EDUCAÇÃO NO SISTEMA PRISIONAL: RELATO DE UMA PROFESSORA

Como é a atuação de uma professora no sistema prisional? No relato a seguir, a professora Acelice Ruiz nos conta um pouco de sua trajetória…

 

Meu nome é Acelice Aparecida Guillarduci Ruiz, sou professora de Língua Portuguesa. Iniciei minha carreira no magistério em 1991 na Escola Isaias Luiz Matiazzo, localizada no bairro Jardim dos Pinheiros em Caieiras, São Paulo.

 Passei por algumas escolas até o momento que me efetivei e escolhi lecionar na Escola José Carlos da Silva Júnior, também no bairro Jardim dos Pinheiros na mesma cidade.

Nesta minha trajetória, fui coordenadora pedagógica, professora coordenadora do Núcleo Pedagógico da Diretoria de Caieiras e vice-diretora da Escola Tenente Joaquim Marques da Silva Sobrinho, em Cajamar. Nesta Unidade escolar permaneci até novembro de 2020, ano em que me aposentei.

Posso garantir que durante esse tempo eu ensinei e aprendi, pois não somos detentores do saber. Trabalhar dentro de uma escola é algo inexplicável, esse ambiente tem vida, porque dentro dele existem pessoas com todas as suas qualidades e defeitos e cada uma traz sua marca, sua particularidade, sentimentos e sonhos. E eu não era diferente ainda tinha muitos sonhos a realizar.
Quando decidi ser “Educadora” em 1991, não foi por falta de opção de trabalho, mas porque sempre gostei de ensinar e sempre acreditei que somente a Educação abre caminhos. Muitos de meus colegas achavam uma utopia, mas o que importava era o que eu acreditava, inclusive, que todo educador sempre tem que estar se aperfeiçoando, afinal, todo dia surgem inovações e precisamos estar atualizados, trazer atividades diferentes que atendam a todos os estudantes, respeitando o tempo e modo de aprender de cada um.

Acelice na Escola Tenente Joaquim Marques da Silva Sobrinho em 2016.

 

Vinte e nove anos se passaram e eu me aposentei como já citei no início desta Carta Pedagógica. Fiquei feliz por mais uma etapa cumprida, mas pensava: será que estava cumprida? Então, percebi que poderia continuar contribuindo com a Educação, mas agora em um outro segmento e Instituição.

Uma nova trajetória na Educação

Foi aí que iniciei uma nova trajetória no Magistério. Agora, ministraria aulas no Sistema Prisional, para Educação de Jovens e Adultos (E.J.A.). Isso ocorreu exatamente em 17/06/2021 na Unidade  de Franco da Rocha “José Aparecido” e no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico 1.

 

Alfabetização na Penitenciaria Central do Paraná. Imagem meramente ilustrativa. (Foto: Geraldo Bubniak/ANPr)

Em 2022 fui para Unidade P2 “Nilton Silva” e, no segundo semestre de 2024, para P1 “Mário Moura De Albuquerque” onde permaneci até o final do primeiro semestre de 2025. Hoje retornei para P2 “Nilton Silva e estou feliz por poder contribuir com a construção de conhecimentos de outros jovens.

Sair da minha zona de conforto foi um grande crescimento pessoal e profissional. Conhecer um mundo ao qual não tinha a menor noção, a não ser pelos filmes e novelas que não retratam a realidade, me fez refletir e buscar o aperfeiçoamento das minhas práticas pedagógicas, fazendo ajustes necessários para levar uma aula de qualidade e motivação para aquele público que só via a escola como remissão.

 

Acelice em 2009 na Escola José Carlos da Silva Júnior.

Aquela ideologia que sempre tive sobre a importância de estudar, que somente a Educação abre portas, levei e levo comigo para todas as minhas aulas. Talvez nem todos os meus estudantes ouçam e acreditem nisso, mas faço o meu melhor. Procuro motivá-los, levo atividades diversificadas, adaptadas para não deixar nenhum deles para trás.

No Sistema Prisional as turmas são multisseriadas, tenho estudantes com níveis diferentes de aprendizagem que apresentam lacunas no conhecimento básico como: dificuldades de leitura, escrita e compreensão de textos. Muitos ficaram fora da escola por muito tempo, outros mal frequentaram a escola e não sabem ler, escrever ou sabem escrever apenas com letra bastão. Tudo isso foi causado  por vários fatores: sejam socioeconômicos ou sociais. Nesse contexto, falta comprometimento com os estudos, há a própria dificuldade causada pelos fatores citados, a falta de interesse, o desgaste emocional e a falta de perspectiva. Esta é uma dificuldade que encontrei e, diante dela, tive que buscar novos caminhos e práticas pedagógicas para que todos fossem incluídos, respeitando o tempo e modo de aprendizagem de cada um.

Uma outra dificuldade que é bastante gritante é a questão do material didático para a E.J.A, em especial, para o Sistema Prisional, pois não tem um material para esse público. Todo semestre faço uma avaliação diagnóstica para
conhecer as dificuldades dos meus estudantes e, baseada nelas, monto o material e vou adaptando. Para superar essas dificuldades busco também estratégias como uso de metodologias ativas, atividades contextualizadas, trabalhos em grupos, leitura compartilhada e procuro criar um ambiente de respeito e motivador.

Contudo, sinto falta de uma formação voltada para os educadores do Sistema Prisional, pois também somos parte da Educação e muitas vezes somos excluídos pela própria Educação. Mas não quero ficar falando das dificuldades, quero  apenas compartilhar minhas motivações que são muitas.

Ao longo deste tempo que estou ministrando aulas na E.J.A., dentro do Sistema Prisional, fui observando o potencial que a escola tem em fazer a inclusão social, resgatar a autoestima dos estudantes que veem a Educação com um novo olhar, pois dentro da sala de aula essas pessoas começam a se ver como estudantes, passam a ter um sonho, enxergam uma luz no fim do túnel e deixam a criatividade fluir. A escola passa ser, então, mais um espaço de conhecimento e interação, onde trazem suas dúvidas para serem sanadas nas aulas, sejam  elas sobre uma regra de acentuação ou pontuação, ou sobre como terminar um texto e outras que surgem durante as aulas.

Ressalto que a experiência de ministrar aulas na E.J.A. no Sistema Prisional é extremamente enriquecedora e reforça a Educação Inclusiva. Acredito na possibilidade de transformação e na importância de investir na Educação como instrumento que pode  mudar uma sociedade.
Desde já agradeço a oportunidade em compartilhar minhas experiências, dificuldades, desafios e motivações em continuar acreditando que somente a Educação é uma ponte para o sucesso pessoal e profissional.

 

Acelice Aparecida Guillarduci Ruiz hoje. (Foto arquivo pessoal)

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Jornalista com experiência sobretudo em redação de textos variados - de meio ambiente à saúde; de temas sociais à política e urbanismo. Experiência no mercado editorial: pesquisa e redação de livros com focos diversos; acompanhamento do processo editorial (preparação de textos, revisão etc.); Assistência editorial free lancer. Revisora Free Lancer das editoras Planeta; Universo dos Livros e Alta Books. Semifinalista do Prêmio Oceanos 2020.

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