A ‘receita’ de longevidade do escritor Ricardo Faria, passa sempre (e é claro) pelos livros…

Leitor, professor, autor de vários livros didáticos e ficcionais: esta é a ‘receita’ do escritor mineiro para continuar, aos 71 anos,  saudavelmente, escrevendo,  lendo, organizando coletâneas _ como a mais recente   “Decameron do Século XXI” _ e confirmando que a máxima ‘mente sã, corpo são’ é  realmente possível com o apoio mais que luxuoso dos livros…

Ana Claudia Vargas

Você sempre gostou de ler? Seu interesse pelos livros foi natural ou incentivado por alguém (algum familiar, professores…)?

Quando puxo pela memória, eu me vejo lendo desde cedo. Alfabetizado aos 7 anos, 1º ano do antigo curso primário, assim que terminei de ler “o livro da Lili”, não parei mais. A escola onde estudei as três primeiras séries tinha uma grande biblioteca, muito variada, e uma vez por semana tínhamos um horário para ler o que escolhêssemos. Nem me lembro da quantidade de livros que li… talvez uns 30 por ano? Pode ser. Em casa tínhamos muitos livros. Posso dizer que meu pai tinha uma bela coleção de livros e meus irmãos mais velhos foram acrescentando. Claro que a maioria deles eu não tinha ainda condição de ler, mas na adolescência, eu já me aventurei a ler “O gênio do Cristianismo” do Chateaubriand. 13 volumes! Entendi pouca coisa mas me deliciei com a história de Atalá, uma indígena. Ainda na infância, ganhei aquilo que posso considerar meu primeiro livro (os outros eram da escola…), foi um prêmio por ter tirado as melhores notas. O livro eu ainda tenho: ‘A vida de Joaquim Nabuco’, escrito pela filha dele.

De que forma a leitura foi  importante para além das questões acadêmicas?
Acredito que a leitura não foi importante… ela é sempre importante. Claro que quando ingressamos no ensino médio (curso clássico, na minha época) e depois na faculdade, a leitura era indispensável. Li textos em Latim, em Inglês, em Francês, além de Português. E essas leituras influenciaram muito minha escrita. Lembro que no Clássico, tínhamos uma aula de redação semanal. Alguns temas livres, outros indicados. E em uma única aula, eu fiz a minha redação além de mais duas para colegas… nada criminoso… Atualmente, com a internet, ficamos conhecendo quase tudo do mundo. Quando a internet não existia, eram os livros que nos faziam conhecer países, escritores, poetas. Em casa tínhamos uma coleção de uns 20 volumes, que eram contos selecionados de vários autores de vários países. Apesar de ter lido essa coleção quando tinha uns 14/15 anos, ainda me lembro que gostei muito dos contos russos, dos ingleses e franceses.

E hoje, quando vemos a juventude só pensar em trechos pequenos, que caibam no tamanho estabelecido pelas redes sociais, e tudo vem abreviado… é de se pensar como a leitura faz falta. Até nas universidades se pode verificar a impaciência dos alunos com textos de 20 páginas, apostilas de capítulos. E o livro inteiro? Não… ninguém precisa ler. Mal se dá conta de ler as 20 páginas… Cansei de ouvir protestos de meus alunos na faculdade quando indicava bibliografias para as avaliações, seminários. E eu ficava só pensando que quando eu estava no 2º ano do meu curso de História, a prova final de História da América requeria a leitura de 11 (onze) livros inteiros… Então, estamos formando professores que não gostam de ler. E que não irão exigir de seus alunos outra leitura que não seja a dos livros didáticos… Uma página de Machado de Assis, outra de Carlos Drummond… nada mais do que isso. É preocupante! Agora que estou na chamada “melhor idade”, aposentado, tenho lido muita coisa. Até essa pandemia ajudou, já que ficando em casa, ou você vai pras redes sociais, ou para a TV, ou então fica lendo. Estou escrevendo isso no final de junho de 2021. Somente neste primeiro semestre, contabilizei a leitura de 73 livros

 Você escreveu vários livros didáticos e também se tornou autor de ficção, como se deu essa mudança? Como surgiu a necessidade de criar histórias e personagens?
Depois das redações no colégio, entrei para o curso de História da FAFICH-UFMG e lá pensei, junto com um grande colega e amigo, em escrever livros didáticos. Projeto que não se concretizou devido à morte dele em acidente, em 1972. Terminado o curso, dando aulas para o ensino fundamental na escola do SESI, tivemos um problema com o livro adotado, pois o autor teve um problema cardíaco e a editora não tinha como completar a coleção que ele iniciara e que usávamos no colégio.    Quando estive na editora para ver a situação, o editor, por
sinal meu conterrâneo, me explicou que não tinham perspectivas para finalizar a coleção e, na conversa, me jogou a peteca: convite para escrever dois livros, para as séries finais, pois ele precisava ter algum material a oferecer aos professores que usavam a coleção inacabada. Como eu já havia escrito apostilas para um cursinho supletivo, topei e assim iniciei minha vida de escritor.

