Por que descriminalizar as drogas é uma questão de saúde pública?

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Ministro Silvio de Almeida explica porque é  favorável à descriminalização das drogas e porque este fator pode diminuir a pressão sobre o sistema carcerário brasileiro.

Leandro Prazeres/BBC News Brasil*

Nos últimos 10 anos, o professor, advogado, filósofo, mestre e doutor em Direito Silvio Almeida se tornou um dos intelectuais mais conhecidos do Brasil. Sua escolha como ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, portanto, não chegou a surpreender quem acompanhava as discussões sobre o tema mais recentemente. Pouco mais de dois meses depois de sair da condição de “pedra” para a de “vidraça”, o agora ministro ainda mantém a fala pausada e didática e a paciência para explicar seus posicionamentos por mais que possam parecer controversos. 

Ao longo de quase 50 minutos de entrevista concedida à BBC News Brasil, Almeida defendeu a criação de uma comissão para avaliar se o Estado brasileiro seguiu as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que apurou violações de direitos humanos durante a ditadura militar.

Almeida também defendeu que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue uma ação que está parada desde 2015 que analisa a descriminalização das drogas. O ministro  disse ser favorável à descriminalização das drogas e afirmou acreditar que ela poderia diminuir a pressão sobre o sistema carcerário brasileiro.

Dados de junho de 2022 (os mais recentes) mostram que a população carcerária do Brasil é de aproximadamente 837 mil pessoas, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), feito pelo Ministério da Justiça.

“Temos que tratar isso como uma questão de saúde pública, como uma questão que não se resolve por meio do encarceramento, com prisão e com punição”, disse.

Isso aconteceria porque estudos indicam que a atual lei de drogas gerou uma “explosão” no número de pessoas presas por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Apesar de se mostrar favorável à descriminalização das drogas, Almeida afirmou que o governo não estaria se movimentando para que o Supremo julgue o caso.  O ministro também afirmou que o governo trabalha para criar um estatuto para vítimas de violência que incluiria policiais, numa resposta à crítica de que a chamada “turma dos direitos humanos” defenderia apenas criminosos.

BBC News Brasil – Nos governos do PT, a população carcerária saiu de aproximadamente 300.000 pessoas para algo em torno de 622.000, segundo os dados oficiais. E essa maioria dessa população, o senhor sabe, é composta, em sua maioria, por jovens negros. Os governos do PT erraram em sua política carcerária?

Silvio Almeida – Eu acho que não são apenas os governos do PT. A dinâmica do Estado brasileiro se desenvolveu a partir de uma falsa ideia de que a punição seria, de alguma forma, o elemento fundamental do combate à criminalidade. Eu acho que isso é uma tônica de praticamente todos os governos do Brasil e que certamente se dá, também, até mesmo por inércia […] O presidente Lula falou especificamente comigo sobre isso e me pediu que nós pudéssemos pensar no âmbito em formas de se fazer com que as pessoas que estão presas e que não deveriam mais estar possam sair do sistema carcerário.

Mãos para trás de pessoa algemada
A população carcerária do Brasil hoje é de aproximadamente 837 mil pessoas – foto Getty Images

BBC News Brasil – O presidente pediu um plano para diminuir o encarceramento?

Silvio Almeida – Isso. Ele tem uma preocupação especial porque ele sabe os efeitos que isso provoca na sociedade.

BBC News Brasil – Como comunicar uma política pública nesse sentido para uma população que sente um problema grave de segurança pública?

Silvio Almeida – Acho que isso é fundamental […] A gente entende que não é uma discussão fácil, mas ao mesmo tempo a gente entende também que o cárcere não é uma solução e que os níveis de encarceramento que o Brasil tem hoje não são uma solução para a segurança pública.

BBC News Brasil – Há uma ação que tramita no STF parada há alguns anos em que se discute a descriminalização das drogas. O governo, de alguma forma, pretende conversar com o STF para que essa ação seja julgada logo?

Silvio Almeida– Eu, particularmente, sou favorável a que essa ação seja julgada e que essa questão seja resolvida no Brasil.

BBC News Brasil – O senhor é a favor da descriminalização das drogas?

Silvio Almeida – Sou a favor. A guerra às drogas é um prejuízo mortal. Ela (a guerra) é muito pior do que qualquer outro efeito que se possa pensar. Nós temos que pensar seriamente nisso, com responsabilidade, com cuidado. Mas eu acho que a guerra às drogas, a forma com que se combate às drogas, causa um prejuízo irreparável na sociedade brasileira.

BBC News Brasil – O governo está se mobilizando para conversar com o STF para que essa ação seja pautada?

Silvio Almeida – Não existe nenhuma questão relativa a isso, até porque isso é parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública […] o que o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania faz, de fato, é pensar nos efeitos disso e pensar em como pode ser feita uma política nacional que envolva um debate sério a respeito dos efeitos perversos do encarceramento.

BBC News Brasil – Na sua opinião, a descriminalização das drogas contribuiria positivamente para o problema do encarceramento?

Silvio Almeida – Sim. Pautado na experiência, na experiência de outros países, temos que tratar isso como uma questão de saúde pública, como uma questão que não se resolve por meio do encarceramento, com prisão e com punição. Eu acho que as pesquisas mostram isso. Mas como eu falei, é um debate que tem que se fazer. É um debate muito sério e muito complexo que tem que ser feito com o Estado brasileiro em termos educacionais e pedagógicos.

BBC News Brasil – A sociedade brasileira, hoje, está preparada para isso?

Silvio Almeida – Não está preparada, mas é tarefa do Estado brasileiro, do governo brasileiro, preparar a sociedade para isso, uma vez que estamos falando de ciência. Não é uma questão de achismo. Não é uma opinião.

BBC News Brasil – Para fazer um contraponto, também há estudos que mostram que a utilização indiscriminada de drogas causa prejuízos à saúde das pessoas…

Silvio Almeida – Descriminalização de drogas não significa que não possa haver um controle sobre isso. A gente não pode confundir controle e regulação com a questão criminal.

BBC News Brasil – Uma parte significativa da população brasileira critica defensores de direitos humanos utilizando uma frase que já ficou conhecida que diz: direitos humanos para humanos direitos. Como o senhor reage a esse tipo de alegação?

Silvio Almeida – Falar de direitos humanos é falar, por exemplo, de como é possível cuidar das crianças, adolescentes, das mulheres, das pessoas idosas, das pessoas que estão encarceradas e impedir que elas sejam submetidas a situação de tortura e de sevícias. Esse é o ponto.

BBC News Brasil – Por que, então, parte da população brasileira não tem esse entendimento? Boa parte da população brasileira reclama que só ouve falar de direitos humanos quando o que eles chamam de a “turma dos direitos humanos” vai defender criminosos…

Silvio Almeida – Em primeiro lugar, há um processo profundo de desinformação por parte de certos setores da vida política que se alimentam justamente dessa violência. Em segundo lugar, eu acho que há também todo um histórico de um país como o nosso que foi forjado no autoritarismo. Um país em que a democracia e o respeito à vida tem uma densidade muito baixa […] Em terceiro lugar, nós somos um país profundamente desigual (…).

imagem de abertura: Getty Images

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