Por que não nos encaram? Por que olham para o chão para conversar com a gente? Por que pessoas precisam envelhecer assim?
Por Ana Claudia Vargas (escritora/jornalista) e Wanderley Parizotto (economista)
MAIS UM EXEMPLO DE DESCARTE DE IDOSOS NO BRASIL
Elas são mulheres envergonhadas dessas que não conseguem olhar nos olhos das outras pessoas. Elas são quase sempre tímidas, parecem enfrentar um enorme constrangimento e não se sentem à vontade ainda que estejam em um lugar tão bonito quanto é esse acolhedor e belíssimo Jardim da Luz.
Elas se chamam ‘marias’ , ‘neusas’ ou ‘franciscas’; elas têm mais de 60 anos de idade e algumas escondem isto porque, simploriamente, acreditam que essa suave mentira pode, de fato, torná-las atraentes.
Mas o que menos está em jogo por aqui é atração física, porque nesse ambiente devidamente envolto por fantasias (não só sexuais) parece existir, veladamente, um jogo no qual os jogadores também são as peças chave e isso é extremamente confuso e intangível.
O dia é maravilhoso, sim, e pelas alamedas antigas desse parque ensombreado por árvores centenárias e ao lado da Pinacoteca do estado de São Paulo, vemos todo tipo de gente: desde casais “normalíssimos” caminhando ou correndo, passando por senhores aposentados que possuem semblantes conformados e poderíamos dizer, semblantes tão gastos quanto suas roupas antiquadas; até jovens e crianças que passeiam despreocupados, sentam-se sobre a grama e enfim, exercem com naturalidade o direito de viver suas vidas.
E é ali bem perto do grande portão que está diante do Museu da Língua Portuguesa que Marli se oferece para um programa ou como ela diz, quase romanticamente ‘para fazer um amor gostoso’. Marli é pernambucana, diz ter 65 anos, e o preço do seu ‘amor gostoso’ está entre 15 e 30 reais. Ela diz que não faz sempre esse tipo de trabalho ‘só quando vai ao médico no Bom Retiro’; ela também afirma ter um filho evangélico que nem de muito longe imagina que a mãe vende seu ‘amor gostoso’ ali nas alamedas do Jardim da Luz. Marli tem os olhos esverdeados e eles se iluminam ainda mais porque o Jardim da Luz deve ter esse nome por alguma razão especial.
Essas mulheres, com mais de 60 anos, não tiveram sempre na prostituição seu ganha pão, a maioria trabalhou como doméstica ou faxineira. Com a chegada da idade, os empregos sumiram. Mas as necessidade de levar dinheiro para casa, não.
Segundo outra entrevistada que nomearemos como “Vera”, ela não conseguiu sequer vender bala no farol, embora tenha tentado: ” Não deixavam, pois outros vendedores diziam que eu era lenta e atrapalhava”.
Pois estas mulheres que são mães e avós, que têm filhos adultos que ignoram as atividades maternas; que casaram e descasaram e que poderiam agora brincar com os netos ou que poderiam, simplesmente, ficar em casa… Hoje elas não podem nada disso e não devem (nunca) ser julgadas, pois foi este o meio encontrado para continuar levando dinheiro para casa.
A maioria delas sai de casa cedo com roupas dentro de sacolas, como faziam quando empregadas domésticas ou faxineiras. Suas famílias acham que elas estão indo trabalhar em casas ou empresas como fizeram ao longo da vida.
Elas estão aqui no Jardim da Luz vendendo seus corpos, com grande tristeza e desconforto.
Numa ‘paisagem’ como essa, quem seriam os clientes das velhas prostitutas do também velho Jardim da Luz? Pois são senhores que têm a mesma idade que elas ou são alguns anos mais jovens, comerciantes e empresários da região ou do interior que vem à capital a “negócios”.
As prostitutas do Jardim da Luz são mais um retrato da invisibilidade dos velhos no Brasil.
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