Como a terceirização e a uberização precarizam as condições de vida dos trabalhadores

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Tecnologia e benefícios a empresas fazem o país conviver com novas modalidades de emprego, gerando insatisfação e greves

Eugênio Bortolon – Brasil de Fato 

O mercado de trabalho por aplicativo – ou uberização do trabalho – explodiu no Brasil, durante a pandemia da covid-19. Esta modalidade de trabalho teve início, em junho de 2010, na cidade de São Francisco, Califórnia, Estados Unidos.

Chegou em terras brasileiras em 2014. A primeira cidade a adotá-la foi o Rio de Janeiro.

Rapidamente se espalhou pelo país. Atrás do aplicativo (app) de transporte da norte-americana Uber, vieram os de comida, de entregas e de compras. Hoje existem cerca de 1,27 milhão de pessoas trabalhando como motoristas e outras 385 mil como entregadores para aplicativos no Brasil.  O dado é de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia. O estudo mapeou o perfil desses trabalhadores, levando em conta questões como raça, renda e tempo de jornada, com base em informações cedidas pelos próprios apps – 99, Uber, iFood, Zé Delivery e Amazon. Entre os motoristas, 95% são homens, dos quais 62% declaram-se negros ou pardos, e têm em média 39 anos. Já entre os entregadores, 97% são homens, dos quais 68% se declaram negros ou pardos, com idade média de 33 anos.  Com a facilidade que supostamente viria pelo trabalho independente já que estavam sendo chamados de microempresários, donos do seu próprio nariz e horário, aos poucos grande parte dos uberizados caiu na realidade. Greves e manifestações ainda se espalham pelas cidades onde o serviço por aplicativos é utilizado.

Quanto à jornada, a maioria dos motoristas trabalha em média entre 22 e 31 horas semanais, enquanto entregadores acumulam entre 13 e 17 horas por semana – há variação porque muitos utilizam os apps como complemento de renda. Alguns trabalham mais porque dependem disso para sobreviver e outros nem tanto. Para os que trabalham 40 horas semanais, o estudo estimou a renda entre R$ 2,9 mil e R$ 4,7 mil para os motoristas e entre R$ 1,9 mil e R$ 3 mil para os entregadores. Este novo mercado de trabalho, com todas as suas particularidades – raros direitos, muitos deveres, excesso de jornadas de trabalho – entrou na agenda do governo Lula para buscar uma saída satisfatória para os trabalhadores.

Terceirização ocorre desde o final da década de 1960

A terceirização do trabalho se tornou uma grande aliada para empresas e uma inimiga da classe trabalhadora / Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Antes da uberização, porém, a terceirização é que comandava o trabalho precário e explorado, com poucas garantias e direitos. Este tipo de ocupação ocorre desde o final da década de 1960 do século passado. Ela começou no setor público e foi se ampliando para o setor privado.

A regularização deste modelo de serviço veio no ano de 1974, com a Lei 6.019/74, mas o reconhecimento pelos tribunais trabalhistas aconteceu só em 1986, permitindo legalmente a prática. Já em 2017, a Lei do Trabalho Temporário, no governo Michel Temer, foi a que regulou tanto o trabalho temporário quanto os serviços terceirizados.

A modalidade de trabalho terceirizado se aprofundou no Brasil com a aprovação da lei 4.302/1998, no governo de Fernando Henrique Cardoso, quando foi decidida pela liberação para todas as atividades das empresas.

 

Desde a implantação dos serviços por aplicativos, principalmente na área de transportes, sempre aconteceram protestos e indignações – Jaqueline Deister

A forma de trabalho exige um contrato firmado entre a empresa tomadora e a empresa terceirizada, exigindo-se dela registros na Receita Federal através de CNPJ e na Junta Comercial. Esta forma de contratação contribuiu fortemente para a redução de salários, a falta de garantias, por exemplo. Criou, é verdade, empregos, mas de baixa qualidade, principalmente na área de serviços, e com baixa remuneração.  Em 2019 o decreto 10.060 regulamentou a lei de 1974 alterando diversos pontos, como o artigo 18 que relata: “a empresa tomadora de serviços ou cliente exercerá o poder técnico, disciplinar e diretivo sobre os trabalhadores temporários colocados à sua disposição, de modo a permitir a subordinação direta pela tomadora de serviços nos casos de terceirização em trabalho temporário, impossibilitando o vínculo de emprego entre eles”.

A terceirização do trabalho se tornou uma grande aliada para empresas e uma inimiga da classe trabalhadora. Hoje, indústrias, comércio, serviços e condomínios utilizam largamente está modalidade. Emília Santos da Silva faz serviços gerais em um prédio da avenida Timóteo, em Porto Alegre, e não está satisfeita com tudo isso. Ganha salário mínimo de uma terceirizada, mais transporte e vale-refeição e trabalha oito horas por dia.

“Trabalho demais, limpo todo o prédio de sete andares e a cada dia aumentam tarefas. Pouca gente respeita a gente. Os patrões têm um bom contrato e o repasse para nós é o mínimo. Isso chamam de trabalho decente? Nunca”, conclui.

Passam de 20 milhões os terceirizados no país

Conforme o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) havia 1,8 milhão de terceirizados formais no Brasil em 1995, número que chegou a 4,1 milhões em 2005 e a 12,5 milhões em 2014. Hoje passam de 20 milhões.

“O mais grave de tudo é a terceirização da atividade-fim. Ela potencializa o trabalho escravo, a exploração da mão de obra e a precarização. Cabe a nós revogar isso. De cada dez trabalhadores resgatados em condição análoga à escravidão, nove são terceirizados”, disse o senador gaúcho Paulo Paim (PT) em 2018. Mesmo assim, o Senado aprovou a lei, depois declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2020.

Marcio Pochmann afirma que a universalização da terceirização aprovada por deputados e senadores é a uberização da força de trabalho / Rede Brasil Atual

Para o economista, professor, pesquisador e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcio Pochmann, a universalização da terceirização aprovada por deputados e senadores é a uberização da força de trabalho. “Tudo isso faz parte do projeto da nova elite agroexportadora, que mantém a desigualdade, em contraposição às propostas fragmentadas da parcela da sociedade que gravita em torno dos serviços.”

Márcio Pochmann lembra que no fim dos anos 1980, início dos 1990, da recessão do governo Collor e da abertura comercial, expuseram o parque produtivo brasileiro à competição internacional sem condições adequadas. “Isso culminou em uma reação dos empresários para reduzir custos. A terceirização permitia às empresas concentrar-se nas atividades finalísticas e repassar as atividades-meio, fugindo do modelo fordista (montadora Ford dos Estados Unidos) em que a empresa fazia tudo. Esse era o discurso que veio de fora”, contextualiza.

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