Lula e Biden se unem por sindicatos e trabalhadores de aplicativos após tensão entre Brasil e EUA

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Na próxima quarta-feira, 20/9, em Nova York, os presidentes de Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e Estados Unidos, Joe Biden, vão lançar um documento batizado de “Coalizão Global pelo Trabalho”, no qual defenderão liberdade sindical, garantias aos trabalhadores por aplicativo, entre outras medidas.

Mariana Sanches – BBC News Brasil

Ou, nas palavras do Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, Biden e Lula irão se juntar “para destacar o papel central e crítico que os trabalhadores desempenham na construção de um país sustentável e democrático, um mundo equitativo e pacífico”.

Embora o teor do texto ainda não esteja finalizado e tampouco seja público, ao menos quatro pessoas envolvidas em sua elaboração, tanto do lado americano quanto do brasileiro, disseram à BBC News Brasil que os detalhes do acordo importam menos diante do que representa a própria existência da iniciativa.

Depois de uma série de solavancos, o lançamento representa um certo resgate da relação entre os dois líderes.

“A sacada não está em algo escrito no documento, está no fato de que Brasil e EUA estão liderando isso juntos, que Lula e Biden construíram algo novo em conjunto”, disse à BBC News Brasil um dos auxiliares de Lula com envolvimento direto no assunto.

“Essa é realmente uma agenda positiva em que os líderes estão trabalhando juntos, depois de muito ouvirmos falar sobre fricções e dificuldades na relação entre eles”, nota Alexander Main, diretor de Política Internacional no Centro de Pesquisa Econômica e Política em Washington, que recentemente acompanhou uma delegação de congressistas americanos, entre eles a estrela da esquerda democrata Alexandria Ocasio-Cortez, a Brasília para debater com autoridades brasileiras o plano.

O entusiasmo de Lula ficou evidente após uma conversa telefônica entre ele e Biden, em meados de agosto, na qual ambos alinhavaram detalhes da ideia. “É a primeira vez que trato com um presidente interessado nos trabalhadores”, disse Lula na ocasião.

 O assunto é tratado como uma das grandes prioridades do presidente brasileiro em sua agenda de cinco dias em Nova York. Tanto assim que, embora tenha recebido mais de 50 pedidos de bilaterais, segundo fontes do Itamaraty, a única que já estava confirmada antes mesmo da partida do brasileiro para os EUA era a agenda com Biden.

Além disso, Lula optou por não participar do lançamento público de títulos sustentáveis brasileiros na Bolsa de Valores de Nova York, nesta segunda (18/9), porque, de acordo com um diplomata brasileiro ciente dos planos presidenciais, ele não queria que sua imagem na viagem ficasse vinculada ao touro de Wall Street — “um símbolo da especulação capitalista” —, e sim à agenda pró-trabalhador.

Em busca de parceiros privados para obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em energia renovável — especialmente eólica e solar no Nordeste — e de investidores americanos para o país, Lula optou por participar de um jantar fechado à imprensa, organizado pelas organizações patronais Fiesp e CNI, na noite de domingo, para o qual foram convidados cerca de 40 dirigentes de grandes empresas e fundos, como a Chevron, a Blackrock, o Citibank.

Afinal, o que haverá no documento?

Fontes envolvidas na negociação disseram à BBC News Brasil que a premissa do documento é a definição de “trabalho decente”, da Organização Internacional do Trabalho, que define como tal o trabalho produtivo e de qualidade e que garante a liberdade sindical, o direito de negociação coletiva, promove a proteção social e elimina o trabalho forçado, infantil e formas de discriminação.

Assim, estarão contemplados na iniciativa princípios para a garantia de liberdade de associação com atuação sindical, respeito a convenções e acordos coletivos atingidos pela categoria sobre negociações individuais, salvaguardas a trabalhadores de aplicativos, como entregadores ou motoristas, que não devem ser tratados como empreendedores ou micro-empresários e sim como força de trabalho.

Há também a previsão de que o material trate dos empregos da nova economia verde, um dos temas que mais preocupa os líderes sindicais, já que a transição econômica do combustível fóssil para a redução de emissão de carbono tende a eliminar mais postos de trabalho do que gera.

Lula e Biden em encontro na Casa Branca em fevereiro de 2023 – imagem Reuters

É o que se vê, por exemplo, na indústria automobilística, na qual a fábrica de veículos elétricos demanda 40% menos trabalhadores do que automóveis à combustão. Tanto Biden quanto Lula são entusiastas da transição energética e das energias renováveis. Nos EUA, Biden não é apoiado pelo maior sindicato de metalúrgicos do país, a United Auto Workers (UAW), em parte pelo temor do que sua política para uma economia verde pode causar de impacto para os trabalhadores do setor. Os metalúrgicos da UAW estão neste momento em greve contra as três maiores montadoras do país, General Motors, Ford e Stellantis.

Pressionada pelos movimentos grevistas, os maiores neste verão desde a década de 1970, a Casa Branca tem dito que “ninguém quer greve”, mas que “Biden respeita o direito dos trabalhadores de usarem suas possibilidades para obter um acordo coletivo”.

O lançamento da coalizão deve colocar na mesma foto pela primeira vez na história de Brasil e EUA os dois presidentes e líderes sindicais americanos, como a AFL-CIO e a UFCW, quanto do Brasil, como da CUT. Também estarão presentes o Ministro do Trabalho do Brasil, Luiz Marinho, além de representantes do Conselho de Segurança Nacional dos EUA.

Brasil e EUA têm leis trabalhistas muito distintas. Historicamente, o Brasil oferece muito mais garantias aos trabalhadores formais do que os EUA. Aqueles com carteira assinada no país tem acesso a trinta dias de férias remuneradas anuais, a licença médica de 15 dias seguidas sem perda salarial, a licença maternidade de ao menos 4 meses e ao fundo de garantia ao trabalhador por tempo de serviço acrescido de multa de 40% em caso de demissão sem justa causa.

Nada disso é padronizado nos EUA: o trabalhador precisa negociar diretamente com o patrão suas férias e dias de licença médica, que com frequência são a mesma coisa e não superam os 15 dias anuais. Licença-maternidade também não é assegurada nacionalmente e depende da política do empregador e de alguma cobertura do governo local para existir. Não há qualquer tipo de FGTS. O funcionário dispensado nada tem a receber pela rescisão do contrato, que não precisa ser justificada.

Ainda assim, segundo os entusiastas da iniciativa, Brasil e EUA têm muito a trocar em relação ao assunto, até porque no Brasil existe uma enorme informalidade dos trabalhadores, que estariam ainda mais desprotegidos do que a média dos americanos.

“Nós vamos construir isso. Para o Brasil é importante primeiro pelo reconhecimento do presidente Lula como uma liderança global”, disse em Nova York o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, que negociou o texto.

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