O Brasil é perverso com os velhos

A morte do ator Flávio Migliaccio, em trágicas circunstâncias, o fato em si mais a carta deixada, é só  mais um exemplo de como o Brasil encara e trata seus velhos. Com desprezo, preconceito, indiferença. 

Wanderley Parizotto **

Nesta crise sanitária, diversos agentes políticos, inclusive,  o atual presidente da República, bem como empresários  e pessoas sem representatividade pública; sem nenhum pudor, disseram: “Vão morrer alguns velhos, qual o problema? Não podemos parar o mundo por conta das mortes de velhos”.

Com ou sem COVID-19 é exatamente assim que eles pensam. O Brasil enquanto sociedade pensa assim.

Ser velho no Brasil é mesmo que carro velho. Para carro velho o mercado de compra e venda é muito pequeno, não tem seguro, não tem peça de reposição, não tem valor algum.

Sinto na pele isso. Embora não tenha 60 anos, mas quase lá, já percebo situações tão bizarras que há dez anos não sentia.  O tratamento respeitoso que recebo às vezes, em nada tem a ver com aquilo que deveria ser o habitual entre as pessoas, mas porque tenho cabelos, poucos é verdade, mas grisalhos.

Dirijo há mais de 40 anos. Muito prudente sempre. Só que agora ouço: ‘Sai da frente velho’.
Eventualmente, embora não goste, mas precise, presto algumas consultorias empresariais. Quase sempre nas reuniões sou o mais velho. 

Noto um questionamento velado sobre meus conhecimentos, se estão atualizados ou não e, principalmente, se sei usar ferramentas da informática.

No ano passado fui questionado se poderia montar planilhas eletrônicas para apresentar um resultado qualquer. Respondi que sim, mas que não o faria. “Por que gastarei um tempo nisso, se posso chegar ao mesmo resultado usando uma simples máquina calculadora”? E completei: “Se eu tirar de você o Excel para fazer este simples raciocínio matemático você consegue?”.

Fiquei sem resposta.

Em razão do Portal Plena, participo de diversas discussões, fóruns, reuniões com empresas, entidades, órgãos públicos. Não é raro ouvir: “O  trabalho deles é tão bonito. Fala de velhinhos”. Bem, por educação não me retiro.

Nosso trabalho trata do envelhecimento populacional brasileiro. Ele não é bonito nem feio. É um alerta para a sociedade. Em breve os velhos serão a maioria.

E se não mudarmos a concepção da sociedade em relação à velhice, teremos um enorme estacionamento não de carros velhos, mas de seres humanos, sem trabalho, saúde, moradia, sexo, esporte. E você que nos lê e é jovem, estará lá.

Flavio Migliaccio foi-se. Foi triste, embora toda vida tenha nos feito rir, nos emocionar e pensar. Mas ele ficou velho para o mercado.  Maldito seja este mercado.  E que este tal mercado morra logo e que nasça outro mais inteligente e humano.

** Economista e criador deste portal.

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