Uma ideia que surgiu em meio ao forçado isolamento social: criar um ‘lugar’ para que os mais velhos pudessem relembrar suas histórias e contá-las a quem quisesse ouvir ou ler: essa foi a ideia inicial do psicólogo e gerontólogo Fabrício Oliveira.
Ana Claudia Vargas
Foi assim que ele resolveu criar em seu site um espaço especial para que os ‘longevos e longevas’ (uma bela palavra, aliás) contem os momentos mais marcantes de suas vidas. Sempre ‘falamos’ aqui no Portal Plena sobre a importância da leitura para manter o cérebro ativo e longe das demências mas, para além disso, ao contar suas próprias histórias e atuar como narradora e, não somente, como leitora; a pessoa idosa obtém outros ‘benefícios’, pois ao reavivar suas lembranças, pode observar as situações do passado sob outros aspectos; pode oferecer aos filhos/netos/amigos, enfim, um novo olhar sob sua própria vida.
Você, por exemplo, que está lendo essa matéria, como se sentiria ao ler ou assistir um vídeo no qual seu pai, mãe, avô, avó contasse algo que aconteceu há 40 ou 20 anos atrás? Um fato marcante, um episódio que mudaria, para sempre, a vida dele (ou dela)? Já pensou se você descobrisse que certo fato familiar importante, foi causado por outro fato anterior do qual ninguém sabia, a não ser o longevo/longeva?
Por outro lado, o longevo (a) que se dispõe a contar trechos da sua vida publicamente, presta um valioso ‘serviço’ a todos nós, ‘jovens’ e maduros que ainda não chegamos ‘lá’ porque, no final das contas, a vida de todos nós, em qualquer época, é feita de desafios, tristezas, alegrias e tantas outras ‘coisas’. Nesse sentido, contar histórias é algo que une todos nós em torno da grandiosidade da existência. E nesse momento de assustador desprezo para com os idosos do Brasil, é muito importante que alguém como o Fabrício Oliveira, tenha se disposto a criar este canal, este espaço de leitura e escuta dos relatos dos nossos, hoje tão desvalorizados, longevos e longevas do Brasil.
Na breve entrevista abaixo, concedida ao Portal Plena, Fabrício Oliveira fala sobre seu projeto.
E se você quiser conhecê-lo, saber das histórias e quem sabe, enviar a sua, basta clicar aqui:
1 – Como surgiu a ideia de criar estes registros?
O tempo foi passando, a pandemia crescendo e também as informações de que os idosos eram grupo de risco. Todos em casa sem sair, abdicando de suas vidas sociais em prol da saúde e bem estar. Quando percebi que eles estavam muito ociosos, tive a ideia de abrir uma página no blog para que eles mandassem histórias de suas vidas. Portanto, era mais uma opção de sair da ociosidade e fazer algo que desse prazer a eles.
2 – Porque você acha interessante publicar a história das pessoas mais velhas? Fale um pouco sobre isso.
Eu sou do interior da Paraíba, passei muitas dificuldades por lá devido a vida pobre que levava. Nos meus dezoito anos, fui para São Paulo e comecei a construir minha vida profissional e pessoal. Claro que não foi fácil, dormi até na rua e prometi pra mim mesmo nunca mais passar fome na vida, quando, então, Deus me deu meu primeiro emprego em carteira de trabalho. Portanto, sempre gosto e sinto prazer em falar da minha vida, acredito que isso estimula as pessoas em correr atrás dos seus sonhos, corroborando com minha história. Eu, quando for idoso, terei o maior orgulho de falar essa história e repetir mil vezes, jamais irá me cansar. Por isso, acho importante os idosos falarem das suas experiências e suas conquistas, isso nos inspira e nos faz correr atrás de nossas conquistas também, é incentivador.
3 – Narrar a própria história, nessa fase da vida, pode ser algo ‘bom’ para a pessoa idosa? Se sim, de que forma isso acarreta benefícios? Fale sobre isso.
