O hospital Colônia de Barbacena foi fundado em 12 de outubro de 1903 e instalado no antigo sanatório de tratamento para tuberculose, localizado no terreno da Fazenda da Caveira, onde no século XVIII, pertenceu ao traidor da inconfidência mineira Joaquim Silvério dos Reis, sendo “um prêmio de consolação” para a cidade de Barbacena, em Minas Gerais, quando perdeu a disputa para ser a capital do estado para Belo Horizonte.
Já no início do século XX, após a inauguração do hospital, popularizava-se com o surgimento à cidade do famoso “trem de doidos”, que transportava pacientes de todas as regiões do país e tornava o local cada vez mais referência no “tratamento da loucura”. Porém, mesmo sendo inicialmente criado para acolher pessoas com algum distúrbio psiquiátrico, também acolhia alcoólatras, pessoas sem-teto, deficientes físicos e todos os considerados “desviados”, sendo que eles compunham mais de 70% dos internados.
BARBÁRIE
No Colônia, a grande maioria dos funcionários eram despreparados, além de precisarem lidar com a superlotação de 5 mil pacientes na década de 1950, quando, na verdade, o local foi projetado para abrigar 200 pacientes e a situação se agravava com o passar dos anos, até atingirem a lamentável estatística de 1 médico psiquiatra para cada 400 pessoas, na década de 1970.
Sem infraestrutura, medicação, vestimentas e alimentação adequadas, os internos vivam um aterrorizante cotidiano de precariedade, dormindo em leitos feitos com capim seco espalhados pelo cimento, junto a insetos, dejetos e ratos, onde, muitas vezes, a principal fonte de água era o esgoto que cortava os pavilhões.
“O frio de Barbacena era um agravante, os internos dormiam em cima uns dos outros, e os debaixo morriam. De manhã, tiravam-se os cadáveres”, comentou o diretor do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB), o psiquiatra Jairo Toledo. Estima-se que 60.000 pessoas morreram em oitenta anos – uma média de 16 mortes por noite na década de 1960 – e quase 1.900 corpos foram vendidos ilegalmente para universidades de medicina.
Fotografia de jovens no hospital Colônia. | Foto: Reprodução.
HOLOCAUSTO BRASILEIRO
A popularização do ocorrido a partir do termo “holocausto” se desenvolveu com a percepção de especialistas que visitaram o hospital e se indignaram diante da situação alarmante, como o psiquiatra Franco Basaglia que, ao sair do hospital, pediu que Antônio Simone, também psiquiatra, contatasse a imprensa e fizesse a seguinte declaração: “estive hoje num campo de concentração nazista. Em nenhum lugar do mundo presenciei uma tragédia como esta”. Tais comentários também estiveram presentes na fala do psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, que trabalhou no Colônia como secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica, substituída, em 1977, pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig):
Muitas das doenças eram causadas por vermes das fezes que eles comiam. A coisa era muito pior do que parece. Cheguei a ver alimentos sendo jogados em cochos e os doidos avançando para comer, como animais. Visitei o campo de Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente. Havia um total desinteresse pela sorte. Basta dizer que os eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves.
Situação precária e desumana no hospital recebeu o nome de holocausto brasileiro. | Foto: Reprodução.
MUSEU DA LOUCURA
No final da década de 1960, surgiram as primeiras denúncias à imprensa, como as que o jornalista Hiram Firmino publicou no jornal Estado de Minas, com a série de reportagens Nos Porões da Loucura. Além disso, o cineasta Helvécio Ratton lançou o documentário Em Nome da Razão, que demonstrou o cotidiano dos pacientes, desencadeando o início da desativação do hospital em 1980, com manifestações de profissionais da saúde mental e direitos humanos e, em 1987, foi instituído o dia 18 de maio como o Dia da Luta Antimanicomial.
Em 16 de agosto de 1996, foi inaugurado o Museu da Loucura, permitindo a preservação da memória das vítimas e da trágica história do hospital, promovendo reflexões e discussões acerca do tema tão delicado.
Por Glícia Santos – Fala! Cásper
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