País tem 282 mil orfãos da covid, mas só estados do nordeste têm programas para seu acolhimento

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Da redação:

“Pior do que falar para uma criança que os pais morreram é vê-la esperar por alguém que nunca chegará”, diz pesquisadora

De acordo com uma pesquisa da Imperial College London, o Brasil já tem mais de 282 mil menores de idade órfãos devido à covid-19. O estudo foi publicado na revista britânica The Lancet e desenvolvido a partir de um modelo de estatísticas que analisou a orfandade em 21 países, incluindo o Brasil. O dado é referente à perda de ambos os responsáveis, porque quando ela é apenas unilateral o número cai para pouco mais de 168 mil. 

Diante dos dados, evidencia-se mais uma consequência catastrófica e invisível da pandemia: a situação de crianças órfãs no País. “Além de muitas pessoas enlutadas devido às mortes causadas pela covid-19, também temos muitos órfãos na pandemia”, comenta Elaine Gomes dos Reis Alves, do Laboratório de Estudos da Morte do Instituto de Psicologia da USP. 

Dayse César Franco Bernardi, pesquisadora e conselheira na Associação de Pesquisadores e Formadores da Área da Criança e do Adolescente (Neca), revela que são poucos municípios e Estados que oferecem serviço de acolhimento institucional ou familiar para crianças e adolescentes órfãos durante esse período.

“O que está faltando, e muito, é o governo federal ter políticas de apoio às famílias extensas, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 dê guarda subsidiada a essas famílias”, analisa Dayse, ao comentar a necessidade de cumprimento com o disposto no parágrafo um do artigo 39. “A permanência numa família próxima, seja biológica, afetiva ou por afinidade, é também muito importante para a saúde mental das crianças”, complementa.  Para Dayse, é a partir dessa medida que a situação de orfandade no Brasil atual pode ser contornada.

 “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa’’ (Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990).

 

Por enquanto, os nove Estados do Nordeste e as cidades de São Paulo e Campinas foram os únicos a aprovar políticas de amparo e assistência ao público infantojuvenil em processo de luto. Maranhão, por exemplo, foi o primeiro Estado do País a elaborar medida de transferência de renda e assistência aos órfãos na pandemia e serviu de inspiração para a criação do Nordeste Acolhe.

Elaine explica que é preciso cuidado com as crianças, principalmente com o retorno às escolas. “Cada idade tem uma necessidade diferente”, explica. De acordo com a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), pouco mais de 12 mil crianças entre zero e 6 anos de idade são classificadas como órfãs. “Uma criança que perde os pais vai ter esse buraco para o resto da vida”, comenta Elaine, ao ressaltar que a perda dos pais durante a adolescência também deixa um grande vazio, já que é nessa idade que se dá construção e identidade social. [Continua após o vídeo.]

De acordo com a análise de Dayse, além de órfãs dos pais, essas crianças e adolescentes também ficam órfãos do Estado, “porque ele não tem uma política de atendimento para manter essas crianças na sua própria comunidade ou na sua família estendida”, avalia. Ela também chama atenção para a importância do fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas). A ausência dos responsáveis e a consequente desestruturação familiar podem implicar efeitos materiais e emocionais devastadores para a vida dessas crianças e adolescentes, como evasão escolar, trabalho infantil, depressão, abuso sexual, entre outros.

“Não importa a idade da criança, ela vai sentir falta”, comenta Elaine, ao especular sobre o processo de luto das crianças. Ainda de acordo com ela, é preciso sempre dizer a verdade e levar as crianças para os rituais de despedidas. “A criança tem direito à verdade, à própria história e às despedidas. Pior do que falar para uma criança que os pais morreram é ver ela esperar por alguém que nunca vai chegar”, destaca Elaine. 

 

Fonte: Jornal da USP

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