A fome e o racismo no Brasil: marcas de um país em frangalhos

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Cleci Elisa Albiero (*)

Cerca de 19 milhões de brasileiros e brasileiras passam fome, 43,4 milhões não têm alimentos em quantidade suficiente para alimentar seus familiares, e 116,8 milhões convivem com algum grau de insuficiência alimentar. Devo dizer que esses não são números dos países considerados pobres ou apontados com indicadores abaixo da linha de pobreza e miserabilidade; são dados da pesquisa “Insegurança alimentar e Covid-19 no Brasil” realizada em 2021 pela Rede PENSSAN, uma pequena amostra da realidade diária de milhões de brasileiros que passam fome no Brasil.

 

A fome no Brasil é um dos problemas crônicos que afeta boa parte da sociedade brasileira. Parece-nos contraditório apontar esse dado num dos países mais ricos do mundo em termos de produção de alimentos, tanto em quantidade como em qualidade. Porém, esse é o cenário que vemos constantemente nos noticiários, redes sociais e nas ruas de nossas cidades. São pessoas que tem cor, sexo, idade e não têm dinheiro, que passam fome, viram e reviram os lixões e aterros sanitários para catar restos de alimentos que são descartados, crianças desmaiando em sala de aula por não terem o que comer, nem nas suas casas e nem nas escolas, mães cometendo “delito” de furto e roubo de comida para alimentar seus filhos, pessoas implorando por um prato de comida, enfim, são tantos os cenários que nos faltaria espaço para descrevê-los.

 

No Brasil, esses indicadores vêm ganhando corpo e direcionam-se para uma parcela da população: pessoas negras, periféricas, na sua grande maioria mulheres, com baixa escolaridade, que trabalham em atividades com remuneração aquém para as condições mínimas de sobrevivência, com poucos ou sem direitos sociais garantidos. Essas mulheres, mães, trabalhadoras que sobrevivem com parcos recursos advindos de suas atividades diárias, como trabalhadoras domésticas, catadoras de materiais recicláveis e moradores das áreas rurais, pedem socorro.

 

O fato é que somos um país rico em água, terras férteis e produtivas e que tem na agricultura ou, como vem cada vez mais ganhando expressão, no agronegócio, seu principal objetivo de produção a fim de exportar e atender os mercados externos. Enquanto batemos recorde em produções de alimentos, somos um país insuficiente em distribuição de renda e, ao mesmo tempo, ostentamos os primeiros lugares na lista das pessoas milionárias.

 

Neste cenário de crise sanitária cometida pela pandemia da Covid-19, a situação escancarou aquilo que já sabíamos: a concentração de renda beira o absurdo, e a desigualdade social só aumenta. Sabemos que a fome é uma das expressões mais cruéis da injustiça social. Acompanhando pesquisas e estudos que vêm sendo publicados sobre isso, tenho percebido que na mesma proporção que a desigualdade social aumenta, aumenta vertiginosamente também a fome, o desemprego, os índices de violência e a pobreza.

 

A meu ver, a única forma de avançarmos neste cenário caótico, com o mínimo de condições de sobrevivência e recomposição de um tecido social democrático e de acesso para as pessoas em maior vulnerabilidade social, é pensarmos em distribuição de renda e políticas públicas de Estado, e não de governo, que envolvam todos os setores da sociedade.

 

Acesso garantido a pelo menos três refeições por dia é uma questão de dignidade e de sobrevivência humana e não pode ser pensado na perspectiva da caridade e da filantropia.

 

*Cleci Elisa Albiero, professora do curso de Serviço Social do Centro Universitário Internacional Uninter.

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