Se pensarmos por um lado técnico e profissional, tudo que estimula a memória para pessoas acima de sessenta anos, é de grande importância na preservação das faculdades cognitivas e intelectuais, e ajuda a retardar esquecimentos e futuros transtornos como as demências e o Alzheimer. Se olharmos para o lado pessoal, essa é uma grande oportunidade de aproximação familiar, já que antes as famílias tinham suas vidas corridas e pouco davam atenção ao idoso dentro de casa, esse momento de sentar e escrever pode reacender laços familiares, relembrar momentos difíceis que foram superados, e os netos vão ter uma aula de história dentro de casa. Assim, futuramente, vão valorizar suas vidas e buscar vencer as dificuldades como seus avós fizeram. Eu não conheci os meus dois avôs, sobre as minhas avós, morei com minha avó materna até sua morte quando ainda era criança. Já com minha outra avó, tive pouco contato, mais confesso que adoraria saber as histórias da vida dela.
4 – Qualquer pessoa pode enviar sua história? Para quem quiser enviar: há algumas regras a seguir (número de caracteres, formato etc.)?
Sim, desde que tenha acima de 60 anos, qualquer pessoa pode enviar, seja texto ou vídeo de até cinco minutos. Estou recebendo muitas histórias, inclusive, de outros países, e isso me deixa muito feliz com essa pequena ação. É uma iniciativa simples, mas para os idosos é significativa, pois ali ficará um pouco de sua participação social e suas conquistas.
5 – Como você vê a atual ‘onda’ de desapreço pelos idosos, principalmente agora, por causa dessa pandemia?
Primeiro, quero deixar registrada minha profunda indignação pela falta de respeito de várias pessoas e de alguns profissionais da mídia diante dessa situação crítica. Algumas pessoas colocam em suas redes sociais mensagens e fotos deprimentes em relação aos idosos. Postam fotos de idosos dizendo que querem fugir, artes com carros em que está escrito “cata véio”; idosa presa em gaiola na sala, parece que o público idoso virou a bola da vez nas redes e muitos colocam achando que é só pra descontrair. Vamos falar sobre a empatia, eles gostariam de ser ridicularizados quando forem idosos? Em segundo lugar, quero manifestar meu repúdio também com alguns profissionais da mídia que não tiram da boca a palavra ‘asilo’, me dói o coração quando escuto um profissional falando essa palavra, e pasmem, já vi representantes ligados à Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia escutando o jornalista falar e não corrigindo. Essa palavra foi excluída há muito tempo, devido ao sentido triste que ela dá, não se usa mais em respeito aos idosos, isso acaba propagando a palavra e as pessoas de senso comum acham que é normal e a aceitam. Não vejo nenhum problema em corrigir e usar palavras como: abrigo; lar de idosos ou o técnico e certo “Instituição de Longa Permanência para Idosos – ILPI. Fico indignado assistindo a esse desrespeito, pois eu corrijo seja quem for que falar essa palavra; aceitar isto é ir contra meus estudos como Mestrando em Gerontologia e a bandeira que carrego que é o empoderamento e a qualidade de vida psíquica e social da pessoa idosa.
6 _ O que você, como pessoa que trabalha com idosos, que lida com eles diariamente, teria a dizer para quem acha que idosos podem ser descartados facilmente?
Eu acho uma falta de empatia e sensibilidade as pessoas acharem que o idoso é descartável, pessoas assim não tem amor no coração, nunca tiveram avós ou se tiveram, não os tratavam com respeito. Cuidar e ter amor para com as pessoas idosas é plantar uma semente para que, quando formos idosos, possamos colher os frutos dessa árvore que a semente fez brotar. Acredito também que os pais, sem querer, plantam esse desamor à pessoa idosa nos seus filhos. É só pensar nos seus próprios comportamentos, quando dizem, por exemplo ‘isso é coisa de velho filho’;’ olha que velha chata’; ‘nossa, esse lugar tá cheio de velho, filho’; ‘nossa filho, essas músicas são de velhos’. Portanto, acredito que essas atitudes levam os filhos a acreditarem que tudo referente aos velhos não presta e é ruim.
7 – Se quiser escrever algo que não perguntei, fique à vontade.
Quero deixar aqui esse recado: precisamos deixar o ego de lado e trabalhar em parcerias em prol de nossos idosos, não querer aparecer mais do que os outros, o sol nasce para todos e se você se destacar, é porque fez algo importante que o diferenciou dos demais. Vamos deixar de achismo e sempre falar em dados que a ciência possa comprovar, vamos nos unir para derrubar os preconceitos contra os velhos, os idosos (como queiram) em todo o mundo. Vamos combater as palavras errôneas que denigrem a imagem do público com o qual trabalhamos e que também lá na frente seremos.
fotos da abertura: foter – dok2/ Thierry Decker/Rolling JP
Abaixo, o convite do Fabrício: