A decisão do Ibama de negar a licença para abrir uma nova frente de exploração de petróleo na Amazônia foi uma vitória. Não uma vitória de Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, que assinou o documento no dia 17 de maio. Não uma vitória de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Não uma vitória dos povos indígenas e das comunidades tradicionais que seriam impactadas se o projeto fosse adiante. Não uma vitória de populações de cidades e regiões que poderiam ser atingidas em caso de um vazamento. Não. Foi uma vitória da melhor ciência e da melhor política. Foi uma vitória da inteligência. Foi uma vitória da vida.
Se essa vitória for apagada pelo ataque feito pelo Congresso a Marina Silva e ao Ministério do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, ao tirar da pasta áreas vitais, acabou. Não acabou para Marina nem para o ministério. Acabou para o governo Lula, que será rearranjado ao modo da extrema direita, com a boiada passando sobre a Amazônia. “O povo brasileiro elegeu o presidente Lula, mas parece que o Congresso quer reeditar o governo Bolsonaro”, disse a ministra.
Se o ataque do Congresso ao futuro das crianças for bem-sucedido, acabou para todas as pessoas, porque a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal, a Mata Atlântica, a Caatinga, o Pampa não sobreviverão a um segundo governo predatório. Se a floresta não sobreviver, acabou até mesmo para os grandes operadores do agronegócio, porque sem chuva não tem produção, não tem exportação, não tem lucro. Não é exagero. É o que mostra a melhor ciência. Entendam: estamos no limite e não será possível esticá-lo.
É tão óbvio que para quem escreve é constrangedor repetir, mas a obviedade é algo apagado junto com a verdade nas fake news que circulam no Brasil. Aí vai a obviedade: os combustíveis fósseis são – comprovadamente, com 100% de certeza – os principais causadores do aquecimento global, que por sua vez causa a mudança do clima, altera a morfologia do planeta e, por consequência, compromete o futuro próximo da nossa e de outras espécies. A crise climática se manifesta em várias regiões do planeta, tanto por inundações quanto por secas, e já provoca migrações em massa. Mesmo no Brasil, convivemos com eventos extremos que se tornam cada vez mais frequentes, como as catástrofes no litoral norte de São Paulo e no estado do Acre mostraram apenas neste ano.
A segunda obviedade comprovada com 100% de certeza: a floresta amazônica, grande reguladora do clima e o bioma mais biodiverso do planeta, é essencial para enfrentar o aquecimento global, mas a floresta já está muito perto do ponto sem retorno, momento em que perderá sua capacidade de atuar como floresta. Somam-se essas duas obviedades e temos a terceira: abrir uma nova frente de exploração do grande vilão climático na Amazônia é a pior ideia que um governo poderia ter, independentemente se de esquerda ou de direita, porque o colapso climático não vai afetar menos os de direita do que os de esquerda – e vice-versa. É uma ideia tão absurda que fica difícil acreditar que o lucro imediato – ou a próxima eleição – mova as pessoas a destruir o futuro de suas próprias crianças.
E aí temos a quarta obviedade: o governo Lula só terá respeito e, portanto, investimento internacional se proteger a Amazônia. Se o Bolsa Família e a ascensão social de milhões de brasileiros conferiram reconhecimento internacional a Lula no segundo mandato (2007-2010), agora as preocupações do mundo mudaram. E a principal delas é o clima, que já é um dos principais fatores de fome no planeta. A relevância do Brasil – um país com uma democracia esburacada e uma elite política e econômica ao mesmo tempo sinistra na ação e miserável intelectualmente – é ter em seu território 60% da maior floresta tropical do planeta, da qual depende o controle do aquecimento global.
O governo Lula, fragilizado no Congresso, está sem maioria para aprovar seus projetos. Fragilizado, está sujeito às piores chantagens e tudo indica que está se submetendo a elas com menos de cinco meses de mandato. Fragilizado, entre todas as negociações possíveis, parece ter decidido sacrificar o meio ambiente, historicamente o primeiro objeto de troca de vários governos. Só assim para explicar que o ministro Alexandre Padilha (PT) tenha sido capaz de classificar de “positivo” e “equilibrado” um relatório que destrói o Ministério do Meio Ambiente num planeta em colapso climático e com a Amazônia alcançando o ponto sem retorno. Sobre a foz do Amazonas, Padilha afirmou que “a discussão continua” e “o Congresso pode contribuir”. Em resumo: o governo Lula desrespeita a decisão do Ibama, uma reprise do que o Brasil testemunhou no processo de Belo Monte. O mundo sabe no que deu.
Como a história mostra, a esquerda brasileira é, com frequência, sua pior inimiga. Foi o que aconteceu na semana passada quando o senador Randolfe Rodrigues anunciou que estava deixando a Rede Sustentabilidade por discordar da decisão do Ibama de negar a licença à Petrobras para abrir uma nova frente de exploração de petróleo na Amazônia. Antigo desafeto de Marina Silva dentro da Rede, Randolfe aproveitou a ocasião para enfraquecer a ministra num momento crucial, quando ela e o ministério precisavam de todo o apoio possível. No cálculo da decisão está a intenção do senador de disputar o governo do Amapá, o principal impactado pelo projeto da Petrobras. Ao fazer isso, Randolfe se alinhou ao senador Davi Alcolumbre (União Brasil) e àqueles que, no estado, pregam o discurso de que o petróleo vai trazer “prosperidade”.
* Artigo adaptado, para ler na íntegra clique aqui
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