Maria Cândida Silveira, Dona Dida: 102 anos olhando o mundo

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Wanderley Parizotto

O Portal Plena sempre fala da necessidade da leitura e escrita para a vida.

Para torná-la melhor, mais divertida, mais crítica, mais autônoma. Fala tanto, que resolvi escrever um conto ficcional, mas baseado em uma história que ouvi.

Escreva uma história, um conto. Envie para o Portal Plena que publicaremos com muita alegria.

 

Maria Cândida Silveira, a Dona Dida

 

Nascimento: 12 de outubro de 1870, um ano antes da Lei do Ventre Livre, em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, nas senzalas da fazenda dos Silveiras, ricos portugueses.
 
Com 1,62 m de altura e de aparência muito frágil, desde meninota recebeu o apelido de Dida, com o tempo acabou ficando ‘Dona Dida’.
Casou-se em 1891 com o mais novo dos seis filhos dos Silveiras, Armando, com quem cresceu. O pedaço de terra mais o ouro herdados por Armando, foram suficientes para tornar o casal rico o suficiente por diversas gerações.
 
O casal teve dois filhos homens.
 
Armando Silveira morreu acometido pela gripe espanhola.
Dona Dida passou, depois de deixar a senzala para trás, grande parte do tempo sentada na varanda da casa principal, com o olhar fixo no nada mas observando tudo.
 
Muitos a consideravam louca, outros, um cadáver insepulto. Sua voz poucos ouviram, somente quem se dispôs a conversar com ela. Seus filhos foram criados por outras ex-escravas. Quando adultos tocaram os negócios da fazenda.
 
Sua libertação, em 1888,  talvez não a tenha livrado dos grilhões que acompanharam seus ascendentes de Angola  e a si própria.
 
Da varanda da casa principal da fazenda, de onde se ausentava somente para as refeições e para dormir, viu o nascimento da República, as duas grandes guerras, as catástrofes, epidemias, as grandes invenções, a grande depressão…
 
Viu tudo. Quando perguntada sobre qualquer assunto, respondia com a segurança de um polímata. Causando perplexidade aos seus inquiridores, dado que ela não saía dali e mal sabia ler. Esta sabedoria lhe conferia  uma aura de feitiçaria e magia que fascinava e amedrontava as pessoas.
 
Com o passar do tempo, sua voz, rouca e firme, foi ficando muito baixa, audível somente aos que se aproximavam de sua boca, como se fosse para ouvir um segredo.
 
Pois Dona Dida esteve naquela varanda até 1972, quando de lá sumiu. Imagina-se que tenha morrido.
Porém, não há nenhum registro oficial do seu falecimento. Como também não há registro do seu nascimento, algo, aliás, muito normal para a época.
Também não houve registro de seu casamento com Armando por nenhum juiz de paz e padre algum celebrou a cerimônia e ninguém a  testemunhou.
Seus filhos foram registrados no cartório de outra cidade, próxima de Conceição.
 

(imagem de abertura: Daniel Ferreira /Metrópoles)

 

 

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