Mayse e Marianna, mãe e filha, encurtam distâncias emocionais em livro essencial

Mayse Braga e Marianna Braga escreveram juntas um livro feito para emocionar, aparar arestas e, sobretudo, mostrar o quanto o tempo pode ser, ao contrário do que pensamos, um bálsamo para os relacionamentos familiares…

Ana Claudia Vargas

Esta matéria é quase uma crônica esticada, é uma permissão que me concedo _ abusando do jornalismo literário_ porque, para começar, revelo descaradamente  que sou fã da oradora espírita Mayse Braga. Acompanho suas palestras no You Tube e fico ‘boba’ com o quanto ela consegue falar sobre dores, angústias, tristezas (etc.) dessa nossa vida irremediavelmente humana, mortal e repleta de limitações, de forma simples e profunda; bem humorada (sim!) e consegue, dessa forma, iluminar a vida de todos que tiram um tempinho para ouvi-la. Mayse é famosa em todo o Brasil e basta ler os comentários deixados em seus vídeos para confirmar o quanto suas conversas sobre a espiritismo aquecem os corações de centenas de pessoas país afora. É um verdadeiro trabalho de saúde (mental) pública, não tenho dúvidas!

Dito isso, quando soube que ela havia escrito um livro com sua filha (sempre lembrada nas palestras), Marianna, fiquei muito interessada em ler. Marianna é psicóloga e Mayse está sempre falando da filha com afeto, o sempre presente, bom humor; e nisso nos mostra que ambas têm uma saudável relação familiar, que passaram, sim, por altos e baixos (quem nunca?) mas que foram/são capazes de falar sobre os tempos bons e ruins com sinceridade e leveza sem deixar de tocar em feridas que não foram/são fáceis de cicatrizar.

E então, elas escreveram este belíssimo livro “Aquele Tempo entre Nós” e me deram a honra de entrevistá-las.

Convido vocês a acompanharem, a seguir, a entrevista que fiz com ambas, mãe e filha, e a descobrirem de que maneira as duas conseguiram encurtar distâncias emocionais que, muitas vezes, criam abismos escuros demais entre mães e filhas…  Mas não precisa ser assim, é o que elas nos mostram neste “Aquele tempo entre nós”.

Começo perguntando: como surgiu a ideia de escrever este livro?

Marianna – Nós adoramos ler, então tudo que acontece a gente brinca que tem que escrever um livro sobre aquilo! Esse desejo apareceu, primeiro, em tom de brincadeira, e fomos conversando até que a ideia de compilar os desafios recentes em um volume se tornou séria.
Mayse Queríamos repartir com muita gente as dificuldades, o que acontece no tempo em que as coisas não dão certo, mostrar o caminho que percorremos até a solução.

Achei vocês duas muito corajosas por exporem o relacionamento mãe e filha de forma quase terapêutica, penso que a narrativa oferece às mães e filhas uma boa ‘aula’ de como lidar com situações difíceis no dia a dia… Vocês pensaram nisso quando tiveram a ideia de escrevê-lo?

Marianna – Acho que dá para dizer que esse aprendizado contido no livro é cíclico, e que, de vez em quando, nós mesmas precisamos resgatar as lições aprendidas, úteis para lidar com situações desafiadoras. Por exemplo, é mais difícil lembrar de exercitar a paciência justamente nas horas de dor, de apreensão ou de cansaço.

Nesse sentido, o que aprendemos e procuramos passar adiante no livro é mais uma sugestão de exercícios e reflexões do que um topo de montanha ao qual se chega, uma vitória irrevogável ou algo do tipo. Mas assim são as relações humanas, e as de mãe e filha podem ser muito complexas, especialmente nessa fase da vida que narramos no livro.

Mayse – Quem não cuida ou é cuidado, será um dia, e é preciso estar preparado para mudanças inesperadas, na medida do possível.

 Como os (as) leitores (as) têm reagido às muitas histórias engraçadas, tristes, preocupantes, mas, sobretudo, esperançosas, presentes no livro?

Marianna – Temos recebido muitas mensagens com relatos de leitura, e um dos pontos principais que as pessoas nos contam é a forte identificação conosco e com o que narramos no livro. Esse era um dos nossos maiores desejos na escrita desse livro, que ele fosse útil. 

