ÁlCOOL EM EXCESSO E VIOLÊNCIA: QUEM VAI PAGAR ESTA CONTA?

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Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde, o uso do álcool é um fator de risco associado à violência sexual e violência doméstica.

*Shirlei Camargo e Claudia Coser

 

O hábito de consumir bebida alcoólica é muito antigo. Segundo artigo do National Geographic, foram encontrados resíduos de vinho de arroz num jarro chinês de 9.000 anos. E tão antigo quanto o seu consumo é a busca por um equilíbrio em relação ao seu consumo.

Já alertava o poeta grego Eubulus, no século IV, que a primeira taça de vinho é saúde, a segunda prazer, a terceira sono e, quando esta taça é servida, as pessoas sensatas vão para casa, pois a quarta taça pertence à violência.

É fato que o uso do álcool em excesso se relaciona com uma série de problemas sociais, como acidentes automobilísticos, dependência química, desemprego e violência, principalmente, contra a mulher.

Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde, o uso do álcool é um fator de risco associado à violência sexual e violência doméstica. Inúmeros dados e pesquisas comprovam isso.

Por exemplo, um artigo publicado na Revista Médica de Minas Gerais, afirma que 50% dos casos de violência sexual estão relacionados ao consumo de álcool pelo agressor, pela vítima ou por ambos.

No caso do agressor, o álcool pode atuar levando a pensamentos violentos, diminuindo a inibição e justificando o comportamento para homens que, na verdade, já são violentos.

Inclusive, esse assunto veio à tona recentemente porque o jogador Daniel Alves usou, como forma de atenuante, o fato de estar sob o efeito de bebida alcoólica para cometer o crime de estupro na Espanha. Uma dose de bebida alcoólica é definida como, aproximadamente, 14g de álcool, quantidade presente em uma latinha de cerveja; garrafa long neck; taça pequena de vinho;  garrafa de ‘ice’  ou uma dose de cachaça (ou outros destilados).

 

Para fins de comparação com levantamentos internacionais (National Survey on Drug Use and Health), a prática do “binge drinking”  ( termo do inglês que em tradução livre define o ato de beber grandes quantidades de álcool de uma só vez) ocorre, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), quando uma pessoa ingere  ” seis ou mais doses de álcool em uma única ocasião ao menos uma vez por mês” (WHO, 2014).

Como vemos, trata-se de um padrão de consumo que provoca intoxicação e, ainda, é associado à casos de violência, de acidentes, de comportamento sexual de risco, doenças crônicas e dependência de álcool, entre outros problemas agudos e crônicos.

Por isso, o abuso do álcool é considerado um problema de saúde pública, passível de prevenção, por diferentes organizações como a OMS e o Center for Disease Control and Prevention (CDC).

Para se ter ideia, um estudo da FIOCRUZ (2022) apontou que a prevalência do consumo definido como ‘binge drinking’ é de 16,5%, índice que corresponde a, aproximadamente, 25 milhões de habitantes.

É importante ressaltar que a prevalência de ‘binge drinking’ foi estimada para a população geral.

Caso se considere, como denominador, apenas os indivíduos que fizeram uso de álcool nos últimos 12 meses, a prevalência de binge drinking seria de 38,4%.

Mediante tantos malefícios causados pelo consumo excessivo de álcool, devemos nos perguntar se “essa conta” deve ser paga apenas pelo consumidor (que paga pelos impostos adicionados ao preço de bebidas alcóolicas) e assume responsabilidade pelos atos; pela sociedade, que arca com os danos atrelados ao consumo exagerado de álcool e consequente aumento dos níveis de violência, custos elevados no setor de saúde pública, acidentes de trânsito, doenças provocadas pelo consumo de álcool (cirrose hepática, câncer no fígado etc. ), dentre outros.

Diante de tema tão relevante (e pouco debatido) é importante perguntar: e quanto às empresas de bebidas alcóolicas? Será que elas têm corresponsabilidade nessa “conta”? Sabe-se que esse setor gasta bilhões em propaganda, justamente para “estimular” o consumo e tal objetivo é alcançado com sucesso.

A força do marketing pode ser comprovada analisando outra indústria: a do tabaco. Vale notar que após a proibição de propaganda de cigarros no ano 2000, o número de fumantes caiu em mais de 30% nos anos seguintes.

Ou seja, chega a ser um contrassenso gastar bilhões com propaganda incentivando o consumo e colocar no final das peças publicitárias, em letras miúdas, um “consuma com moderação” ou “se beber, não dirija’’.

Outro ponto que precisa ser destacado é: quando o assunto é ESG (sigla que define a governança ambiental, social e corporativa)  todas as empresas têm Materialidade, ou seja, todas geram impactos tanto positivos, quanto negativos.

E isso vale para todas as operações de um negócio.

No caso das indústrias de bebidas alcóolicas, os problemas ocasionados pelo consumo excessivo e estimulado por tais fabricantes, consistem na Materialidade das empresas.

E por este motivo, as empresas deste setor deveriam se ocupar de estratégias, programas e projetos focados diretamente aos efeitos dos que têm parcela de participação.

Não se trata de “cancelar” os momentos de alegria em que as bebidas estão inseridas, mas de assumir uma  parcela de corresponsabilidade nos efeitos devastadores do consumo elevado.

Dessa maneira, quando empresas de bebidas alcóolicas traçam estratégias para expansão nas vendas a partir de estímulo e elevação de consumo ou quando se dizem alinhadas ao ESG, deverão também assumir compromissos concretos de prevenção, mitigação e compensação de danos. Estes, como  já sabemos,  são incalculáveis para muitas vítimas de acidentes fatais, vítimas da violência doméstica, vítimas de estupros, bem como as milhares de pessoas que desenvolveram vício para o álcool.

 

 

A dependência do álcool causa inúmeros danos individuais, coletivos e sociais. Imagem Freepik

E, embora algumas empresas aleguem que fazem sua parte e que têm projetos sociais voltados para diferentes públicos, ressaltamos que tais valores são insignificantes frente às graves consequências causadas por decisões estratégicas relacionadas à expansão e intensificação dos mercados.

Só para termos uma ideia, segundo dados da ISE3 (Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores B3) no exercício de 2021-2022, um grande grupo cervejeiro informou que destinou menos de 0,5% de sua receita operacional bruta em Investimento Social Privado. Pode-se dizer que é dinheiro de “troco”, se comparados aos gastos com propaganda e ao faturamento de empresas com a comercialização desmedida de bebidas alcóolicas.

Por fim, vale lembrar ainda o que diversas pesquisas confirmam: o consumo de bebidas alcóolicas é a porta de entrada para as demais drogas.

Diante disso, reiteramos que já passou da hora do setor de bebidas alcoólicas realmente fazer um “mea culpa” e, efetivamente, realizar algo a respeito dos inúmeros danos sociais causados pelo consumo abusivo de álcool. 

Como vemos, não basta só empurrar a responsabilidade para o consumidor e fazer marketing em torno de projetos sociais assistencialistas que passam longe dos principais problemas relacionados ao consumo excessivo de bebidas.

Será preciso, o quanto antes,  prevenir, mitigar e compensar, considerando a proporcionalidade de responsabilidades.

Essa tarefa urgente não será tão simples como rachar a conta no bar. Trata-se de um exercício que a sociedade, governos e empresas deverão fazer de maneira bastante sóbria.

*Shirlei Camargo é doutora em Administração pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e atua como Brand Manager da Plataforma Nobis.

*Claudia Coser é doutora e mestre em Administração na área de Estratégia e Organizações e fundadora da Plataforma Nobis.

 

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