Da redação:
Entre 20 de março e 16 de abril, período com o menor porcentual, a covid correspondia a 34,1% dos casos de Síndrome Respiratória Aguda (SRAG) no Brasil. Nas últimas quatro semanas chegou a 59,6% dos casos (de 1º a 28 de maio). Estes dados constam do Boletim InfoGripe Fiocruz divulgado ontem (1º/6).
O aumento de SRAG associada à covid indica uma elevação dos casos em geral da doença. O boletim mostra ainda que, entre os casos que evoluíram para óbito, 91,1% dos que tinham identificação viral testaram positivo para covid. A curva nacional de casos notificados de SRAG continua com indícios de forte crescimento nas tendências de longo (últimas 6 semanas) e curto prazos (últimas 3 semanas), segundo o boletim.
O avanço da transmissão fez o Comitê Científico do governo de São Paulo recomendar que as pessoas voltem a usar máscaras em ambientes fechados. Mas o governador do Estado e a Prefeitura da Capital resolveram apenas recomendar, sem determinar o uso de máscaras.
No Estado, de 24 a 30 de abril, a taxa de positividade era de 4%, enquanto em 30 de maio, a positividade foi para 18%. Lembrando que os testes feitos em casa não são reportados ao Ministério da Saúde e, portanto, não fazem parte das estatísticas. E há muitas pessoas com sintomas que sequer fazem o teste, pois o país nunca fez ampla testagem. A conclusão é que o número de contaminados é superior ao divulgado.
A recomendação para a volta do uso de máscaras em São Paulo vem após um aumento de 120% nas internações em maio, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde. A média móvel de novas internações, em leitos de enfermaria ou de UTI, chegou a 374 na segunda-feira (30). Em 1º de maio, eram de 171 internações por dia. Cerca de 10 milhões de pessoas ainda estão com dose de reforço da vacina atrasada em São Paulo.
O infectologista Marcos Boulos, consultor científico do governo de São Paulo, diz que não deve haver uma explosão de casos como ocorreu com o surgimento da variante ômicron no início do ano. Ele vê a pandemia se revertendo gradativa e lentamente, com oscilações. Essas oscilações podem ocorrer por vários motivos, entre eles o frio que favorece aumento de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAGS).
“Não acredito que seja uma nova onda, apenas uma oscilação mesmo, e creio que isso se reverterá nas próximas semanas”, afirma. Ele explica que seria apenas uma oscilação porque a população está relativamente imunizada, reforçando a importância e a eficácia das vacinas.
A médica infectologista e sanitarista Helena Petta também considera que a vacina ainda é eficaz contra o vírus. “A gente não tem uma nova versão do vírus fazendo com que a vacina deixe de ser eficaz”, diz ela.
O epidemiologista da Fiocruz Amazônia, Jesem Orellana, considera que, ao longo da pandemia, o estado de São Paulo tem sido um termômetro razoável para o acompanhamento do aumento de casos e mortes por covid-19. “O novo aumento de internações confirma a tendência de aumento praticamente generalizado na incidência (casos novos) de SRAG nos estados/capitais de diferentes regiões do país”, diz ele.
Boulos explica que, no Brasil, o número de pessoas infectadas foi maior do que a média mundial. Do mesmo modo, a taxa comparativa de vacinação com pelo menos duas doses também é considerada alta no Brasil. Estes são fatores que promovem a imunização coletiva. “Mesmo que ter ficado doente e ter se vacinado não previnam totalmente a reinfecção, ela diminui bastante assim como a sua gravidade”, explica o médico.
Volta das máscaras
Mesmo com essa gradativa reversão prevista pelo infectologista, ainda é preciso manter as precauções básicas. “O uso de máscara, principalmente em lugares fechados, é mandatório como sempre foi. A suspensão foi muito precoce como sempre acontece entre nós”, insiste Boulos.
Helena também considera a retirada precoce das máscaras o principal motivo do aumento de casos. “Com isso, acaba aumentando as internações, porque ainda tem pessoas do grupo de risco que não fizeram as doses recomendadas. Tem uma porcentagem muito grande de pessoas que não fizeram a terceira dose, por exemplo”, diz ela.
Boulos também lembra que, com esse frio, houve muitas aglomerações nas últimas semanas, com shows lotados “com jovens cantando juntos”. Apesar das internações terem aumentado, ele considera que a gravidade não é tão grande como em momentos anteriores à vacinação.
A médica infectologista e diretora do Instituto Couto Maia, da Bahia, Ceuci Nunes também já esperava pela oscilação. “A pandemia não acabou, o vírus continua circulando, temos um percentual de pessoas com vacinação completa e reforços, mas isso precisa melhorar”, diz ela, criticando os índices estagnados da vacinação.
Helena também tem como maior preocupação a necessidade de avançar na vacinação. “A gente tinha que fazer busca ativa para que essas pessoas que ainda não têm a terceira dose tomem. E avançar na quarta dose, avançar nas faixas etárias e todos os grupos, porque sabemos que depois de um tempo a imunidade vai cair. As pessoas precisam receber essas novas doses de tempos em tempos”, diz.
O que a doutora Ceuci vê no hospital, aponta para o acometimento pela covid de pessoas realmente não vacinadas ou vacinadas incompletamente, “como é o caso de 80% das pessoas que se internam por covid”. Mas ela também salienta que não é esperado um novo pico intenso, como já aconteceu nos últimos tempos.
Subnotificação e emergência sanitária
Se os dados crescentes de São Paulo servem de parâmetro, como diz Orellana, por outro lado, confirma-se o agravamento da baixa capacidade de testagem, “pois a curva de casos novos está ainda mais invisível nas estatísticas oficiais”. Tanto ele, como a doutora Helena, têm certeza que está havendo um quadro de subnotificação, no momento.
Helena critica a política de autoteste, implementada sem garantir a notificação de casos positivos no sistema público de saúde. Com a grande procura e disseminação do auto teste, há, na opinião dela, uma descentralização boa da testagem, com as pessoas tendo um jeito mais fácil de se testar e se isolar em caso positivo. “Mas a gente não tem um mecanismo de reportar para as autoridades quando dá positivo”, lamentou.
Para Jesem, a subnotificação talvez seja maior, hoje, que em qualquer outra fase da epidemia, excetuando os dois primeiros meses de 2020, onde praticamente não havia infraestrutura diagnóstica e laboratorial ou recursos humanos treinados o suficiente para dar conta de notificar o mínimo possível de casos. Ele lembra que, naquele momento, a testagem foi deixada em segundo plano no Sistema Único de Saúde (SUS) e pela rede privada.
“Ademais, a política de autoteste que, em teoria, deveria auxiliar a desafogar os serviços de saúde, conter a circulação viral e melhorar a vigilância epidemiológica, na prática, está servindo mais para atender aos interesses de quem comercializa esses insumos”, critica Jesem. Para ele, os serviços de saúde, claramente, não estão conseguindo acompanhar a real dinâmica da circulação viral.
Outro agravante, de acordo com o epidemiologista da Fiocruz, é o fim da “Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional”. “As ações que visavam conter a propagação viral e oferecer respostas mais rápidas à sociedade, ficaram mais lentas. Isso pode estar se refletindo em menos testagem na população e em unidades de saúde, bem como em menos investimento nas medidas de prevenção não farmacológicas, por exemplo”, conclui ele.