Dener é engenheiro de software e trabalha à distância para uma empresa de Los Angeles, nos Estados Unidos. A irmã dele, Vitória, de 23 anos, atualmente estuda Medicina em São Paulo com uma bolsa do Fies, programa de financiamento estudantil do governo federal.
Thais Carrança/ Role,Da BBC News Brasil em São Paulo
“Na nossa família, o ciclo de pobreza estrutural foi quebrado. Mas não foi fácil. Quando paro para pensar na minha história, sei o quanto de tempo levou para isso acontecer. Não é trivial, de maneira alguma”, diz Dener Silva Miranda, de 31 anos e morador de Parnaíba, no Piauí.
Dener é engenheiro de software e trabalha à distância para uma empresa de Los Angeles, nos Estados Unidos. A irmã dele, Vitória, de 23 anos, atualmente estuda Medicina em São Paulo com uma bolsa do Fies, programa de financiamento estudantil do governo federal.
Não seria nada demais, se Dener e Vitória fossem filhos da classe média brasileira, mas esse não é o caso. Ou não era o caso na infância dos dois, no início dos anos 2000, quando a família de Dener e Vitória recebeu o Bolsa Escola e fez parte da primeira geração de beneficiários do Bolsa Família, programa de transferência de renda que completa 20 anos em outubro de 2023.
Daquela primeira geração, apenas 1 em cada 5 filhos de beneficiários do programa continuava recebendo o Bolsa Família 14 anos depois, segundo levantamento do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social publicado em abril de 2022 .
As trajetórias dessas famílias sugerem que a saída permanente da pobreza depende da combinação da transferência de renda com uma série de fatores, incluindo um conjunto maior de políticas públicas.
Avós analfabetos, pais no Bolsa Família, filhos na universidade
“Dos meus avós, só um foi alfabetizado. Minha mãe estudou até a quarta série e meu pai nunca concluiu o ensino médio”, conta Dener.
A pernambucana Luzinete e o maranhense Francisco foram para São Paulo nos anos 1980, lembra o filho do casal.
“Eles foram naquela última grande leva de imigrantes nordestinos – minha mãe, aos 15 anos, para ser empregada doméstica. E meu pai um pouco mais tarde, aos 18 anos, e foi lixeiro, porteiro, mecânico e operário industrial, mas sempre com vontade de voltar ao Nordeste.”
Depois de uma primeira tentativa fracassada, Luzinete e Francisco se instalaram em Parnaíba, no Piauí, no fim dos anos 1990, ela para trabalhar como cabeleireira e ele, como mecânico de motos.
“Minha mãe cortava cabelo e cobrava R$ 2 por corte, mas tinha dia que cortava três, quatro cabelos, e tinha dia que não cortava nenhum, então não tinha uma estabilidade de renda”, lembra Dener, observando que a situação do pai, como mecânico autônomo, era similar.
“Foi quando surgiu o Bolsa Escola, ali em 2001, e a gente começou a receber esse benefício, que na época era de R$ 15”, recorda.
Criado durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o valor do benefício do Bolsa Escola era pago por criança entre 6 e 15 anos (até um máximo de R$ 45), às famílias com renda abaixo de R$ 90 por pessoa, com a contrapartida de manutenção das crianças na escola. Em 2003, logo no início do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a família passou a receber o Bolsa Família, lembra Dener.