Com a aprovação da Política Nacional de Cuidados, especialistas explicam como esse tipo de serviço agrava desigualdades e qual o caminho para mitigá-las
Jornal da USP/Sophia Vieira
No dia 23 de dezembro, foi sancionada pelo governo federal a Lei 15069/2024, que institui a Política Nacional de Cuidados. O projeto tem entre seus objetivos: reconhecer, valorizar e reduzir a quantidade de trabalho de cuidado não remunerado, realizado principalmente por mulheres. A professora Nadya Guimarães, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, explica o que caracteriza esse tipo de serviço. Ela destaca como pontos principais: a não regulamentação, a esfera domiciliar, o âmbito familiar e a sobrecarga a uma ou poucas pessoas. Para ela, a desvalorização desse tipo de serviço vem de uma combinação de fatores culturais: “Esse caráter não mercantil do trabalho de cuidado faz com que ele seja um trabalho de segunda categoria. Ninguém paga por ele, ele não tem preço. Nós vivemos em uma sociedade mercantil.
Uma segunda coisa, ele é exercido por mulheres, e ele é exercido por mulheres no espaço privado da casa de modo não precificável. Eu acho que essa combinação é fatal para aumentar a invisibilidade“.

Nadya ressalta, também, os danos que a sobrecarga do serviço de cuidados pode causar a quem o realiza. A professora destaca que, em muitos casos, não há uma preparação técnica, pois há o falso estigma de que mulheres devem saber como realizar essas tarefas. Assim, os problemas causados podem ser físicos, mas principalmente sociais e psicológicos.
“Tem um impacto psicológico enorme. As cargas de cuidado são muito elevadas e elas oneram emocionalmente, por várias formas. Primeiro, pela intensidade do trabalho. Depois, pela brutal regularidade e concentração desse trabalho em algumas pessoas. Todo mundo sabe de uma situação como essa. Todo mundo conhece alguém que já viveu uma situação de enclausuramento porque estava dedicada intensivamente a cuidar de alguém.”
Essa também é uma questão atravessada por outras problemáticas. O envelhecimento da população, a desigualdade social, a crise ambiental, entre outros fatores, levam a um agravamento da sobrecarga de quem cuida. Nadya aponta que 80% dos domicílios brasileiros não têm condições de contratar profissionais do cuidado para a divisão de tarefas, o que leva à responsabilização de alguém da família. O cenário de envelhecimento, por sua vez, faz com que mais famílias tenham a responsabilidade do cuidado de um idoso.
Para diminuir as desigualdades, principalmente de gênero e raciais, causadas por essa concentração dos serviços, é necessário pensar políticas que redistribuam e
Redistribuição de trabalho

A respeito da Política Nacional de Cuidados, Amanda comenta sua importância em ter trazido o assunto ao debate público e apontado a responsabilidade do Estado em distribuir esses serviços: “É uma política que se for, de fato, implementada, pode trazer realmente ganhos substanciais em termos de redução de desigualdades de gênero, de raça, de classe no Brasil. Deve haver pressão popular pela sua implementação”.
Contudo, ela destaca com preocupação a falta do orçamento necessário para a implementação do projeto. A Lei Orçamentária Anual prevê cortes que podem comprometer a viabilidade da implementação da lei: “Existe uma dificuldade, que é o momento atual em que a gente está vivendo, de um discurso da austeridade fiscal que tem tido repercussões em todas as esferas de gastos do governo. A dificuldade, o desafio maior para a Política Nacional de Cuidados é que haja uma garantia de um orçamento para a sua execução, e atualmente a gente não vê de que maneira isso poderia acontecer. É preciso pressionar politicamente pela legitimidade desse tipo de despesa, pela sua importância”.
Nos dias 14, 15 e 16 de abril acontecerá, na Casa de Cultura Japonesa da USP, o Terceiro Colóquio Internacional de Cuidados, Direitos e Desigualdades, coordenado pela professora Nadya Guimarães. Mais informações sobre o evento podem ser encontradas nas redes do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.
*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira
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