De prostituta à professora da rede pública paulista: conheça a história de Maria

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Ingênua, religiosa e romântica: assim podemos definir Maria*

 

Ana Claudia Vargas

Foi aos 16 anos que ela se casou com o homem que acreditava ser o ‘amor de sua vida’. Natural de Campina Grande, Paraíba, ela diz que  marido também era da mesma cidade. “Ele já tinha 30 anos quando o conheci e já morava em São Paulo. Eu ainda cursava o ensino médio. Logo ficamos noivos, nos casamos e viemos para São Paulo onde ele trabalhava como ajudante de pedreiro”, conta.

Na capital, ela logo engravidou da primeira filha e como é de praxe, parou de estudar para se dedicar unicamente aos cuidados com a família. Nessa ocasião, trabalhou como babá e empregada doméstica na casa de uma professora que a incentivou a concluir os estudos. Isto seria fundamental para a virada que sua vida teria anos adiante. Maria* conta que seu (hoje) ex-marido, “não era inteligente, não sabia escrever, era chucro, grosseiro e desagradável”. Enquanto esteve casada, revela que ambos eram membros atuantes de uma igreja evangélica e que ela fazia ‘tudo’ para que o casamento desse certo porque isso era ‘cobrado’ dentro da comunidade religiosa. Tudo ia mais ou menos bem, até que sua filha começasse  a apresentar um comportamento estranho.

“Minha filha que na época tinha 12 anos, começou a agir de maneira esquisita e um dia veio me contar que o pai havia abusado dela. Foi ali que meu mundo desabou”, afirma.

 

A partir daí,  Maria conta que sua vida virou de cabeça para baixo.  “Depois disso, eu saí de casa com minhas filhas e a levei para fazer o exame de corpo delito. Ele negou o abuso, mas sei que é verdade, pois conversei muito com minha filha e sempre confiei nela”, ressalta. Depois dessa fase, o ex-marido saiu de casa, acabou voltando para o nordeste e Maria ficou em São Paulo com duas filhas para criar e sem um emprego fixo, situação que a deixou com um grande problema.

“Eu pensava em um jeito de sustentar as meninas, mas não tinha formação nenhuma, pois não havia terminado o ensino médio. Nessa época, trabalhei em tudo que apareceu, doméstica, faxineira, operadora de telemarketing… Não escolhia emprego. Só que fiquei desempregada e a situação ficou muito difícil”, recorda. Mas, apesar dos  problemas, ela consegui concluir os estudos através do EJA e, logo depois, se matriculou em uma faculdade. “Eu sempre fui boa em exatas e resolvi cursar matemática. Nessa ocasião, tinha conseguido um emprego como doméstica e as coisas seguiam de um jeito mais ou menos organizado”, relembra.

 

A fase da prostituição

 

Morando na periferia de São Paulo,  Maria conta que seu bairro era como uma “cidade pequena e todos se preocupavam com a vida de todos”. Nesta fase, como morava sozinha com as filhas, todos os vizinhos já sabiam que ela havia se separado do marido e que trabalhava muito para sustentá-las. Foi nesse período que ela percebeu que havia em seu bairro homens interessados nela e que estavam dispostos, inclusive, a pagar para ficar com ela.

Uma mulher corajosa, sensível e, ao mesmo tempo, muito triste: assim é Maria. (foto meramente ilustrativa – https://www.freepik.com/author/freepik)

“Foi tudo muito rápido. Eu comecei a cobrar para sair com alguns deles e vi que ganhava muito mais do que nos empregos anteriores. Foi assim que me tornei prostituta, foi a necessidade que me levou a essa profissão. Logo recebi a visita de uma mulher que era dona de uma boate, tinha ficado sabendo do meu trabalho e me perguntou se eu queria trabalhar para ela”.  E Maria aceitou o convite. “Ali continuei trabalhando e conseguia ganhar o suficiente para pagar minhas contas e não deixar faltar nada para minhas filhas”, revela.

 

Garota de programa e concurseira

Depois dessa etapa,  já trabalhando de forma independente,  Maria acabou se tornando amiga de um de um de seus clientes. “Foi esse senhor, por quem eu tinha até certo carinho, que me falou sobre o concurso público para trabalhar como professor do estado e resolvi tentar, por que não? Eu cumpria todos os requisitos e, assim,  me inscrevi no concurso”.  Tudo isso aconteceu em 2012 e Maria conta que conseguiu se organizar de forma que conseguia atender seus clientes e estudar para a prova. Em 2013 ela fez a prova, passou e sua vida mudaria novamente. “Dar aulas no ensino fundamental foi um desafio, mas eu consegui me adaptar apesar das novas dificuldades que surgiram”, afirma. Hoje Maria trabalha como professora do ensino médio na zona norte da capital paulista, mas tem muitas ressalvas em relação à área da educação.

“Trabalhar como professora na educação pública de São Paulo é muito pior do que trabalhar em uma boate ou como garota de programa porque sou desrespeitada e desvalorizada todos os dias, só continuo porque preciso do dinheiro para sustentar minha família.  O sistema educacional é feito para desmotivar os professores ”, diz.

Maria revela que sua rotina envolve lidar com diretores grosseiros que também parecem não saber muito sobre seus respectivos trabalhos, com alunos mal educados que desprezam o conhecimento e com pais que acham que os professores têm que fazer o papel que eles não fazem em casa.

“Tudo é muito desgastante. Chego para dar aula e é como se não tivesse entrado ninguém na sala. Os alunos nem se importam, não se interessam e quando questionados nos tratam com enorme desprezo”, diz. 

Lecionando para alunos do sexto ano, ela diz que sua missão é “ensinar para quem não quer aprender”.  Hoje com 42 anos, Maria já é avó de dois netos, pois suas filhas já têm, respectivamente, 24 e 20 anos.

Depressão e raiva do ex-marido

 

Foto de Kinga Howard na Unsplash

Uma mulher corajosa, sensível e, ao mesmo tempo, muito triste: assim é Maria. Afirmando ter ‘muita raiva do ex-marido’, ela finaliza nossa conversa dizendo:

“Eu sempre fiz tudo para manter o meu casamento, vim para São Paulo, deixei a casa dos meus pais porque realmente queria ter uma família com ele. Ele era 14 anos mais velho que eu, eu era uma menina. Ele destruiu tudo quando abusou da nossa filha, isso é algo que não tem perdão. Depois que meu casamento acabou por causa de algo tão horrível, ele simplesmente saiu de casa, voltou para o nordeste e eu tive que me virar para sustentar nossas filhas. Minha raiva é porque eu fiz tudo certo, nunca o traí e depois desse fato, também fiquei sabendo que ele me traía com mulheres da igreja que frequentávamos. Não me envergonho por ter trabalhado como prostituta e digo sem medo de errar: o ambiente da prostituição é mais respeitoso do que o da educação e até o da igreja, pois ali não há hipocrisia, as pessoas são o que são. Inclusive, penso em parar de dar aulas e arrumar outro tipo de trabalho porque não suporto mais as humilhações diárias que sofro dos alunos, coordenadores e de todo o sistema educacional, enfim. Tenho que tomar antidepressivos para suportar tudo o que tenho passado, mas estou esperançosa  e em busca de um novo recomeço”, conclui.

*Nome alterado para preservar a identidade da entrevistada.

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