Você já reparou em como você lida com a sua própria companhia?
Aline Rangel*
Chegar em casa e não ter ninguém lá além de você mesmo. Nenhuma voz além da sua própria ou daquela que sai da TV. Esse é o dia a dia de muitas pessoas que vivem sozinhas. Claro que, na maioria dos casos, há sempre amigos ou familiares para quem possam ligar, conversar e marcar um passeio. Há quem imagine um cenário como esse e pense em liberdade. Há quem pense em solidão. E aí vem o medo de que essa rotina se prolongue ao longo dos anos e que, já na terceira idade, tenha de enfrentar uma vida isolada e solitária. Você tem esse medo de envelhecer sozinho? De onde será que ele vem?
Casamento: um sonho de gerações passadas
Algumas décadas atrás, o sonho de todo homem era ter um emprego estável com o qual poderia ganhar dinheiro suficiente para prover para sua família e aproveitar a vida com ela. À mulher bastava o desejo de encontrar esse homem, com quem se casaria e teria filhos. Hoje em dia, as coisas estão muito diferentes.
Muitas pessoas hoje em dia não almejam construir uma família como era a tradição de antigamente. Alguns preferem investir toda sua energia na carreira ou em outras áreas da vida, deixando os relacionamentos amorosos em segundo ou até mesmo em terceiro plano. Conhecer alguém que priorize a autonomia e esteja solteiro aos 30, 40 ou 50 anos, portanto, é mais comum do que se imagina.
Por outro lado, muitos ainda nutrem o sonho de trocar alianças e votos e têm pavor de imaginar uma velhice solitária. Mas será mesmo que casamento e filhos fornece algum tipo de garantia contra a solidão?
Separação e viuvez
Não apenas a quantidade de solteiros está aumentando, mas também a de divórcios. O período de isolamento social provocado pelo coronavírus foi um catalisador de separações no Brasil e no mundo. E não me entenda mal, pois sei que ninguém começa nenhum relacionamento pensando no término. Ao iniciar uma vida a dois, a esperança é de que seja uma relação frutífera, duradoura e muito feliz. Há, porém, sempre a possibilidade de não dar certo, e é importante manter o pé no chão quanto a isso. E lembre-se de que há pessoas que se sentem sozinhas mesmo estando dentro de um casamento, assim como há pessoas solteiras que estão sempre cercados de pessoas queridas, sejam amigos ou familiares.
Mesmo que esse casamento seja, de fato, um grande sucesso, há o momento em que a morte separa o casal. É um momento difícil. A perda do companheiro ou companheira que esteve ao seu lado durante tantos anos representa um divisor de águas, sobretudo na terceira idade. Como será daqui pra frente? A solidão será a nova realidade? Perguntas como essas são comuns nesse momento, mas antes de tentar se reorganizar, é preciso viver o luto para, posteriormente, seguir em frente, sozinho ou não.
O apoio dos filhos
Muitos encontram nos filhos a esperança de ter vínculos, acolhimento e companhia na terceira idade. Ao tornar-se pai ou mãe, é muito comum que os desejos individuais sejam projetados nos filhos, mas ao crescerem, eles terão suas próprias vontades, valores, sonhos e vidas. Pode surgir uma oportunidade profissional em outro estado ou país e o filho acabar morando longe dos pais, pode acontecer de o relacionamento ser conflituoso. Pode acontecer muita coisa fora do nosso controle. E embora muitos pais idosos possam, sim, contar com a presença dos filhos, nada é garantido, assim como no casamento.
Solitude x solidão
O anseio de estar cercado de pessoas é natural. Nossos ancestrais precisavam viver com outras pessoas para que pudessem sobreviver, e essa necessidade nos acompanha até hoje. Pode ser que venha daí o medo de viver sozinho e isolado. E embora a ideia de viver só possa parecer aterrorizante, é necessário aprender a lidar com isso, pois, em muitos momentos da vida, nos encontramos na companhia apenas de nós mesmos. E a maneira de encarar isso depende de cada um.
Se você não sente medo de estar sozinho, sabe aproveitar a sua própria companhia e é até mesmo capaz de encontrar prazer nisso, você não vive em solidão, mas em solitude. É saber conviver bem com o silêncio, com a quietude e com seus próprios pensamentos. A solitude representa uma oportunidade de mergulhar em si mesmo e buscar autoconhecimento, entender melhor seus hábitos, comportamentos, crenças e conjuntos de valores.
A solidão, por sua vez, tem uma conotação negativa. Algumas pessoas sentem um vazio ao se encontrarem sozinhas, mesmo que seja por poucas horas ou poucos dias. Essa tolerância ao isolamento é individual, pois depende da quantidade de conexão que cada um precisa. E quando falo em conexão, me refiro a uma conexão real, de olho no olho, e não de “conexão” em mídias sociais.
Mas pense comigo: mesmo que você se divorcie e que seu filho vá morar em outro país, lembre-se de que estar sozinho não precisa ser um estado permanente. Ainda haverá amigos com quem você poderá conversar e sair e haverá, também, muitos grupos sociais dos quais você poderá fazer parte para conhecer novas pessoas. A solidão não precisa ser regra na sua vida, mesmo que você não compartilhe seus dias com nenhuma parceira ou parceiro amoroso. Então confira algumas dicas para transformar solidão em solitude:
- Faça de você mesmo a sua melhor companhia e leve-se para “encontros” consigo mesmo: jantares, caminhadas e passeios.
- Invista tempo em um hobby que você já tem ou crie novos.
- Realize atividades que podem ser feitas sozinho: meditação, exercícios físicos, pintura, ioga.
- Abrace, de fato, a solitude e tenha em mente de que esse não é um estado permanente.
- Quando estiver sozinho, aproveite para fazer o que você gosta de fazer quando não tem ninguém olhando: dance zumba, cante, fale sozinho.
*DrªAline Rangel é graduada em Medicina numa das escolas médicas de excelência em nosso país: a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Também cursou a Residência Médica em Psiquiatria no Instituto de Psiquiatria desta mesma universidade (IPUB/ UFRJ).
(Imagem de abertura: reprodução)
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