De 1975 a 2010 foram cerca de setenta livros didáticos e paradidáticos que publiquei na companhia de alguns autores, outros foram de autoria exclusiva. Em 2010 eu já estava aposentado e então resolvi investir em algo novo: literatura, mas sem esquecer minha formação. A trilogia que escrevi inicialmente, denominada Brasil fin-de-siècle, traz várias histórias amorosas no período das três últimas décadas do século XX. De uma certa maneira, posso dizer que continuei escrevendo livros de História, só que com o envolvimento de personagens ficcionais. E como todos sabem, na medida em que escrevemos, acabamos por colocar em algumas personagens episódios que vivenciamos pessoalmente. Posteriormente, voltando à História, escrevi “Como contar a História do Brasil a meus netos” e depois publiquei, comentando, um diário que um sargento da FEB escreveu enquanto esteve na Itália, na Segunda Guerra Mundial. E, por último, publiquei um outro diário, mas ficcional, escrito por uma personagem da trilogia, o “Diário secreto de Bia”. Recentemente, acabei de lançar uma outra obra que organizei, intitulada “Decameron do Século XXI”, com um total de 100 contos, à imodesta semelhança com a obra escrita por Giovanni Boccaccio.

De que maneira o gosto pelos livros _lendo, escrevendo etc. _ ‘ajuda’ você a viver melhor?

Bem, temos aqui duas situações. Enquanto escrevi livros didáticos eu percorri boa parte do país para apresentar o livro e dar cursos para professores. Isso era algo bastante agradável, pois fazia contato com dezenas de colegas e conhecia dezenas de cidades. Mas havia um problema, se é que posso chamar assim: eu tinha de manter contato com uma imensa produção de obras historiográficas, e o tempo de que dispunha para a literatura era mínimo. Já quando comecei a escrever romances, também ganhei aquele tempo para ler o que temos hoje de produção seja na prosa, seja na poesia. Muitos autores novos me impressionaram bastante. E havia muitos autores clássicos que eu conhecia, mas que lera pouco, e estou tendo o tempo para tirar o atraso! Nessa pandemia, por exemplo, de março de 2020 a junho de 2021, já li uns duzentos livros, alguns de poucas páginas e outros de 400, 600 páginas. Isso tem me ajudado bastante a ficar em casa! Portanto, a viver melhor!

Estudos ‘dizem’ que ler rejuvenesce a mente, nos torna mais saudáveis e, portanto, envelhecemos de forma mais autônoma e independente. Isto faz sentido para você? Poderia contar algum fato do seu cotidiano que se relacione com isso?

Apesar de não ter esse fato que você sugere, eu acredito sim, que nossa mente fica rejuvenescida, o que deve trazer uma melhoria da qualidade de vida quando começamos a envelhecer. Inclusive, já li algo a respeito, sem poder opinar se verdade ou não, que até doenças como o Alzheimer podem ser evitadas com esse conhecimento que adquirimos pelos livros. Quanto mais lemos, menos doenças arranjamos…

Se você pudesse dar uma ‘receita de longevidade’ ou de ‘velhice saudável’ , os livros estariam no meio?
Esta resposta é curta e grossa: com certeza sim! Não me imagino envelhecer e ficar sem ler. Há tanta coisa bonita no mundo que os livros nos trazem! Quantos países conhecemos, quantas personagens sedutoras encontramos nos livros…

 Como é a sua rotina de escritor?
Eu não dependo financeiramente do que escrevo. Escrevo pelo prazer de escrever. Obviamente quero que muitas pessoas leiam os meus escritos. Então, eu desenvolvo minha produção pari passu com as atividades cotidianas. Não me tranco, não me isolo, para escrever. Assim que a ideia do livro surge, eu procuro os nomes das personagens. Os nomes dirão muito das atitudes que elas tomarão. Penso em como vou iniciar e como vou acabar o livro. Depois é que o miolo será construído.

A inspiração, quando chega, tem de ser colocada no computador. Isso quer dizer que não tenho um horário fixo para escrever. Tanto posso, em um dia, escrever por uma ou duas horas, como, em outro dia, ficar dez horas escrevendo. Tudo sempre depende das ideias que vão fluindo e o mais legal de tudo, é que as personagens começam a tomar conta da gente e vão criando situações que nem haviam passado pela nossa cabeça. De repente, olho o relógio: são três horas da manhã! Não há uma rotina… pelo visto!

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