Mayse A reação das pessoas é incrível! Tanta gente tem histórias ainda
mais difíceis, os relatos que recebemos dariam outro livro, certamente.

Podemos dizer que a escrita do livro fortaleceu o vínculo entre vocês?

Marianna – Com certeza, passamos a limpo várias coisas,  embora tenha sido um esforço reviver certas situações mais dolorosas. Eu (e uma porção de gente) tendo a ruminar as culpas que carrego, então foi libertador conversar com minha mãe sobre elas. Foi um presente, que eu aprecio imensamente. Nós já nos aborrecemos uma com a outra depois disso, mas nosso repertório para lidar com essas coisas aumentou…

Mayse Sem dúvidas, depois dos percalços, o fato de sermos melhores amigas prevaleceu. O livro nos ajudou a fazer o caminho de volta, é uma narrativa de reencontro, também.

Mayse e Marianna: as corajosas autoras do livro. (foto arquivo pessoal)

Mayse responde…

No livro você nos mostra um lado íntimo e familiar. Se permite ver como uma mãe ‘normal’: acho que essa ‘revelação’ do seu lado ‘humano’ é um presente para nós que a ouvimos, pois nos mostra uma Mayse ‘humanizada’… Gostaria que você ‘falasse’ sobre isso, por favor.

Mayse É preciso mostrar que somos gente comum, acreditando em coisas incomuns. E vivendo as lutas da vida, como toda a gente. O corpo tem suas leis e, como nos ensinou Eurípedes Barsanulfo, é preciso cuidar dele como se fossemos viver duzentos anos, e da alma e do coração como se fossemos morrer agora…

Este  portal que começou abordando temas ligados ao envelhecimento, algo que percebi, é um tabu maior do que a morte. As pessoas têm pavor de envelhecer e, por exemplo, serem cuidadas por familiares e  você  também se mostrou assim. A partir de que momento você se permitiu ser cuidada por Marianna?

Mayse Me permiti quando não tive saída! Ou reconhecia que ela tinha razão em um monte de coisas ou não avançaria na superação de inúmeros problemas. Até o suplemento alimentar que mais parecia remédio — o ‘Toddynho do Mal’, horrível, mas necessário — eu tomei!  Muito a contragosto, mas tomei.

 Outra qualidade do livro é mostrar como vocês lidaram com ‘coisas’ difíceis de forma até bem humorada, por exemplo: com a questão das fraldas… Não foi fácil, mas tive a impressão que no final tudo foi tratado sem tanto drama. Assim pergunto: esse bom humor é de família? Porque em suas palestras você o utiliza muito bem…

Mayse Esse bom humor, que confere uma certa leveza ao relato de situações angustiantes, não esteve presente nas horas mais difíceis. Ele aparece no livro porque nos ajudou a processar as lembranças e sentimentos dolorosos, em retrospectiva. Na verdade, minha filha e eu disputamos para ver quem de nós é mais dramática, mas, como fazemos isso em tom de brincadeira, podemos não aparentar esse traço, que é sim, compartilhado. Há sofrimentos que, para atravessar o caminho, precisam do suporte de um comentário engraçado, como uma ponte de leveza que ajuda a dor a chegar do outro lado transformada em aprendizado, ou apaziguada pelo tempo e pela retomada da amizade de quem feriu e foi ferida.

 Você escreve, a certa altura, que é assintomática e fiquei pensando se isso (perdoe minha ignorância) tem a ver com o fato de ser uma pessoa profundamente espiritualizada. Me parece que é como se seu lado físico (‘humano’) fosse menos afetado por questões orgânicas/biológicas. Isso faz algum sentido?

Mayse No livro, eu conto uma passagem da minha infância em que me machuquei e tive medo de preocupar meu pai. Me empenhei tanto em garantir a ele que não estava sentindo nada, que me pergunto quantas vezes e por quanto tempo fiz movimentos nesse sentido, e se isso pode estar na raiz dessa dificuldade de notar sintomas. No geral, não penso muito sobre isso, apenas aceito que é assim e procuro formas alternativas de me proteger dos perigos que meu corpo não alardeia. E, na verdade, acho que estou longe de ser espiritualizada a ponto de afetar a relação com meu corpo, embora me dedique a falar de espiritualidade há muitos anos…

Mayse Braga é oradora espírita desde os 16 anos. Na foto, ela segura, orgulhosa, o livro escrito junto com a filha Marianna. (foto arquivo pessoal)

 O que você diria para mães e pais idosos que hoje estão tendo que reconhecer que precisam, sim, da ajuda dos filhos? E que eles que um dia cuidaram, precisam se deixar cuidar? 

