Estas são histórias divididas entre amigos e familiares mas que curiosamente (e infelizmente), não tomam a proporção correta a ponto de serem levadas a um médico. O alcoolismo na terceira idade, segundo a Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), não costuma ser diagnosticado nessa faixa etária porque os sintomas, muitas vezes, são atribuídos a outras doenças crônicas ou ao próprio envelhecimento. Um grande erro.
O abuso do álcool, no entanto, é tão pouco reconhecido quanto é comum. Uma estatística levantada por pesquisadores norte-americanos de diversas universidades concluiu que, observando o universo das pessoas alcoólatras, um terço delas só se tornou, de fato, viciada, na terceira idade.
Segundo a médica e pesquisadora Sally K. Rigler, da Universidade do Kansas (EUA) “um dos grandes problemas nesse tema é que as definições comuns do alcoolismo não costumam ser aplicadas aos mais velhos, pessoas que são vistas como membros ‘fora da sociedade’, que têm muito menos interações sociais e, portanto, não têm de fato um problema com álcool”.
Mas essa é justamente uma parte do problema. A solidão, frustrações ao longo da vida e questões não compartilhadas com outras pessoas, são algumas das principais causas que levam o idoso a buscar o álcool.
“Os idosos tendem a sofrer de problemas emocionais, sociais e de saúde como a viuvez, solidão, perda de amigos, aposentadoria, isolamento social, dores crônicas e diversos outros quadros”, explica Arthur Guerra de Andrade, psiquiatra, especialista em dependência química e coordenador do Núcleo de Álcool e Drogas do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Ele explica que, em situações como essas, o uso de álcool afeta ambos os gêneros e, apesar de ser mais frequente entre os homens, tem aumentado entre as mulheres.
“Uma pesquisa nacional demostrou que 12% dos entrevistados com mais de 60 anos foram classificados como bebedores pesados [mais de 7 doses semanais], 10,4% como bebedores pesados episódicos [mais de 3 doses em uma única ocasião] e 3% foram diagnosticados como dependentes”, diz.
Andrade conta ainda que, com o avançar da idade, podem ocorrer mudanças fisiológicas no organismo, aumentando a sensibilidade ao álcool. Ou seja: “com a mesma quantidade de álcool, o idoso atinge uma alcoolemia maior do que nos jovens”, diz o médico.
Isso porque o envelhecimento pode modificar a capacidade de metabolização hepática , da função renal, e causar maior tendência a casos de desidratação.
A questão fica ainda mais grave quando se pensa que o abuso de álcool pode influenciar fortemente na ação de outros medicamentos que o indivíduo pode usar por outras razões. Portanto, o efeito de bebidas alcoólicas pode ser potencializado por outras drogas e essas interações precisam ser conhecidas e monitoradas por um profissional da saúde.
Porém, essa também não é uma tarefa simples. Ao cuidar de pacientes idosos, geriatras e outros especialistas têm uma grande dificuldade ao lidar com o comportamento dessas pessoas e seus familiares.
Quando abusam do álcool e não conseguem controlar suas ações, a maioria dos idosos se sente julgados e mesmo envergonhados; por isso os tratamentos _ quando a situação é identificada_ precisam ser feitos de forma individualizada, ainda que envolva as pessoas que convivem com o paciente.
Uma abordagem mais flexível e multidisciplinar, que tenha presença de um psicólogo, costuma ser a mais eficiente. Isso facilita a retirada do estigma extremamente negativo da condição e abre caminhos para a melhora do quadro. Infelizmente, uma barreira existe também nesse caso: a questão financeira faz com que muitos idosos evitem abraçar um tratamento completo.
Buscar ajuda e controlar o alcoolismo, no entanto, é ainda mais essencial conforme a idade avança. Especialistas concordam que beber, no caso dos idosos, pode levar a quedas, problemas de coordenação motora, julgamentos confusos e reação a situações. “Ingerir álcool excessivamente também agrava a diabetes e a hipertensão arterial, causa insuficiência cardíaca, problemas hepáticos, osteoporose, problemas de memória e distúrbios do humor”, finaliza Andrade.
O alcoolismo entre os idosos pode causar ainda acidentes automobilísticos e existem dados da Organização Mundial da Saúde que relacionam o alcoolismo na terceira idade a 30% dos casos de suicídio, 50% dos afogamentos e 50% dos homicídios.
Este é um quadro, portanto, que precisa ser levado sempre em conta, em qualquer idade.
Fonte: coracaoevida.com.br