do outro e relevar as mágoas para ser capaz de cuidar.

De fato, o verdadeiro cuidado exige empatia, uma visão sobre os próprios limites para compreender que vivemos um ciclo que nos colocará numa inversão de papéis se tivermos descendentes. A tendência de ficarmos sós torna ainda mais urgente repensar os modos de morar, em especial porque o mundo a cada dia mais competitivo não permitirá dedicação exclusiva ao cuidado do outro, principalmente em situação de fragilidade.

 

 **Maria Luisa Trindade Bestetti Maria Luisa Trindade Bestetti é arquiteta formada pela UFRGS em 1982, com mestrado e doutorado pela FAU USP (2002 e 2006), além de MBA em Gestão de Projetos pela FGV (2008). É professora doutora no Curso de Gerontologia da Universidade de São Paulo desde 2009, com disciplinas de Gestão de Projetos e Empreendedorismo na graduação e Habitação e Cidade para o Envelhecimento Digno no mestrado. Pesquisa sobre modos de morar na velhice, desenvolvendo caminhos para a reflexão sobre o tema utilizando metodologias colaborativas, em especial o Design Thinking.

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