Mayse Tenham toda a paciência e humildade também. Fiquem atentos para que isso não se traduza em vulnerabilidade diante de impaciências grosseiras de quem está oferecendo ajuda e cuidado. Tudo isso é desafiador, é claro. Quando preciso de alguma coisa e Marianna cuida de mim apontando uma limitação, meu desejo de autonomia se incomoda, e é preciso chegar a um consenso entre as diferentes necessidades em jogo nessa hora. Infelizmente não somos preparados, ao longo da vida, para a vulnerabilidade emocional que acompanha a fragilidade do corpo quando a doença e as limitações da velhice chegam.

Nesse momento da vida, em que quem cuidou passa a ser cuidado, é
importante lembrar que todos os envolvidos seguem merecedores de atenção e devem continuar cuidando de si mesmos, até o fim. (Mayse Braga)

 Marianna responde…

 Marianna você é psicóloga e achei muita generosidade de sua parte revelar aos leitores sua ansiedade, suas ‘neuras’ e, enfim, suas imperfeições naturalmente humanas em relação aos cuidados com sua mãe. Mostrar-se vulnerável foi algo pensado antes da escrita ou não?

Marianna Na nossa pesquisa sobre como escrever um livro de memórias, as diversas autoras que consultamos eram unânimes em seus  livros sobre o assunto: é impossível escrever um bom livro desse tipo sem verdade. Minha mãe é bem mais desenvolta do que eu, e no livro dá para perceber que ela frequentemente me dá lições importantes sobre exposição, vulnerabilidade e verdade. Mas, como eu queria fazer um bom trabalho, e mostrar-me vulnerável era condição inegociável para isso, acho que encarei até bem a coisa.

 O mundo sempre foi uma ‘fogueira de vaidades’ e as redes sociais  potencializaram isso. Vemos o quanto a ideia de perfeição tem levado muitos influenciadores, por exemplo, a saírem das redes para preservar a saúde mental. Nesse sentido, o fato de narrar situações por vezes, difíceis, entre você e sua mãe; de mostrar o lado frágil que todo relacionamento humano tem, não a ‘assustou’? 

Marianna Eu tenho a oportunidade de um bom treino, fazendo isso em menor
escala, mas há bastante tempo. Logo no início da minha prática como psicóloga
clínica, compreendi que uma postura honesta a respeito da minha óbvia humanidade, serviria melhor a quem eu encontrasse no meu consultório.  Infelizmente, ainda me formei em um contexto em que meus pares mais experientes aparentavam uma ‘perfeição’ alicerçada na suposta ausência de ‘problemas’ em suas vidas pessoais. Já vi colegas deprimidos se dizendo ‘estafados’ porque estafa era chique, sinal de muito trabalho, competência; e a depressão, vergonhosa. Ainda que eu saiba que essa postura — de um preconceito introjetado mesmo entre nós da saúde mental — não é útil, e que, no caso do livro, ainda prejudicaria nosso vínculo com os leitores, confesso que por vezes fiquei um pouco insegura ao nomear as coisas pelo que elas são, especialmente no capítulo ‘A Bailarina e o Diabo’ em que conto que minha ansiedade vem da infância e que até hoje é um desafio para mim. Mas, quando a primeira leitora nos disse que tinha se sentido representada por ele, achei aquilo a melhor coisa e não pensei mais no assunto.

Minha mãe é bem mais desenvolta do que eu, e no livro dá para perceber que ela frequentemente me dá lições importantes sobre exposição,  vulnerabilidade e verdade. Mas, como eu queria fazer um bom trabalho, e mostrar-me vulnerável era condição inegociável para isso, acho que encarei até bem a coisa. (Marianna Braga)

 A ideia da playlist foi sua ou de ambas? Achei genial (não vivo sem música) e de muito bom gosto. As músicas guiaram a escrita em certos trechos?

Marianna –  Nós também amamos música e, embora eu tenha tido a ideia  da
playlist no Spotify (mamãe não usa celular ou computador, então não conhecia a plataforma), nós duas fomos pensando em músicas ao longo da nossa escrita. Logo no início, há um capítulo muito marcado por uma experiência musical que vivemos na pandemia, então foi um caminho natural para o livro. Para alguns capítulos, escolhemos as músicas posteriormente, depois de já estarem terminados, e foi muitíssimo divertido fazer isso! Já quero fazer o lado B para cada um deles, se deixar!

 Em muitos momentos, ri bastante com o modo como você se autodenomina por cuidar de forma tão zelosa de sua mãe: expressões como ‘virada no jiraya’; o ‘toddynho do mal’  dão leveza aos momentos muito sérios. Acho que quem é ansioso (como eu) percebeu que, às vezes, rir é mesmo “o melhor remédio”. Isto foi intencional?

MariannaQue bom que você riu, fico muito feliz por fazer uma companheira ansiosa rir! Fazer os outros rirem é uma alegria sem preço e uma necessidade absoluta quando estamos tratando de temas espinhosos. Eu realmente fantasiava as pessoas em sua leitura de alguns trechos em posição fetal, então procuramos o auxílio do humor para conferir leveza ao texto, o suficiente para conseguirmos
olhar de frente para coisas difíceis, mas que precisavam ser encaradas. Nesse sentido, sim, foi intencional, embora esse movimento do humor para passar por situações difíceis seja, para mim, muito natural: parte importante de quem eu sou, diretamente herdada da minha mãe.

Sobre a narrativa, Marianna Braga ressalta “tivemos que ter mais coragem para viver tudo o que compartilhamos do que para compartilhar tudo o que vivemos. E cada pessoa que nos conta sua história, que nos diz que riu e chorou conosco, faz nossas revelações valerem incontestavelmente a pena”. (foto arquivo pessoal)

 Eu tive a impressão que a narrativa era (é) um dueto ou uma sinfonia, com as vozes se alternando, delicadas, dramáticas, intensas, suaves. Considero que revelar esses lados de uma relação humanamente complexa, foi um ato de grande coragem. Minha opinião faz sentido para você?

Marianna Faz sim, muito! Essa ideia de dueto foi a base do nosso livro e também o que permitiu que ele fosse terapêutico para nós duas. Com esse formato de vozes se alternando, realmente conseguimos nos escutar sobre dificuldades de uma forma inédita e foi muito interessante. Sobre a coragem, Ariano Suassuna dizia que o que é bom de viver não é bom de contar, e o que é bom de contar não é bom de viver. Então tivemos que ter mais coragem para viver tudo o que compartilhamos do que para compartilhar tudo o que vivemos. E cada pessoa que nos conta sua história, que nos diz que riu e chorou conosco, faz nossas revelações valerem incontestavelmente a pena. No fim, é como diz uma das músicas da nossa playlist, ‘Ciranda da Bailarina’, de Chico Buarque e Edu Lobo: “Sala sem mobília/ Goteira na vasilha/ Problema na família/ Quem não tem/Procurando bem/ Todo mundo tem…”

Minha mãe e eu sentimos muito orgulho da nossa história,  e dela se  parecer com a de tanta gente bacana que ficamos conhecendo por termos contado a nossa!

Onde comprar o livro: https://www.aqueletempoentrenos.com.br/

Onde saber mais sobre o livro: https://www.instagram.com/aqueletempoentrenos/

 

Se você gosta do nosso trabalho, comente, curta o PortalPlenaGente+, marque nossa plataforma nas redes sociais e compartilhe nosso conteúdo! A gente agradece!

Portal Plena Gente+

ana.vargas@portalplena.com | Website |  + posts

Jornalista com experiência sobretudo em redação de textos variados - de meio ambiente à saúde; de temas sociais à política e urbanismo. Experiência no mercado editorial: pesquisa e redação de livros com focos diversos; acompanhamento do processo editorial (preparação de textos, revisão etc.); Assistência editorial free lancer. Revisora Free Lancer das editoras Planeta; Universo dos Livros e Alta Books. Semifinalista do Prêmio Oceanos 2020.

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *